Andando pelo Apocalipse – A navegação de Fallout: New Vegas

Fallout: New Vegas

Fallout: New Vegas é sem dúvida um dos jogos mais comentados da última década. Todas suas rotas principais, missões secundárias, easter eggs e bugs foram catalogados exaustivamente em wikis e fóruns da comunidade.

Apesar de todas essas discussões, existe um aspecto desse clássico moderno da Obsidian que me chamou a atenção em minha jogatina mais recente, e que não é tão falado sobre pela comunidade: o quanto você… anda.

Fallout: New Vegas

Mesmo com o robusto sistema de conversa, os inúmeros raiders e criaturas para matar e a própria exploração sendo algumas das partes mais memoráveis de Fallout: New Vegas, é o simples ato de andar pela Mojave Wasteland que mais me chama a atenção.

E isso não é sem precedente, pois uma parte considerável de New Vegas envolve apenas andar de um ponto A até B. Claro, isso não é um ponto negativo, e o objetivo dessa pequena análise é mostrar o quão importantes foram as decisões de design conscientes que deixaram a jornada de New Vegas tão memorável.

Na esmagadora maioria dos jogos, andar por si só não é uma mecânica. Um jogo pode oferecer outros meios de locomoção, como veículos ou até habilidades de movimento, mas o ato de segurar o analógico para cima ou a tecla W e ver seu personagem se movimentar não muda.

Em quase todo jogo popular moderno existem seções onde você apenas deve andar, com ou sem objetivos em mente. O propósito mais comum dessas partes é de quebrar a ação constante que o jogo oferece para dar um senso de conforto e “missão cumprida” em pequenas doses, e quando bem usadas acabam passando despercebidas pelo jogador.

Isso pode ser exemplificado usando as missões de um Call of Duty. Se você pedir para alguém falar qual é o loop de gameplay das missões da campanha de um CoD, essa pessoa diria que é “cutscene, tiroteio, tiroteio, cutscene, repete”. É fácil ignorar e internalizar todas as partes entre os cenários de combate que envolvem apenas caminhar em silêncio, algo que também ocupa uma parte significativa das missões.

Mas em jogos mais lentos, esse não é o caso. Em um RPG aberto como New Vegas, é possível dizer que o ato de andar segue dois propósitos diferentes: o de explorar áreas novas, e o de se familiarizar com áreas antigas.

Fallout: New Vegas

No caso da exploração de áreas novas, é simples de explicar. New Vegas segue a mesma filosofia de Fallout 3, onde ao menos três pontos de interesse exploráveis ficam sempre visíveis ao seu redor em qualquer parte do mapa que você estiver. Sempre que você está indo para o objetivo de uma missão nova, o jogo te incentiva visitar outras áreas interessantes, que te levam à novas missões ou espólios.

Ainda assim, esse tipo de exploração nunca se torna repetitivo, pois logo que você descobre um ponto de interesse, a viagem rápida é desbloqueada àquele local. Ou seja, toda hora que você está andando para algum lugar, você descobre algo novo.

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A exceção disto é no segundo propósito, que é o de se familiarizar com áreas antigas. Algumas áreas chave de New Vegas não são consideradas pontos de interesse (e por consequência não possuem viagem rápida para elas), e isso não é por acaso. Os casinos da estrada de New Vegas, a Hoover Dam da NCR e o búnquer da Brotherhood of Steel são os dois exemplos mais memoráveis disso.

É, as vezes incomoda ter que andar tantos minutos extras apenas para entregar os resultados de uma missão, mas as idas e vindas constantes àquelas áreas funcionam para te dar um senso de conforto e familiaridade com elas, te colocando para jogar alguns dos momentos mais mundanos da aventura do Courier.

Fallout New Vegas

E os dois tipos de exploração dos quais eu citei ainda tem sua utilidade dobrada por conta do valor do silêncio: elas te ajudam a refletir.

As decisões morais e políticas que Fallout: New Vegas propõem ao jogador não são simples. Até os mais pequenos problemas possuem soluções imperfeitas, e muitas vezes sua própria filosofia pessoal é posta sob pressão dos julgamentos dos quais você deve tomar. Andar e apenas contemplar a Mojave é, então, algo equiparável às pausas da ação dos Call of Duty que eu citei anteriormente.

Isso é estranho, não? Um jogo te aliviar e dar tempo para pensar no diálogo, e não no combate. Eu consigo apenas pensar em um outro jogo que faz isso, e é Pathologic. Mas não vamos abrir essa lata de minhocas hoje.

Um imperfeito círculo de descobrimento

A estrutura de New Vegas também corrobora com a maestria de sua exploração de mundo. Como muitos sabem, este jogo te dá liberdade total desde seu início, mas existe uma rota “padrão” feita pelos desenvolvedores para incentivar você a enfrentar inimigos do seu nível e descobrir missões em uma ordem compreensível no início, e essa rota tem formato de círculo anti-horário.

Como exemplo, observe a imagem abaixo:

Fallout New Vegas mapa
Uma grossa estimação da escala de inimigos e missões de Fallout: New Vegas

O denso círculo vermelho marca a cidade inicial do jogo, Goodsprings, e o resto da linha segue uma trajetória onde a missão principal te leva, até dar uma volta completa. Os inimigos e espólios disponíveis também aumentam de nível conforme o trajeto.

Lembra da exploração de áreas novas que eu havia citado? Então, essa estrutura de exploração pré-determinada garante que um jogador (preferencialmente em sua primeira jogatina) sempre esteja completamente rodeado de áreas novas para explorar, várias delas com suas missões secundárias.

Como uma pequena nota, também é bom lembrar que existe pouco estímulo visual em Mojave ao andar por ela. Não existe nenhum NPC falando com você (nem seus companheiros) e a única companhia sonora além dos sons ambientes são as estações de rádio, que notoriamente possuem poucas músicas que vão se repetindo de maneira interminável.

Fallout: New Vegas

Isso não é uma crítica à rádio de New Vegas, pois as músicas que estão lá são incríveis, mas meu ponto é que ao andar pela Wasteland no jogo, não existe tanto acontecendo além dos seus passos.

É por isso que essas simples, mas bem planejadas nuances da navegação são tão importantes para o senso de flow do jogo.

E essa é a magia de andar em Fallout: New Vegas. Assim como quase qualquer outro jogo, ele envolve apenas segurar um botão, mas traz muito mais significado pela implementação das mecânicas que o cercam. Andar, com direção ou não, talvez faça mais sentido agora.