Em 2021 nossos amigos do Garoa Studios, não satisfeitos em já ter um lançamento sendo comercializado – Cartomante, outro título que analisei no RDD – também decidiram apostar em um segundo jogo que se distingue bastante do gênero de visual novel anteriormente lançado.
Seguindo os mesmos moldes do último texto, esse é um jogo brasileiro de um estúdio pequeno, então se o seu objetivo é apoiar desenvolvedores independentes, já aproveita e deixa a aba da Steam aberta pois o jogo se encontra por apenas R$10,90 em seu preço comum.
Stand By Me
Stand By Me é um puzzle platform onde a sacada principal do jogo é que você não controla o personagem jogável, mas sim elementos do mapa que controlam ele através de magnetismo, propulsão, movimentos perpendiculares e muitos outros rolês físicos engraçadinhos. A estória acompanha Pico, uma bolinha entusiasmada que ama seus amigos e que está em uma jornada.
Normalmente costumo ser uma pessoa mais direta ao ponto, e sempre falo sobre a gameplay assim que possível, mas no caso de Stand By Me quero deixar a gameplay para um pouco mais tarde para dar destaque às questões visuais e narrativas do jogo. Apesar desse segundo título se afastar da fórmula de visual novel proposta no primeiro lançamento comercial do estúdio, a equipe fez questão de manter a narrativa como um dos elementos fundamentais da obra, optando por uma apresentação que remetesse a livros infantis. A estória de Pico é dividida em sete livros, cada um contendo uma série de desafios (cada puzzle é isolado um do outro, mas cada livro contém uma temática que engloba seus puzzles, narrativas e visuais) e uma lição que Pico aprende sobre si mesmo e seus amigos ao seu redor.

Seguindo com a gameplay, o jogo é interessante pois ele se baseia no princípio físico da inércia. Apesar de toda sua força de vontade, Pico não tem energia própria para se mover por onde quiser livremente, então ele depende da ajuda de seus amigos para lhe impulsionar por aí (o que complementa perfeitamente o conceito narrativo do jogo): cada amigo tem uma característica própria. Por exemplo, os iniciais são losangos azuis que te puxam em direção a eles, e Pico pode usar essa força gerada pela atração para então se projetar em direções específicas e rebater pelas paredes até coletar todos os losangos amarelos necessários para completar a fase.

