Cartomante – uma maravilhosa divinação nacional | Análise

No meu primeiro dia durante o Festival Jogatório, fiquei numa mesa ao lado dos garotos do Garoa Studios e pude trocar uma ideia com eles, conversa vai conversa vem, eles foram comentando sobre projetos passados deles e durante a conversa mencionaram essa visual novel onde você joga com uma cartomante. Quem me conhece sabe que eu amo esse tipo de temática então não deixei passar a chance de vir falar sobre aqui no recanto.

Antes mesmo de seguir com a análise, já quero deixar claro que o jogo se encontra na Steam por R$9,90 no momento. Então se você curte apoiar a indústria nacional já corre lá e dá uma chance pro jogo que tá a preço de banana.

Cartomante

Cartomante é uma visual-novel point and click com ambientação não muito distante do nosso Brasil contemporâneo. O jogo acompanha a titular cartomante de saco cheio em plena reta final de uma quinta-feira, o objetivo do jogo é só atender os próximos três clientes e encerrar as atividades por hoje.

O loop do jogo não tem muito segredo, enquanto os clientes não chegam você pode ir clicando em coisinhas do cenário para interagir com elas e matar o tempo regando suas plantas ou acendendo incenso(você também pode tocar no sininho da porta para acelerar o processo de chegada dos clientes, isso foi uma implementação muito importante para quando você está tentando chegar em um diálogo ou conquista específica), com a chegada do cliente começa-se a tiragem do jogo e aí a obra toma seu lado mais visual novel, o requisitante torna explícita sua angústia e você como a taróloga mais responsável do mundo decide se está com saco para entender melhor o lado do cliente ou se só segue com a leitura e bola pra frente. Após a tiragem das cartas você tem seis cartas viradas para baixo para escolher entre, depois da carta ser revelada você escolhe um aspecto do arcano maior para falar ao cliente sobre. O cliente reage de acordo com a leitura e sai de seu escritório.

+Leia também: Sephonie — conexões em toque, cor e tons | Análise

A protagonista nem sempre faz jus ao título que carrega, esse jogo tem realmente uma abordagem muito próxima da experiência de tirar um jogo, o tarot e a adivinha te aconselham, como as coisas vão seguir ainda dependem muito de como você vai seguir sua vida. Tanto que é justamente por essa aproximação da experiência de tirar um jogo que o jogo tem muitas variações de resultados para cada cliente, nesses momentos a escrita do jogo brilha demais e mostra uma variedade enorme em como lidar com o tom da estória, indo do humor mais absurdo que você pode imaginar até uma sequência mórbida onde você assiste o assassinato de uma das personagens.

Esoterismo e gritaria

A princípio eu entrei nesse jogo já esperando uma experiência bem próxima de Divination, já que ambas as obras apresentam uma premissa parecida e um número próximo de clientes à atender, só que ao jogar o jogo de fato eu fui virado de ponta cabeça da maneira mais positiva possível. De fato eu ainda consigo ver uma possível inspiração, mas diferente de Divination, Cartomante abraça o ridículo em toda chance possível e ainda assim mantém críticas sociais muito mais explícitas e presentes do que Divination.

A escrita do jogo na maior parte do tempo é puxada pro humor e isso é claro logo na apresentação de cada cliente; Um aleatório metido a protagonista de anime, uma enorme e cruel assassina acompanhada do seu ratinho de boca suja e uma riquinha escrota sem noção nenhuma da realidade. Apesar do cast ser extremamente excêntrico é justamente nas entrelinhas do diálogo de cada um deles que você consegue entender melhor sobre o mundo em que o jogo se passa, um exemplo muito claro é justamente a personagem “Bira”, que coincidentemente além de ser o único personagem declaradamente LGBT da obra, também é um morador da Zona Baixa (o que mostra para onde as minorias sociais deste mundo são varridas).

Sobre a mecânica do tarot, eu gostei bastante que apesar de você receber um arcano maior você pode escolher qual simbolismo da carta quer explorar para a situação do cliente, pois é realmente assim que as coisas costumam funcionar em uma leitura, nem toda carta tem um único significado cravado em pedra e irrefutável. Entretanto, eu admito que na reta final do jogo eu já estava um pouco de saco cheio do fato da escolha da carta ser aleatória, sério, eu sinto que teve um ponto que eu só pegava a torre em todos os clientes que vinham até mim (mas sendo bem sincero? No último jogo que tiraram pra mim apareceu bastante a torre, então talvez não seja tão culpa do videogame em si) e já estava ficando cansado de reiniciar o jogo na esperança de poder fazer “rotas” diferentes. Ainda assim, isso é algo que pode ocorrer em todo jogo com uma mecânica de aleatoriedade, então é menos sobre uma crítica direcionada à Cartomante em si e mais um comentário sobre a decisão tomada. Além de que o jogo também faz um ótimo trabalho em sinalizar quais opções já foram tomadas com cada cliente, assim te poupando de ficar fazendo a mesma coisa várias vezes porque você não lembrava se deu em algo ou não.

Parando para falar da arte do jogo, ela é extremamente estilizada e toda a colorização e character design são justamente voltada para essa ideia das ilustrações mais tradicionais do tarot (me lembrando muito o rws), tanto que é possível ver certos simbolismos nos personagens que remetem aos arcanas maiores (se preparem porque isso são puramente especulações minhas junto com uma amiga), por exemplo a questão da Camélia com as frutas na cabeça que simbolizam um pouco da maternidade da Imperatriz (já que existe toda essa questão dela se ver como uma “segunda mãe” para o sobrinho), as argolas do Bira que remetem as argolas e correntes do diabo (que casam com o arco dele sobre vício), a Olivia e o Simão eu consigo ver muito uma questão da Força já que não só existe a literal representação da mulher domando um animal como também existe a questão de que durante a leitura inteira a Olivia está restringindo a aura assassina dela, como também eu consigo ver um pouco do Enforcado na pose dela e a questão de que a bagagem amarela me remete muito a auréola ao redor da cabeça na ilustração original. Fora outros simbolismos que não necessariamente remetem ao tarot em si, como por exemplo a questão de que nenhum dos clientes tem seus olhos visíveis(e no caso da Camélia é ainda mais interessante, pois o Bira e a Olivia tem seus olhos tapados por adereços que eles mesmo escolhem utilizar, sendo o boné e a máscara, diferente da Camélia uma literal vegetação na sua cabeça, mostrando que além dela ser a mais cega entre os clientes, a falta de visão dela vem menos de coisas que ela mesma se impôs e mais de coisas que já nasceram com ela).

Cartomante foi uma experiência extremamente agradável e surpreendentemente variada, se você é um fã de misticismo ou só alguém querendo uma história absurda para arrancar uma risada, o jogo é a escolha certa para você. Ele já representa um ótimo primeiro passo para a carreira comercial do Garoa Studios e estou empolgado para poder falar sobre o próximo jogo deles aqui no Recanto!

Uma cópia gratuita de Cartomante para PC foi concedida pelo Garoa Studios para análise no Recanto do Dragão.