Paradise Kiss — a face oculta da perfeição (análise)

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Funcionando como uma sequência indireta do mangá Gokinjo Monogatari, Paradise Kiss é uma das obras mais influentes da aclamada autora Ai Yazawa.

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Paradise Kiss coloca seus holofotes no mundo da moda e conta a história de Yukari Hayasaka, uma adolescente estudiosa ainda indecisa sobre seu futuro que é descoberta como modelo por estudantes de uma escola de artes, juntos formando o projeto Paradise Kiss.

Ao longo de seus cinco volumes de mangá (que recebemos como cortesia dos nossos parceiros na Geek Point), Paradise Kiss busca explorar apenas uma fração da vida de Yukari, mas o que ele mostra é uma época importante para seu desenvolvimento como pessoa.

O mangá ocupa um espaço único no portfólio de Yazawa por ser sua primeira série do gênero “Josei”, algo que a concebeu liberdade para abordar temas mais adultos do que em Gokinjo Monogatari e outros trabalhos anteriores.

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Os membros de ParaKiss podem ser descritos como pessoas extremamente populares, mas ainda assim “outsiders” culturais. Isso é exemplificado tanto em seus estilos de roupa (que se diferenciam até entre eles mesmos) quanto no quão isolados eles são nas suas próprias escolas, mesmo sendo considerados alunos muito ativos em seus projetos.

Como grupo, o ParaKiss não busca exatamente as melhores notas, mas sim os designs mais inovadores. Esse objetivo é compartilhado por todos os membros e é o fator principal da união entre eles, que vai também conquistando Yukari ao decorrer da história.

Mas isso não é tudo que os tornam interessantes, pois cada um dos membros podem ser lidos como símbolos divergentes da personalidade de Yukari. Um exemplo disso é a Miwako, irmã de Mikako Kouda, a protagonista do já mencionado Gokinjo Monogatari.

A primeira pessoa com que Yukari se dá bem no meio do grupo é ela, a membra mais “imatura” deles, olhando de maneira geral. Ela serve como uma continuação espiritual de alguns traços de personalidades da Mikako no começo de sua história em Gokinjo, antes de se desenvolver e consequentemente se tornar uma adulta bem sucedida.

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Com o tempo, Yukari vai se acostumando com o resto de ParaKiss, mas isso só vem após a história começar a tomar suas rédeas mais maduras, algo que começa a florescer no final do primeiro volume do mangá.

Isso não quer dizer que nada acontece no resto do primeiro volume, pois ele funciona como uma introdução leve aos personagens e ao status quo da vida de Yukari antes dos eventos principais da narrativa se desdobrarem. Nele também conhecemos Isabella, Arashi e George, o “líder” de Parakiss.

Isabella e Arashi ganham mais desenvolvimento depois, mas George já é categorizado de cara como uma figura intrigante. Yukari imediatamente se interessa por ele e se aproxima com cautela, algo que culmina no relacionamento profundamente complicado e eventualmente tóxico entre os dois.

George é cheio de qualidades, dentre elas sua beleza e imenso talento para design de roupas. Mesmo assim, a posição dele como designer artístico que tem vários de seus designs rejeitados o tornou uma pessoa arrogante e reservada com seu fluxo de trabalho, características que são mostradas de maneira leve inicialmente e vão se exacerbando com o tempo.

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Os problemas deste relacionamento são abundantes, e (em parte) vêm de um contraste entre o jeito que George quer que Yukari aja e o jeito que Yukari quer que George aja.

George busca uma pessoa completamente independente e desapegada enquanto Yukari busca uma pessoa atenciosa e engajada no relacionamento. Não há problema em querer alguém assim, mas tentar forçar seu parceiro a ter um tipo de comportamento que “você” quer já é outra coisa.

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Ainda assim, é justo colocar mais peso na maneira com que George trata Yukari, pois ele não só tenta forçar emoções nela, mas também faz isso de propósito, algo que tenta justificar como ele “ensinando” ela à amadurecer.