Outros dois elementos que existem tanto para agradar quem procura mais ou menos dificuldade no jogo são justamente as skills e os time attacks. As skills são livros opcionais desbloqueados conforme o decorrer da campanha, que ao serem completados liberam habilidades especiais para te auxiliar na jornada ao decorrer da campanha; todas elas têm suas limitações para não quebrarem completamente o desafio do jogo. Um exemplo é a habilidade de teleporte e de redirecionamento, que só podem ser usados cinco vezes por livro, enquanto o chapéu (equivalente a uma vida extra) pode ser utilizado uma vez por página. Para contrastar a facilidade trazida pelas skills existem os time attacks: toda vez que você termina o livro e decide rejogá-lo, o jogo vai adicionar um contador no canto inferior direito da tela, com o objetivo de ver se você consegue bater o recorde deixado pelos desenvolvedores. Pessoalmente não sou o maior fã desses tipos de desafio, mas é legal termos opções pra levar experiências mais fáceis ou mais difíceis e curtir o jogo do jeito que preferir.
+Leia também: The Cosmic Wheel Sisterhood – inseguranças e jornadas | Análise
Sobre a estética do jogo como um todo, ele conta com muita arte técnica feita através de trabalho de shaders, o que acaba criando uma atmosfera particularmente reativa à sua gameplay como um todo. Tudo é vibrante, mas não “exageradamente” vibrante, fazendo com que você tenha uma sensação de deslumbre visual que não seja cansativa depois de vinte minutos jogando. Além disso, o jogo tem uma trilha sonora groovy que super combina com o sentimento de ficar pulando de um lado pro outro, em um percurso que pode ou não dar certo. Toda a OST do jogo trabalha com motifs que remetem a sensação de uma jornada, já que simultaneamente apresentam novos elementos enquanto sempre estão remetendo a coisas que você já superou anteriormente.
Apesar de ter muito interesse na área da educação, (ainda) não sou nenhum pedagogo formado, então chamei uma querida amiga formada em letras para averiguar com propriedade como a Garoa Studios se saiu na intenção de produzir algo com base em literatura infantil; de acordo com ela, o estúdio se saiu bem! A diagramação do texto é didática e a junção da linguagem simplificada e do reforço visual combinados com atividades lúdicas remete bastante a estrutura de livros infantis. Além disso, a repetição de palavras durante o jogo foi um ponto que ela ressaltou como interessante, já que muito do ensino infantil vem justamente da repetição, como por exemplo no caso Pico, uma história que retrata a perseverança e persistência frente a desafios e que apresenta uma repetição muito presente do verbo “tentar”.
A entropia do afeto
Nos adentrando mais profundamente na questão da estória contada pelo jogo, o que importa não é tanto a jornada quando analisada de um lente objetiva, mas sim olhando pelas entrelinhas do texto. Em entrevista ao The Gamer Inside Brasil, Victor Correa revela que o desenvolvimento de Stand By Me iniciou logo em seguida do lançamento de Cartomante, ou seja, ainda em 2020 (auge da pandemia). É possível ver reflexos em diferentes aspectos da obra, a questão dos espaços reclusos onde cada fase se passa, o livro inteiro dedicado a auto-reflexão e introspecção de Pico, o fato de todo amigo ao final de cada livro estar literalmente isolado e outras possíveis leituras subjetivas demais para serem colocadas aqui, mas para mim o tema mais importante e recorrente na obra é justamente a discussão sobre amizades e seus diferentes afetos.
Eu sinto muito essa energia de saudade e compreensão em relação a como diferentes relações podem ser vistas em vida; afinal de contas, as mecânicas não são apenas coisa que existem no universo do jogo, eles realmente são amigos que mudam Pico na medida que Pico também os transforma, e o último livro pra mim é o exemplo mais bonito de tudo isso: um amigo de Pico tão isolado a ponto de machucar aqueles que tentam se aproximar dele, e o único jeito que Pico consegue se aproximar deste amigo é justamente através da rede de afeto que ele tece ao decorrer do jogo. De verdade, achei uma conclusão muito bonita que reforça tanto essa importância da amizade e as diferentes facetas da mesma. Além de que uma outra questão muito interessante é justamente como ele aborda isso sem cair exatamente no lado do “os amigos que fizemos no caminho”, até porque Stand By Me não é sobre fazer amigos, mas sim sobre encontrar amigos, reencontrar pessoas que você já conhece e que estão dispostas e te empurrar pra frente. De verdade pode ser uma leitura mais profunda do que poderia existir dentro do jogo, mas, foi algo que ficou comigo.
+Leia também: Eu amo Bocchi the Rock! :3


Agora em uma outra nota fora do eixo de narrativa, eu tive uma única dificuldade com o jogo que foi no fato de liberar a última habilidade, eu terminei o jogo, joguei ele mais uma vez antes de escrever o texto e não consegui liberar o livro “E” para desbloquear a última habilidade restante, não sei se é porque não completei os time attacks do jogo, ou se foi algum resquício de bug dentro jogo (uma coisa muito específica por exemplo é que as conquistas “Começo da Aventura” e “Quem tem um amigo” não foram contabilizadas para mim na Steam apesar de eu ter terminado o jogo, ganhado as conquistas in-game e feito dois amigos personalizados), mas nada que realmente tenha estragado minha experiência dentro do jogo, só coincidências estranhas que talvez possam irritar quem tem histórico de complecionista em jogos.
Uma cópia gratuita de Stand By Me para PC foi concedida pelo Garoa Studios para análise no Recanto do Dragão.