Em Lorn’s Lure, um androide solitário tenta se achar em meio à partes de seu mundo que nunca conheceu. Seu método é o da escalada; a única forma de navegar aqueles monumentos enormes que o cercam. Ao achar um par de piquetas nos restos de uma pessoa, ele possui uma forma improvisada de se contorcer e eventualmente alcançar a orbe que o atiça tanto.
Lorn’s Lure não é o primeiro jogo do desenvolvedor solo Rubeki, e nem o seu primeiro de escalada, mas ele praticamente nasceu como um hit. Nos últimos anos, Rubeki compartilhou periodicamente pequenos vídeos e screenshots dos ambientes massivos de Lorn’s Lure sendo escalados por seu protagonista. Ele parecia perfeito tanto para oferecer uma janela relaxante aos espaços descontextualizados e abandonados quanto para fazer speedruns velozes e ignorar boa parte das plataformas cautelosamente planejadas. Além de tudo, sua popularidade também se deve ao fato de ser uma obra certamente inspirada em aspectos do mangá Blame! e o jogo NaissanceE, que também abordam a escala de monumentos inumanos sendo atravessados por um de nós de forma chamativa.
Porém, é importante notar que Lorn’s Lure não é protagonizado por um humano, mas sim por um androide que pode se aperfeiçoar no meio da sua jornada e assim realizar proezas videogamicas como saltar múltiplas vezes de paredes, dar dashes aéreos e até mudar a física de seu corpo, tudo regido por sua barra de stamina que também se aplica ao quanto ele aguenta escalar com a picareta. Ao tocar em qualquer superfície com um mínimo de horizontalidade, sua estamina se recarrega rapidamente. Balanceando sua escolha de movimentos e cautela de navegação, você segura as bases de Lorn’s Lure em suas mãos.
A variedade de locais é notável. Além de explorar regiões incompreensíveis lotadas de tecnologia alienígena sem nenhuma utilidade humana, você passa por cavernas extremamente claustrofóbicas, templos aquáticos, cidades contemporâneas aterradas… entre outros. O comprometimento está mais com a fantasia destes locais do que uma emoção apenas. É impossível se sentir tão solitário assim considerando a vida de alguns desses locais e o quão teatrais são os retratos de tragédia de outros. A trilha acompanha bem cada momento ao fluir de músicas ambiente eletrônicas à peças de piano melancólicas. A respiração de cada local tem seu próprio ritmo.
Como é de se esperar de um jogo com ambientes tão vastos visualmente, sua narrativa é principalmente entregue por meio de documentos, pequenas observações do protagonista, e raros diálogos breves com NPCs. O balanço perfeito dessa escolha estaria nas deixas que tais documentos imprimem na história dos locais para serem especuladas, mas eles entregam demais — o suficiente para tirar o suspense deles sem adicionar profundidade alguma além do que você costuma receber em lore padrão de fantasia.
Na prática, jogar Lorn’s Lure é um processo bem único: você tem um objetivo explícito e relativamente linear, mas o mundo é um pouco mais aberto do que se espera desta estrutura, o que te dá espaço para buscar coletáveis, segredos, e lugares despidos de um propósito tradicional de game design.
Aprecio bastante esta tentativa no papel, mas ela é lidada de maneira bem deselegante. Seus checkpoints são automáticos e entregues de forma silenciosa. Você só vai saber se conquistou um checkpoint ao morrer. Além disso, eles não são lineares… então se você fazer um pouco de backtracking por qualquer motivo que seja, seus checkpoints serão também revertidos. Como alguns objetivos requerem que você faça uns vai-e-voltas, as coisas ficam bem confusas. Será que você está voltando sem querer, ou será que você realmente tem que retornar à algum lugar prévio?