Mas o relacionamento também não é de todo ruim. Afinal, existem motivos pelo qual os dois estão juntos.

Para começar, os dois compartilham de uma forte atração física, e também aspiram a ser como o outro.

Yukari quer ser mais decidida com seus objetivos de vida (já que ela ainda estava incerta com seu futuro na moda) e George quer ser uma pessoa mais descontraída. Este é o apelo inicial do namoro deles, mas ele é apresentado com tanta nuance que é um desserviço eu tentar generalizar tanto.

Mas eu acredito que é melhor assim, pois não quero dar spoilers.


Além do relacionamento entre os dois protagonistas, Paradise Kiss também apresenta outro conflito principal: o desfile que eles devem planejar para a escola, onde Yukari será a modelo.

Ele funciona como uma constante fonte de tensão para a história, já que a cada dia que passa os membros de ParaKiss devem se preocupar mais e mais com terminar o vestido perfeito. Isso funciona bem tematicamente como um paralelo ao drama do relacionamento de Yukari, e dá um enorme espaço para interações de personagem marcantes.

Este conflito também alimenta a caracterização de George, pois ele vai gradualmente aumentando sua ambição e arrogância para terminar o vestido, e é o que faz ele começar a ver Yukari como sua musa acima de tudo.

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Para Yukari, o desfile é a culminação da evolução dela como modelo, já que antes dele ela até consegue entrar para ensaios de revistas de moda reais. Esta evolução também é vista no próprio design dela. A quantidade de detalhes dados ao guarda-roupa de todos os personagens do mangá por parte de Aizawa é impecável, mas as roupas de Yukari estão em outro nível.

Não só as roupas, como também seu rosto e postura. Inicialmente, ela age como uma estudante reservada e com estilo simples, mas se transforma numa completa supermodelo com maquiagem profissional e um senso de presença admirável no fim de sua jornada.

E aí encontramos o ponto deste texto (finalmente!). É possível dizer que Paradise Kiss, além de ser um ótimo romance, mostra as partes menos glamourosas de uma vida idealizada.

Durante os eventos de Paradise Kiss, Yukari basicamente vive uma fantasia extremamente desejável. Ela é encontrada por um grupo de alunos populares de uma escola exclusiva, vira a supermodelo deles e ganha um namorado lindo. Os outros trabalhos de Aizawa focavam em fantasias similares, mas Paradise Kiss demonstra uma quebra nesta fórmula ao focar principalmente nas piores partes de uma vida como aquela.

Muitas vezes é fácil ignorar todas as possíveis desvantagens que vêm de ter uma carreira tão desejada como a de modelo bem-sucedida, mas isso não significa que elas não estão lá, sejam elas inerentes à profissão ou apenas acaso.

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Yukari é constantemente duvidada por sua mãe estrita, que quer que ela volte a focar nos estudos para entrar em uma boa faculdade, e ainda lida com as constantes pressões que vêm juntas da vida de modelo. Ela deve sempre estar impecável visualmente e disposta a ouvir críticas à sua aparência, além de ser tratada basicamente como uma boneca.

Isso tudo sem contar seu relacionamento devastador com George, que pinta uma imagem dolorida da união hipnotizante entre duas pessoas que dependem muito uma da outra, mas que fazem muito mal um para o outro.

Existe muito à se discutir sobre Paradise Kiss, assim como qualquer boa obra. Por exemplo, eu também poderia falar sobre o relacionamento entre Arashi e Miwako, sobre a boa representação trans encontrada em Isabella, os designs de roupas de ParaKiss, entre muitos outros, mas estas podem ser salvas para outro dia.

Por enquanto, se o que foi dito no texto foi interessante, eu recomendo a leitura de Paradise Kiss. Ele pode até servir como uma boa porta de entrada para o resto dos mangás de Aizawa.