Final Fantasy XVI — hipérboles casuais | Análise

Final Fantasy XVI — hipérboles casuais | Análise

Se eu pudesse descrever o quão entusiasmado para Final Fantasy XVI eu estive, eu meio que não conseguiria.

Talvez o video game mais aguardado da década por mim mesmo até o determinado momento (o que não é grande coisa já que a década tá pra fazer três anos) o meu entusiasmo foi tão intenso que eu decidi levar a sério a ideia de comprar e finalizar as expansões de Final Fantasy XIV e só por isso eu já sou extremamente grato a Final Fantasy XVI.

Mas o tempo passou, eu comprei um Playstation 5 e joguei quase que todo o acervo limitadíssimo do console, esperando o lançamento do “exclusivo” que mais me importava; mas afinal, Final Fantasy XVI é tudo isso? Ele merece ser um clássico imortalizado por razão de sua perfeição assim como aqueles que vieram muito tempo atrás dele? Bem…

Final Fantasy XVI análise

Final Fantasy XVI foi lançado no dia 22 de Junho de 2023, de maneira temporariamente exclusiva para Playstation 5 e com um lançamento sem data confirmada para PC. Ele se trata da jornada da vida de Clive Rosfield dentro de um usual mundo de fantasia.

Valisthea, o mundo de Final Fantasy XVI, é muito muito denso, ao ponto que existem diversos NPCs que trabalham pra contextualizar a geopolítica e os mais diversos elementos que compoem a trama. Existe até um menu dinâmico que engloba todo jogo que te permite ler pequenas descrições sobre seus objetivos, os lugares que você passou ou vai passar e pequenas curiosidades sobre tais.

Basicamente, em Valisthea existem seis países “livres” que vivem numa constante luta por poder: o Grão-Ducado de Rosária, o Sacro Império de Sanbreque, o Reino de Waloed, a República de Dhalmekia, o Reino de Ferro e o Domínio Cristalino. Cada um desses cantos se aproveita da benção dos cristais-matér. Esses Cristais servem como fonte de energia e permitem e potencializam o uso das magia dos portadores.

Final Fantasy XVI análise

Os portadores foram abençoados pelos cristais com poderes magníficos e são escravizados, humilhados e abusados por toda a sua vida. É… o aspecto cultural que une todas essas regiões é o completo desprezo por quem porta tais poderes. Sim, eles são extremamente importantes para o funcionamento daquele mundo, todavia isso não importa nem um pouquinho, e desde o começo de suas vidas eles são marcados no rosto a ferro quente como gado, para se diferenciarem dos humanos normais.

A coisa vai tão longe que pais sacrificam filhos com tais bençãos sem sequer pestanejar, e é um aspecto cultural que todos estão acostumados e consentem. Além disso, o uso desenfreado dos poderes acelera uma espécie de maldição que eventualmente os petrifica (e consequentemente os mata), transformando-os em basicamente lixo descartável na visão de seus proprietários.

Não tão longe disso existem os Dominantes, aqueles que ascenderam e herdaram os poderes extraordinários dos Eikons. Os Eikons são os summons de Final Fantasy. Phoenix, Garuda, Ramuh, Odin, Titan, Bahamut, Ifrit, toda essa rapazeada. os Dominantes são pessoas normais que por alguma benção conseguiram materializar esses poderes, e que representam cada um dos reinos do mundo.

Se os portadores são completamente excomungados, os Dominantes são por outro lado tratados com respeito absoluto na maioria das religiões, já que, bem, eles tem poderes de literalmente se transformar em um monstro gigante e destruir qualquer coisa que apareça pela frente. Isso permitiu a ascensão social de algumas pessoas que passaram a vida toda na sarjeta.

E além de tudo isso, existe a praga. A praga é uma decorrência do fato dos cristais puxarem a vida da terra para permanecerem distribuindo tais bençãos, e ela basicamente destrói e se espalha por todos os cantos, infertilizando a terra e matando tudo pela frente.

O protagonista Clive Rosfield, príncipe da região de Grão-Ducado de Rosária não recebeu a benção de ser o Dominante da Fênix (algo que é basicamente uma tradição, já que esse Eikon sempre ascende em alguém dessa linha sanguínea). Todavia, seu irmão mais novo, Joshua, recebeu. Isso por si só já limitou a vida de Clive, por impedi-lo de se tornar rei ou alguém que carrega títulos importantes, mas o permitiu ser o escudo do futuro rei, Joshua.

