Sabe, Shadow Warrior 3 tem muito em comum com Lo Wang, o protagonista da franquia. Ambos possuem espíritos livres e imaturos, almas cravadas em piadas de cunho ofensivo, problemas com maturidade emocional e, definitivamente, uma dificuldade para entender o que faz parte da sua essência e o que é meramente parte da puberdade.
Shadow Warrior passou por boas mudanças na nova trilogia. Eu já vou deixar claro: apesar de ser fã do primeiro reboot da Flying Wild Hog, eu absolutamente não suportei zerar o segundo por conta do quão longe o estúdio decidiu ir da premissa original.
Enquanto o primeiro operava como um simples shooter arcade extremamente linear com um recheio de piadinhas xenofóbicas, no mesmo espírito das campanhas de Call of Duty (com a adição do gore tosco típico dos anos 2010), o segundo tentou evoluir demais com um sistema de mapas semiabertos enormes, todos interconectados por um hub central, além de danos elementais, geração procedural de inimigos, de terreno, de condições climáticas, e por aí vai.
Esse bololô todo da transição de CoD para uma espécie de Destiny porco foi tão brusco que dilacerou a identidade da saga, sendo que o jogo foi fortemente criticado por complicar absolutamente tudo que era possível, tanto na gameplay quanto na história.
A FWH obviamente percebeu seus erros e, apesar dos elogios a sistemas como o modo cooperativo de quatro ninjas, decidiram dar um belo de um CTRL + Z e retornaram à formula clássica, simples e “infalível” do original… mas será que é infalível, mesmo?
A história que não vamos falar muito sobre porque eu odiei o 2º jogo
Valeu, subtítulo! Pois é, como deu pra ver, esse não vai ser lá um dos textos mais longos que você já leu na vida.
Em suma, as peripécias de Lo Wang trabalhando como mercenário de Orochi Zilla, só para se revoltar e tentar salvar o mundo de um apocalipse demoníaco enquanto faz piadas sobre pênis (“Lo Wang” é um tipo de gíria pra “pinto pequeno” em chinês) virou de ponta cabeça totalmente no terceiro capítulo, numa espécie de tentativa de fazer uma história confusa e cheia de reviravoltas como em Metal Gear.
Demônios, almas, reencarnações, linhagem ancestral, Calamidade, Deuses do “Reino Sombrio” (lê-se: Inferno, para os íntimos), uma série de plot twists previsíveis… onde Shadow Warrior 2 foi longe, ele certamente não se planejou bem.
É difícil dissertar sobre aquele jogo, considerando que passei 16 horas seguidas (sendo que a campanha supostamente só dura 10h) tentando dar várias chances para ver se tinha algo que eu ainda não tinha entendido, até finalmente desistir e pedir reembolso (o que eu não consegui).
Foi uma pré-compra de mais de R$ 200 para me deparar com uma das piores experiências que tive com um jogo na vida: mapas colossalmente vazios, pouquíssimos colecionáveis e missões recicladas, uma história extremamente tediosa e sistemas de looter-shooter absolutamente cruéis e desumanos, confusos, desbalanceados e CHAAAAAAAATOOS.
Vou te poupar: no fim daquela insuportável experiência, conseguimos fazer uma transfusão de almas que salvaria o mundo da dimensão demoníaca, mas isso acaba invocando um dragão de centenas de milhões de anos que simplesmente engole Lo Wang antes de rolarem os créditos. É isso, é aí que acaba Shadow Warrior 2 e é assim que começa a premissa do novo game. Como descreve nosso próprio protagonista…
“Sua família? Cocô de dragão. Minha loja de lamen preferida? Cocô de dragão.”
Agora, na narrativa do terceiro game, Lo Wang, o ninja mais imaturo, irresponsável e socialmente inepto do mundo, que vive no porão da mãe jogando videogame e falando atrocidades xenofóbicas sobre asiáticos (“sou amarelo, então tenho permissão”), tem a tarefa de descobrir uma forma de matar aquele maldito dragão gigante responsável por comer absolutamente tudo, incluindo a metrópole de Zilla City construída pelo antagonista no jogo anterior.