Este problema é bem facilmente perceptível na segunda fase de Lorn’s Lure, que te coloca em descidas enormes e laboriosas para pegar uma “Mold Flower” (flor de mofo) à ser entregue para um robozinho curar alguém. Você deve descer as gigantescas estruturas, pegar a flor e retornar. O problema é que, antes de achar a própria flor, você acha algo que pode ser ela. Como você não tem referência visual dela, é fácil achar que qualquer objeto enferrujado dividido em seções semelhantes à pétalas é uma “flor de mofo”, não? Pois bem, você acha um ventilador enferrujado lá embaixo que deve ser usado para ligar uma máquina. Pensei que era a tal da “flor de mofo”, fiz o longo backtracking para o robô, e dai descobri o erro que cometi. O pior de tudo é que eu teria que basicamente refazer a fase do zero, já que meus checkpoints foram colocados lá em cima novamente. Ai ai ai…
Existe um bandaid para este problema, que é o sistema de dicas. Aperte a tecla “H” e você recebe um marcador de objetivo bem explícito. Ele não aponta uma rota, mas te fala onde está qualquer coisa necessária para terminar a fase de forma linear. Em minha visão, isso arruína parte da atmosfera que o jogo quer passar, mas julguei necessário utilizar muito esta ferramenta para não me perder em meio aos checkpoints mal planejados que te punem por ir a qualquer lugar que não o “correto”. É uma forma bem longe da que eu considero natural para este estilo de jogo. Enquanto buscava internalizar seu mundo vasto, tudo que passava em minha mente era a fria indagação mecânica de “será que eu passei por um checkpoint na ordem errada?”. Lorn’s Lure depende mais da sua habilidade de adivinhar os pensamentos do designer do que qualquer outra coisa. É uma luta constante tentar ignorar tais faltas de consideração na estrutura quando existem tantas tentando arrancar sua atenção de suas maiores qualidades.
Como este é um platformer 3D em primeira pessoa onde seu maior perigo é cair em meio à escalada, é plausível esperar um sentimento de desespero ao escorregar, além de indicadores audiovisuais para te colocar na posição de alguém que está prestes a cair até sua morte inevitável. Um exemplo fácil de algo assim está em Mirror’s Edge, onde, ao cair, a protagonista Faith chacoalha os braços ao ar desesperadamente enquanto ofega. Sua visão fica turva e a única coisa que pode ouvir antes do impacto é o vento cortando seus ouvidos com um grave crescente. É desesperador. Nem peço que Lorn’s Lure ofereça algo similar, mas o que está nele é quase incomparável.
A interface de Lorn’s Lure conta com três setas que indicam o quão próximo você está de morrer ao entrar em queda livre. Quando chega na terceira e última, já e tarde demais. O Som do vento aumenta, as piquetas balançam um pouquinho mais, e toca um bipe eletrônico constante que persiste até ao pausar o jogo em meio à queda. Agora, você ficará suspendido no ar por tempo indeterminado até bater em uma superfície (pode ser até relar em uma parede) ou chegar numa área que te mata instantaneamente. Quando isso acontece, a tela corta imediatamente para um menu preto acompanhado de um som de chicote (?) e um “PRESS T TO TRY AGAIN”. Sem choro nem vela.
Como muitos dos desafios de plataforma em Lorn’s Lure te ameaçam com quedas, é bem anticlimático ter que lidar com uma representação tão flácida de altura. Desde os momentos mais tensos e emocionantes até as falhas mais absurdas, você nunca vai realmente conseguir sentir o peso de seus movimentos. A interface faz boa parte desse trabalho para você, e é uma pena. A diferença entre parar uma queda com as piquetas quando o indicador está na segunda seta e parar uma queda um milésimo após aparecer a terceira é nula. A única coisa que muda é que, no segundo caso, sua gameplay será cortada imediatamente por uma tela preta de morte.
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Meu maior desejo é que este jogo fosse menos intrusivo. Uma obra consciente de seu extenso trabalho atmosférico com as maravilhosas texturas ambientes, tão graciosas quanto o senso de solidão passado com a narrativa. Ele possui ambos, mas coloca o flow mecânico de sua gameplay como prioridade acima deles. Ele quer ser um Celeste ao mesmo tempo que um NaissanceE (o que só me dá vontade de voltar a jogar Jumpwad). Atar sua aparente proeza mecânica e playground de habilidades versáteis com um ritmo cauteloso que enfatiza sua relação com o mundo. Nenhuma fica clara ao jogar.