Esse é o maior proposito de vida de Clive, e apesar de sussurrarem por suas costas e até sua própria mãe o tratar com completo desprezo, ele aceita isso com um sorriso no rosto e ao menos tem o respeito dos soldados de Rosaria por razão da sua habilidade na arte da espada.

Elwin Rosfield é arquiduque de Rosaria, pai de ambos, e um rei legal. Ele basicamente retrata o ideal de rei de bom coração tal qual… Ned Stark de Game of Thrones.

E é aí que Final Fantasy XVI apresenta uma coisa que outros Final Fantasy nunca tiveram como individualidade: Game of Thrones! Sabe aquela série extremamente prestigiada que todo mundo amou até um fatídico fim tenebroso? Final Fantasy XVI se fundamenta em vários elementos que habitam as crônicas do gelo e fogo, coisa que os próprios desenvolvedores afirmaram em entrevistas.

A própria demonstração gratuita de cerca de duas horas de duração tem tudo que você pode esperar da uma premiere de série da HBO: Sangue, Assassinato, Traição, Sexo, Assassinato, Carnifiça, Animal Fofinho; esse tipo de coisa que faz uma obra ser extremamente adulta, sabe?

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

E realmente é um começo memorável pra caramba, mas com o passar do tempo que você habita o mundo de Final Fantasy XVI, fica notório como esses signos que referenciam o seriado não servem pra muita coisa além de encarnar um certo tipo de estereótipo de personagem, tipo uma mãe extremamente malvada maquiavélica, um rei de bom coração que certamente vai se dar mal, o príncipe “bastardo” que sofre o pecado de existir, e claro, um cara de dois metros de altura grande e besta.

Todavia, a maioria das simbologias e mistérios iniciais desse jogo são resolvidos nas primeiras seis horas do jogo de maneira estranhamente súbita. Mas a cada hora que passava, Final Fantasy XVI meio que se tornava mais Final Fantasy em seu propósito, e isso me deixava bem mais engajado do que aquela falsa ideia de ser o Game of Thrones dos video games.

A história dos cristais, Eikons, Chocobos, Cids, Moogles e todos esse signos clássicos de Final Fantasy vão se materializando de formas bem sinceras, respeitando o legado que as mesmas carregam mas com suas próprias individualidades dentro desse contexto; sem um laço tão grande com a realidade de fazer o Final Fantasy sério e para adultos tal qual o marketing fazia soar.

Final Fantasy XVI análise

O protagonista Clive passa por três grandes arcos: o de um príncipe respeitado pela sua força mas marcado pelo fracasso da hereditariedade da fênix, o da literal escravidão em que o protagonista é simplesmente um escravo vivendo a mando de assassinar pessoas para o império de Sanbreque sem nenhum proposito além do desejo de matar um certo alguém, e o último e mais importante arco “revolucionário” onde, perante a revolta vinda de como o status quo trata aqueles que receberam a marca, Clive e seus aliados começam a agir pra mudar o mundo como um todo.

Em Final Fantasy XVI existe uma jornada sobre buscar o próprio propósito, tanto no sentido do Clive vivendo uma vida de submissão a partir de determinado ponto da história quanto na estrutura daquele mundo que funciona baseado em preconceitos e subordinações sobre pessoas das quais o único crime foi nascerem “diferentes”. Claro, a contra resposta de inúmeros séculos de servidão é terrorismo!

Terrorismo não é uma temática nova em Final Fantasy, no sétimo jogo da franquia principal a organização Avalanche é um grupo de bioterroristas praticando grandes atos de revolta contra uma grande corporação. Já aqui no décimo sexto jogo principal é um terrorismo perante os pecados de uma força muito maior, os pecados de deus.

+Leia também: Final Fantasy VII – segurando meus pensamentos em meu coração

Ao invés de Final Fantasy conversar mais sobre a injustiça que os seres humanos travam entre si como já fez em jogos mais “sérios” como Final Fantasy Tactics, o discurso dele engrandece muito mais um senso de ascender à métodos cada vez mais extremos, mas de certa forma messiânicos pra materializar o ponto dele — que é literalmente o de ir contra as forças da natureza.

Matar deus é algo extremamente intrínseco a jornada tradicional de um JRPG. Isso para muitos virou uma piada costumeira de “haha do nada você mata deus no fim do jogo”. Em Final Fantasy XVI isso é uma temática que não salta de repente na sua tela, mas é meio que o enredo principal da parada.

