POSTAL é uma anomalia que nunca para de impressionar. O primeiro jogo da série, de 1997, era envolto de uma atmosfera depressiva e pouco comédica, por vezes quebrada com uma ironia sádica que só servia pra pesar mais ainda a experiência. Jogar como o Postal Dude era, mesmo nos moldes arcade de ação isométrica do título, algo trágico. Um personagem com condições psicológicas não tratadas e um severo senso de paranoia que se expande durante sua carnificina imperdoável, a qual ele mal sente que está cometendo durante o jogo.
Postal Dude passou por mudanças significativas de personalidade em seu reboot humorístico de 2003, completamente despido de pudor: POSTAL 2, um dos meus jogos favoritos junto do primeiro. A desenvolvedora americana Running With Scissors resolveu manter a violência e o fator de choque, mas reinterpretou-os na cidade paródica de Paradise. Postal Dude pode passar o jogo inteiro sem machucar uma alma sequer, caso o jogador tenha a paciência de Jesus para tal feito. POSTAL 2 faz o Dude viver uma semana de cinco dias onde absolutamente tudo que ele precisa fazer dá errado, em muito devido à insanidade da vida norte-americana retratada no jogo.

Os absurdismos e ofensas edgy do jogo marcaram e definiram a série Postal desde então. Até as mais bizarras encarnações do Dude seguem essa filosofia, desde POSTAL III até o filme live-action de 2007 dirigido por Uwe Boll. O Dude ainda demonstra resquícios de condições psicológicas como no primeiro jogo, mas boa parte do seu comportamento é justificado por ironias do destino e, em alguns casos, seu vício em crack.
O jogo base, POSTAL: Brain Damaged (2022), foi desenvolvido pelos estúdios poloneses Hyperstrange e CreativeForge Games; a Running With Scissors funcionou mais como supervisora. A gameplay continua em primeira pessoa como em Postal 2, a expansão Paradise Lost e 4, mas agora os moldes são mais próximos de um boomer shooter — o subgênero saudosista de FPS que busca resgatar a movimentação veloz e arsenal variado dos maiores exemplos do gênero nos anos 90.
Eu… adorei Brain Damaged. Seu combate e level design são mais equiparáveis às arenas pré-planejadas com relativa linearidade do recente DOOM Eternal do que os corredores e pseudo-labirintos amáveis do primeiro Quake, mas funciona! Enquanto isso, o jogo também busca reinterpretar Postal Dude com as lentes dos anos 2020. Este símbolo da rebeldia edgy dos anos 90 & 2000 retorna como um boomer enganado por teorias da conspiração e uma paranoia tão agonizante quanto a do primeiro jogo — mas com o tom de comédia esperado de um jogo atual de Postal.

Brain Damaged é regido por temas estranhamente atuais. Elon Musk, a pandemia de COVID-19, e a decadência de eleitores MAGA de Donald Trump. O Dude acredita em conspirações de 5G e tudo. A pegadinha é que ele não está completamente são. É fácil chegar à conclusão de que os acontecimentos de Brain Damaged são, em muito, alucinações paranoicas do Dude que o fazem ver outras pessoas como versões distorcidas e hostis de si mesmas. Ainda é de mal gosto como os antigos, mas menos bem intencionadas, se isso faz algum sentido. Um centrismo humorístico onde o princípio de “zoar tudo e todos” acaba meio sem graça especificamente por tratar comédia como um equilíbrio entre o quanto cada subcultura deve ou não ser zoada. Mesmo assim, a pior parte do humor da Hyperstrange e a CreativeForge é a obsessão deles por piadas que envolvem fluidos corporais e outras nojeiras que vão além do simples botão de mijo presente em Postal 2.
Postal: Brain Damaged — These Sunny Daze foi lançado em 9 de setembro de 2025 (devem ter se segurado pra não lançarem no dia 11). É uma expansão do original de 2022 também desenvolvida pela Hyperstrange e CreativeForge Games e publicada pela Hyperstrange e Running With Scissors.

O conceito de POSTAL: These Sunny Daze é ainda mais tematicamente atual que seu predecessor: Postal Dude está de boa na praia curtindo suas férias ao lado de seu enorme arsenal até que, do nada, Ronald Dixon (a paródia de Trump) é eleito presidente por um único voto. Seu primeiro ato é anunciar que os ruivos viraram inimigos do estado à serem deportados para a Islândia. Eles também confiscam as armas do Dude ao retirarem os seus direitos da segunda emenda da constituição norte-americana — uma coincidência e tanto com seu paralelo aos eventos contemporâneos à escrita deste texto. A teoria do Dude trans ganha mais força. Enquanto isso, a agência CaTE de Leon Dusk (uma paródia do DOGE de Elon Musk) é encarregada de prender e deportar os ruivos.
Eu já havia me assustado com a proximidade do Brain Damaged aos seus assuntos de interesse, que montou uma narrativa em volta de eventos que aconteceram há alguns anos antes. These Sunny Daze referencia alguns eventos que só vieram aos olhos do público em novembro de 2024.
Esta é uma situação bem única para colocar o protagonista de um Boomer Shooter que vai passar as três gigantescas fases desta expansão dando tiro em nazistas, trumpistas, Gigachads, e… Belles Delphines?