A representação mais notória destes princípios incongruentes está nas piquetas e sua relação com as outras habilidades de movimentação. Escalar é um processo lento e cheio de tentativa e erro. Escalar lentamente gasta pouca stamina, mas se jogar da parede e fincar as piquetas gasta muita de uma vez, e ainda te coloca em risco de queda. A princípio, não tem nada de errado com ela (além dos designs inconclusivos que te fazem ter que chutar onde ir, gastando muito tempo). Chutar caminhos até achar o certo, mas da forma mais lerda possível. O jogo balanceia isto com os já citados checkpoints extremamente frequentes, que transformam seus erros em micro-barreiras quase imperceptíveis na prática.
Esta descrição das piquetas implica que Lorn’s Lure é um jogo com um ritmo mais pausado, mas ele certamente não é. Sem exceção, todas as outras habilidades adquiridas no decorrer do jogo vão gradativamente deixando as piquetas cada vez mais obsoletas. Você ganha um wallrun que substitui as menores escaladas em troca de um salto poderoso instantâneo. Você ganha uma mudança completa de física que te deixa mais flutuante e menos dependente de pequenas escaladas. Você ganha um dash muito vertical que, nessa altura, deixa a piqueta apenas útil para parar algumas quedas. Existe mais uma habilidade que completamente inutiliza todas as outras, mas ela só é adquirida na fase final e no New Game +.
Você pode sim usar as piquetas para algumas situações até o final da jornada. Porém, é uma escolha muito desigual. Diversos desafios que tecnicamente seriam possíveis com elas são desenhadas especificamente para tirar proveito das outras mecânicas de movimento na segunda metade da campanha. Elas são tão negligenciadas que nem fazem falta quando são retiradas do protagonista por um tempo em uma das fases finais.
O parkour que resta nas escaladas em Lorn’s Lure, então, é apenas inconsequente. Todos aqueles espaços enormes das longas fases são trivializados em uma velocidade surreal. Cada momento de apreciação se esvai em troca de tentar a mesma técnica simples umas 10 vezes no lugar errado (por conta do design confuso) até descobrir a exata rota correta e acertar de primeira. A execução não é difícil, apenas saber onde executar é. Isso tudo em um ambiente confinado linear.
Gostaria de enfatizar aqui, inclusive, que não me importo quando um jogo tem navegação confusa por si só. É que Lorn’s Lure é um jogo regido por checkpoints constantes que implora por progresso a cada passo. Quanto mais longe vai no jogo, mais as fases esvaem qualquer dúvida ou senso de curiosidade que seria possível no início. Você aprende as regras e o design se curva à você como se fosse a única coisa restante.
Uma cidade verticalizada labiríntica se torna um objetivo. Um templo se torna uma seta. Seus sentimentos se esvaem ao ser levado pelo vento enquanto tenta ponderar sobre uma vista. Seus olhos se contorcem ao tentarem ignorar os detalhes de cada local para passar de uma das inúmeras seções longas demais e terminar esse jogo em menos de 15 horas. O almejo pelo “flow de gameplay” e o almejo pela “atmosfera” se separam.
Lorn’s Lure é um jogo interessado em ser disruptivo, ao mesmo tempo que não consegue largar mão de tentar ser um pacote completo de 10 horas de duração para “valer” a compra de um jogador. Ele quer desenfatizar suas mecânicas em prol da atmosfera, mas as mecânicas engolem tudo, até a si mesmas.
O abismo não sente, e nem é sentido. O fundo é como a superfície. Não importa quanto tente, Lorn’s Lure não consegue escapar do casulo formado por suas paredes.
Uma cópia gratuita de Lorn’s Lure para PC foi concedida pelo Rubeki para análise no Recanto do Dragão.