Dentro dos temas de Final Fantasy XVI existe esse senso de ir contra tudo e todos em prol dos seus ideais, independente do que vão pensar sobre você, se vai realmente valer a pena e de se vai ao menos dar certo, mesmo que isso inclua ir contra o nosso seu criador.

Final Fantasy XVI é jogado como um hack and slash. É uma mistura de Devil May Cry 5 com itens de cura, um cachorro que você pode mandar atacar ou te curar e mecânica de XP. Apesar de não existem tantos combos complexos na hora de apertar o (único) botão de ataque físico tal qual DMC, o protagonista incorpora poderes especiais de Eikons como o da phoenix para executar os comandos que dá dano massivo, junto da sempre excelente adição do sistema de Stagger, presente em Final Fantasy VII Remake e XV mas originado em Final Fantasy XIII.

Eu vou ser sincero com você, eu adorei isso. Durante minhas 55 horas de Final Fantasy XVI não teve um momento sequer em que me incomodei de estar numa das milhares e milhares de sequencias de combate que ele oferece, eu me debrucei no ato de apertar milhares de botões e ver as animações cheias de partículas brilharem na minha tela. A dificuldade acaba beirando uma andada no parque, e a falta de uma seleção ampla de dificuldade desde o começo do jogo me foi algo triste.

Final Fantasy XVI não tem status elementais de fraquezas, party members controláveis (tal qual Final Fantasy XV não tinha até receber atualizações), ou até uma maneira de pedir, por exemplo, pra sua companheira Jill soltar alguns cristaizinhos de gelo na hora que você bem entender, já que os companheiros tem IA própria.

Final Fantasy XVI análise
Viúva Triste

Final Fantasy XVI é basicamente sobre um cara e como ele se sente no mundo em que vive, no começo indo pro mal caminho e depois buscando o bom. Clive Rosfield não é um edgelord. Ele na verdade pouco extravasa sua raiva ou descontentamento nos outros. Apesar de no começo agir que nem um cão sem dono, Clive não morde, na verdade ele ajuda até mesmo quem despreza ele.

Mas como já citado ele tem sim um inimigo declarado, e depois de um acerto de contas esperado de mais de uma década, a única pessoa que ele consegue realmente odiar é a si mesmo.

Então você acompanha a história desse singular cara em busca de tentar mudar o mundo que ele vive e libertar os povos do reino de Valisthea da influência dos cristais-matér e da praga que vem se alastrando cada dia mais.

Existe um certo ciclo em Final Fantasy XVI, e que é certamente algo herdado dos trabalhos anteriores do estúdio, no caso Final Fantasy XIV e suas expansões. Sim, eles são os desenvolvedores do criticamente aclamado e elogiado MMORPG, e isso diz muito sobre como a estrutura do jogo funciona.

Basicamente você vai pra sua base, determina algum objetivo perante suas circunstancias, conhece uma região totalmente nova, faz algumas dezenas de side quests e enfim enfrenta uma dungeon principal que é onde tá aplicado todo o orçamento do jogo. Essa é meio que a estrutura de Final Fantasy XIV Online, principalmente a partir da (premiada) expansão Heavensward.

É evidente que exista uma particular diferença de tamanho e parâmetros, enquanto em Final Fantasy XIV esse ciclo dura geralmente umas seis/sete horas (sem contar os objetivos secundários) em cada ambiente extremamente vasto, em Final Fantasy XVI dura no máximo umas três/quatro (até considerando os secundários) e o tamanho disso não é o que configura se é bom ou ruim, mas existe a questão do quão estruturalmente repetitiva é essa base pra um jogo do calibre de Final Fantasy XVI e reflete a diferença de design com jogos modernos atuais dentro do eixo AAA.

Pra ser sincero o mesmo “problema” de estrutura eu também senti em outros dois jogos lançados pela Square Enix recentemente: Final Fantasy VII Remake e Dragon Quest XI: Echoes of an Elusive Age. Mas novamente, não na potencia de Final Fantasy XVI.

As atividades opcionais se dividem entre missões secundárias curtinhas que apesar começarem “simples” vão agregando muito bem na história com o passar do tempo, com muitas informações que francamente fizeram o jogo crescer muito pra mim, e também as caçadas de bestas que já eram presentes de Final Fantasy XII.