Já não curto muito o tom humorístico infantil de Brain Damaged, mas acho a piada associada à Belle Delphine de muito mal gosto mesmo — e olha que eu tolero até o tom maléfico de Postal III e amo a edgyness desenfreada de Eternal Damnation.
Resumindo: temos o par de inimigos “Terachad” e “Xwitch Thot”, que representam visões exageradas de masculinidade e feminilidade excessivamente promíscuas. Não vejo problema com a simples presença dos arquétipos no jogo; eles ilustram bem como seria a visão distorcida da internet de alguém como o Dude. O negócio é que ambas são piadas feitas com um intuito alheio à, sabe, rir delas. O Terachad é descrito como “o cara que rouba namoradas”, que é uma piada bem insincera quando pareada com um elogio aos seus músculos. Mal existe conotação negativa, apenas um símbolo não-interrogado de masculinidade. O próprio Ernest Khalimov, o cara real da foto Gigachad, descreveu a reação do público à seu meme como positiva.

A inimiga Xwitch Thot não só vem embutida com um nome derrogatório, mas também é uma paródia direta do antro de assédio que acompanhou qualquer mulher envolvida na indústria do sexo há alguns anos atrás. Pouco importa pra mim o fato da Delphine por si só ser uma figura controversa, só que o pareamento desta paródia realizada em These Sunny Daze com a descrição “O ápice de não sei quantos anos de feminismo” é simplesmente ácida e despida de uma tentativa de humor. Pra mim, é o ápice de não sei quantas tentativas mal pensadas da Hyperstrange de atirar pra todo lado com uma comédia merda. Hmm, continua sem graça.
Porém, Postal: These Sunny Daze ainda consegue brincar bem com as atualidades que transpõe à sua tela. O Dude ganha um arsenal improvisado para substituir suas armas de fogo, como uma pistola que atira Bud Light (o Dude se mantém pró-trans), uma metralhadora de chiclete e uma sniper nuclear que só não foi retirada das mãos do Dude pela ausência de munição .50.
O arsenal improvisado e temática praiana andam em paralelo com uma expansão de Duke Nukem 3D — Duke Caribbean: Life’s a Beach, de 1997. O Dude até faz uma referência direta à ela em uma de suas falas. A piadoca no título é similar, e ambas expansões brincam com conceitos vindos das férias de verão. Ambos os protagonistas tiveram seus descansos interrompidos a ponto de nos perguntarmos se, pra eles, férias devem obrigatoriamente envolver algum tipo de carnificina.

Enquanto Life’s a Beach de Duke é densa com brincadeiras de verticalidade e interações únicas com o cenário, Postal: These Sunny Daze é notável por seus espaços 3D amplos e estranhamente despidos de inimigos. Estas não são recriações verossímeis da realidade ou abstrações evocativas do cérebro de Postal Dude, mas sim arenas lineares que possuem muito mais escala que inimigos para enfrentar. Havia jogado Brain Damaged no Difícil em seu lançamento e segui a mesma dificuldade em These Sunny Daze, mas percebi que a expansão é desprovida de grandes ondas de inimigos em meio às suas constantes setpieces.
Parece que tem algo de errado. Tem muitos, mas muitos ambientes 3D amavelmente modelados neste jogo — e pouco proveito tirado deles com o combate. O Brain Damaged original era muito mais consciente de seu uso de espaço, mesmo quando algumas fases (como a primeira) exageravam com áreas opcionais repetitivas e enormes.
Amo navegar e explorar locais 3D. Não preciso de sistemas de combate pra justificar meu tempo num jogo, mas o design de These Sunny Daze se mantém linear e “voltado ao combate”, o qual mal dá as caras. Cada fase possui centenas de inimigos entregues de tiquinho em tiquinho, como se o Dude não aguentasse mais com o seu arsenal reduzido. Assim, parece que a expansão se entrega quase inteiramente à temática enquanto joga o combate pras estribeiras — o que me faz imaginar que uma reestruturação de level design seria mais proveitosa do que o uso de espaço que vemos aqui. Atribuo parte da culpa ao arsenal novo também, que possui menos impacto e é bem menos flexível que no jogo base. A pistola é genuinamente horrível de usar, e, enquanto existe uma substituta da metralhadora (o tipo mais sem graça de arma em um FPS), o lança-mísseis de These Sunny Daze é um tiro carregado muito lerdo e fraco da shotgun de salsicha. Nem tem um slot próprio.