Hoji continua morto (ops, esqueci de te contar esse detalhe) e Zilla se alia a Wang para encontrar uma forma de destruir o dragão praticamente indestrutível, antes que ele consuma mais lojas de lamen e deixe nosso protagonista ainda mais deprimido enquanto corre por aí de cueca furada falando com uma máscara de madeira vazia.
A história nova não tem conexões fortes com os jogos passados, e muito menos se importa em deixar uma forte impressão nos jogadores, considerando que só uns 3% da campanha são dedicados à apresentação de elementos narrativos enquanto todo o resto se apoia na gameplay.
Uma última coisa que tenho para falar: praticamente todos os dubladores do novo jogo (3 de um total de 4) são novos, e a mudança é nítida. No início do jogo, é comum estranhar um pouco a voz de Zilla ou, principalmente, de Lo Wang, já que o dublador Mike Moh sofre muito para se adaptar ao timbre do ninja pervertido nas horas iniciais de campanha.
Mas isso é absolutamente passageiro, e não chega nem aos pés (ou tabis ninjas?) do quão ruim ficou a dublagem do Hoji, que aparentemente continua sendo de Alex Dobrenko. É um fato interessante considerando que eu adorava o personagem dele no passado, mas pelo jeito eu não lembrava tão bem da voz dele, só da personalidade mesmo. Oh well.
Uma gameplay efêmera
O título dessa análise é um trocadilho que gira em torno do ponto principal de Shadow Warrior 3: a tentativa de vender seu peixe em trailers que mostravam designs de monstros estilisticamente singulares, cheios de cores vibrandes e semelhanças a ornamentos festivos chineses, enquanto aparentava emular a campanha de marketing de DOOM Eternal.
Qual a necessidade disso? Simples, se trata de uma nova direção de arte que exagera no tom para salpicar um toque de originalidade à fórmula do primeiro jogo, enquanto extrai elementos de jogabilidade do segundo jogo para justificar a aceleração do combate e aumentar o teto de dificuldade dos confrontos no terceiro jogo. Uma mistureba dos três, pode-se dizer.
Elementos como o rebalanceamento e a simplificação do sistema de danos elementais, a reintegração dos dashes ninjas de Lo Wang, a remoção de elementos de “looter shooters”, a recriação da árvore de habilidades e a introdução de poucas – mas novas – armas, além da mecânica de “Gore Weapons”, onde gastamos uma barra de energia para executar demônios (como nas Execuções Gloriosas de DOOM) e conseguimos uma arma especial de uso limitado de acordo com o inimigo eliminado.
Essas implementações tentam trazer um diferencial interessante pro modelo simplista do primeiro Shadow Warrior, que chegava a ser um pouco enjoativo pela sua falta de profundidade.
Ok, mas qual o problema? A pedra no sapato de Shadow Warrior 3 é a sua rivalidade com essa outra franquia vizinha, filha de uma empresa muito mais rica e mais bem equipada: DOOM Eternal, lançado pela id Software em março de 2020, é até hoje considerado um dos melhores shooters de arena modernos da indústria.
É uma combinação de fluxo de combate extremamente frenético, agilidade na troca de armas, variadas melhorias de equipamentos, rejogabilidade extrema e um altíssimo número de colecionáveis e desafios secretos, sem contar na movimentação impecável (com a implementação do Meathook, o gancho da Super Shotgun) e uma hierarquia de demônios com diferentes funções, pontos fortes e fracos, todos consultáveis no bestiário.
Por Shadow Warrior 3 pecar fortemente em praticamente todos esses elementos, seja pela total ausência deles ou uma mera falta de polimento, vamos falar apenas dos dois últimos: a movimentação de Lo Wang e o design dos inimigos.
Uma beta de DOOM Eternal com uma pitada de humor ácido
Apesar de que o jogo da id Software obviamente não foi responsável pela “invenção dos dashes” na indústria de jogos de tiro, elementos como o gancho (ou Meathook) foram copiados não só por Lo Wang mas também por, por exemplo, Master Chief, o que chegou a render alguns memes na época da revelação da nova ferramenta em Halo Infinite.