Sendo assim, Final Fantasy XVI é um jogo bem cíclico, cada mapa do jogo é separado em “áreas”, portanto não existe aquela imensidão totalmente aberta que Final Fantasy XV proporcionou (diante de suas limitações) e os mapas não tentam apresentar horizontalidade massiva.

Final Fantasy XVI análise

Mas é dentro das Dungeons do jogo que o bixo pega. De modo algum elas parecem dungeons clássicas labirintescas de JRPGs com dificuldades aterrorizantes, e são meio que basicamente fases de um jogo linear (tanto que existe até a possibilidade de rejogar tais).

Entretanto a construção temática de cada uma dessas dungeons me foram ainda impressionantes de maneira megalomaníaca e emocionante — principalmente nos momentos de rinhas de Eikon no maior estilo Asura’s Wrath, onde sem ironia ou hipérbole alguma parece que foi onde o orçamento do jogo foi investido sem pesar algum e é aqui que habitam as cenas mais avassaladoras, onde todo ciclo narrativo sempre culmina numa explosão esplendorosa.

E parte dessa construção deve muito à trilha sonora composta por Masayoshi Soken, também responsável pelas trilhas de Final Fantasy XIV (e aquele jogo de basquete do Mario crossover de Final Fantasy, Mario Hoops 3-on-3)

Falar da excelência de Soken em suas composições já não é novidade aos fãs do MMO, todavia melhor do que isso é ver a variedade de gêneros que são abordados em Final Fantasy XVI. Claro que uma maior variedade sempre foi possível, mas as quebras das música orquestradas emocionantes pra algumas paradas que circulam em volta de outras fontes de inspiração mais moderninhas ou clássicas são um absolutamente indescritíveis.

Final Fantasy XVI não é perfeito. Talvez longe disso. Não foram poucos os momentos que eu me cansava de ajudar alguém a fazer alguma coisa pra alguém pra me levar pra algum lugar achar algo para um outro alguém, ou em que eu lia sem parar conversas completamente redundantes de algumas sidequests que nem sequer tinham um proposito narrativo e que só inflavam a parada. Enquanto isso, a maioria dos personagens secundários tem um tratamento nem próximo da densidade do protagonista. A própria Jill que acompanha o protagonista por todo o esse tempo tem uma quantia seleta de momentos importantes e passa dezenas de horas sem falar uma palavrinha enquanto você faz as missões secundárias.

Mas cuspir nesse prato depois de tudo que eu senti jogando esse jogo simplesmente não me faria sentido.

Final Fantasy XVI análise

Habita nos confins da internet um falso preciosismo toda vez que lança uma nova iteração da franquia Final Fantasy, que dita que esse jogo é “ruim” ou “diferente demais” para ser Final Fantasy desrespeitando o cânone sacrossanto dessa franquia que um dia já foi “perfeita”. Toda vez que lança um Stranger of Paradise, um Final Fantasy VII Remake, um Final Fantasy XV, um Final Fantasy XIII, um Final Fantasy XII, um Final Fantasy X… acontece um discurso do que de fato é um Final Fantasy de verdade.

E a resposta é muito simples, até demais: todo jogo que se denominar como tal. Alguns daqueles que desdenham da existência desses novos jogos sem sequer fez questão de conhecer alguns dos próprios jogos da Square que tem a proposta de voltar as raízes clássicas da franquia, como a franquia Bravely Default.

Um Final Fantasy não se denomina através de gêneros preestabelecidos ou moldes estéticos, mas sim através das emoções e sentimentos. É assim que um Final Fantasy consegue ser um Final Fantasy. É sobre os amigos que fazemos, os lugares que conhecemos, e os sacrifícios que arriscamos perante aquilo que mais desejamos. É sobre as emoções que sentimos.

Talvez a coisa mais me afeitou em Final Fantasy XVI foi a quantia de tempo que ele poderia explorar coisas que acabou por não explorar. Isso é de fato algo triste, mas no fim de tudo o saldo foi muito além de positivo, e perante as emoções que senti, eu posso afirmar:

Final Fantasy XVI não é perfeito. Nenhum Final Fantasy é e jamais será, e é isso que faz essa franquia ser tão especial. É esse sentimento ousado de não permanecer estagnado na mesma fórmula e conceitos. É justamente por isso que eu amo Final Fantasy, e consequentemente é por isso que eu amo Final Fantasy XVI.

Final Fantasy XVI análise