De qualquer forma, o resto do que define Postal: Brain Damaged é mantido em Postal: These Sunny Daze. O Dude segue bem mais leve e deslizante do que o esperado em jogos como Doom Eternal, pois boa parte de sua movimentação é baseada no que eu chamo de crouchslide-hopping. Você anda bem devagar na velocidade padrão; então, para acumular velocidade, aperta o botão de agachar enquanto se move para iniciar um deslize, o cancela ao pular (mantendo seu momentum), e então repete o processo incansavelmente.
Costumo desgostar da implementação de mecânicas de dodge na maior parte do tempo. O apertar de um botão te dá a possibilidade de negar dano com puro tempo de reação. Se torna apenas mais um entre os múltiplos testes de reação que compõem um jogo de ação. Aprecio, em contrapartida, o foco imenso em arcos de movimento pautados no uso dos movimentos básicos do DOOM de 1993, que são enfatizados em várias de suas WADs também.
Você planeja cada desvio, e qualquer surpresa que possa o atingir deve ser cautelosamente considerada. Traço um paralelo entre esse estilo de desvio e a movimentação num shoot ’em up, onde o foco está em micro-movimentos. A reação que você deve tomar envolve tanto o seu tempo de reação quanto a fisicalidade e pré-planejamento semi-intuido da combinação de movimentos de suas teclas WASD, analógico, D-Pad, botões, joystick de fliperama, manopla, manivela; o tato é o que te aproxima do jogo.

Este é um dos motivos pelo qual eu, por vezes, tento desviar na vida real de ataques direcionados ao meu Quake Ranger. Meu corpo entra em completa sintonia com a movimentação do jogo. Uma sensação própria do movimento como incorporação de um ser; impossível de ser atingido com o apertar de um botão de desvio. O bunnyhopping de Quake e o crouchslide-hopping de Brain Damaged compartilham a similaridade necessária para aproximar o Dude de quem o controla. Seu combate, que ainda envolve trocas de arma constantes e gerenciamento de ameaças em arena como Doom Eternal, é um dos maiores fortes de Brain Damaged. É por isso que fico com pena do design de These Sunny Daze transformar o crouchslide-hopping em uma ferramenta feita mais pra ignorar seus ambientes do que navegar o combate, de tão fracas que são suas arenas.
Ao menos a expansão faz questão de explorar bem suas temáticas. A primeira, “Sun of the Beach”, te leva da praia até o complexo de hotéis que a cerca. O Dude precisa arranjar espaço para andar em meio às multidões festejantes e as perigosas duplas de Terachads e Xwitch Thots — que ficam bem mais fáceis de lidar quando você tem uma arma melhor que aquela maldita pistola.

“Ship Happens” é uma segunda fase muito fraca. Passamos mais pelas entranhas do navio que o Dude busca sequestrar do que pelo seu deck idealizado. Como pena na exploração temática do seu espaço, sobra pro combate meio mequetrefe segurar seu interesse.
“Erection Day” é muito boa…. tem uma ou outra arena legal, incluindo uma setpiece incrível na frente da Casa Mais Branca envolvendo crack, agentes da CaTE, torres de 5G e controle mental. Parabéns por essa, gente. Além disso, você invade a sede da CaTE de Elon Musk, que usa uma bandeira nazista com um gato no meio. O inimigo paródia do Cybertruck que já existia no jogo base é reaproveitado enquanto múltiplos inimigos nazistas inéditos ficam espalhados em um protesto pró-Trump próximo à Casa Mais Branca. É esse tipo de cacofonia referencial que funciona com as bases de humor escolhidas para Brain Damaged. Vou ignorar a longa seção num esgoto que machuca o ritmo da fase.
Não quero spoilar a fase de boss final. Caso você jogue Postal: These Sunny Daze, se prepare para uma maravilhosa boss fight e cutscene final que ainda não são suficientes para fazer a expansão “brilhar”. Pelo menos agora podemos dizer que existe um sucessor espiritual de Duke Caribbean: Life’s a Beach. O Dude ainda não se arrepende de nadinha.

Uma cópia de Postal: Brain Damaged — These Sunny Daze para PC foi concedida pela Running With Scissors para análise no Recanto do Dragão.