A diferença aqui é que o gancho do Doom Slayer é responsivo, extremamente eficaz e uma ótima ferramenta tanto como escape quanto para fuga, te jogando consistentemente na direção que você riocheteia seu corpo e ainda trazendo uma aceleração com inércia que pode ser manipulada como em um hack’n’slash (quem jogou Devil May Cry 5 sabe como é a sensação).
Já em Shadow Warrior 3, o gancho faz três coisas: puxar barris explosivos, te “empurrar” pra perto de um demônio menor ou te fazer “balançar” em um de vários pontos fixos na arena, marcados com argolas verdes, que servem para escapar de uma emboscada.
O problema é que a substância dessa mecânica não funciona com a mesma flexibilidade de DOOM Eternal: você não pode usá-la com precisão, pois muitas vezes ela trava e puxa o alvo errado; você também não consegue se jogar no ar e manter a estabilidade aérea com armas como a railgun (que ambos os jogos possuem, mas apenas em DOOM ela te “empurra” na direção contrária ao disparo, naturalmente concedendo um uso mais profundo no quesito de te auxiliar com movimentação aérea e desvio de projéteis dos inimigos).
Aqui, o uso do gancho não só é inconsistente como também não tem o mesmo nível de complexidade e utilidade nesse jogo de “física corporal”, que te permite sair voando como uma bailarina e tudo mais.
Em Shadow Warrior, você aperta um botão, ele faz uma coisa (geralmente a que você não queria), plá, plum, acabou. Sem cerimonia e certamente sem espaço para inovação.
Essa filosofia meio que se aplica pra tudo na jogabilidade. É tudo simples demais, é tudo “sem textura”, não tem incentivo para explorar combos criativos ou posicionamentos diferenciados nas arenas.
E aí tem o design dos demônios. Sendo esse o ponto mais forte de DOOM Eternal, que ficou popularizado como o “xadrez 4D brutal no Inferno“, CADA UM dos demônios tem uma razão para estar na arena:
- Cacodemônios punem jogadores distraídos que passam muito tempo voando, aqueles que sempre saltam mas ainda não sabem controlar sua movimentação aérea de forma eficaz;
- Arachnotrons fuzilam jogadores muito lerdos, que não sabem variar sua movimentação ou que se esquecem de usar os dashes com frequência;
- Carcaças criam barreiras de energia que travam jogadores terrestres, criando impedimentos físicos e ainda potencialmente explodindo seus próprios foguetes na sua cara;
- Mancubus aniquilam jogadores que se aproximam de forma imprudente ao usar seus lança-chamas;
- Vale ressaltar que todos esses possuem pontos fracos. Uns são canhões vulneráveis e facilmente destrutíveis, outros tem armas que sobreaquecem e explodem com disparos da metralhadora de plasma, e por aí vai.
Enquanto aqui você é forçado a constantemente acompanhar o posicionamento e a vida de cada um dos demônios, calculando e recalculando incessantemente qual seria sua prioridade para matar eles enquanto se adapta ao cenário da guerra em constante transformação, em Shadow Warrior 3 tudo funciona de forma muito automática: todos eles querem te matar. Você escolhe o demônio mais próximo e só atira até ele morrer. Fim.
Shadow Warrior 3 pode ter esses designs visuais flashy, com inimigos coloridos e efeitos visuais lindos, mas isso não só colabora para uma péssima legibilidade visual (já se sentiu perdido vendo uma partida de Overwatch?) como também demonstra que não há uma priorização de demônios ou um mínimo esforço intelectual exigido do jogador.
Não é pra dizer que o jogo é terrível, mas a exploração de colecionáveis também é mantido no mínimo do mínimo, enquanto a complexidade de combate se resume em não parar de apertar “Shift” nunca e trocar de armas o mais rápido possível.
É por isso, caro leitor, que se você se interessou pelas duas franquias rebootadas, eu recomendo jogar nessa ordem:
- DOOM 2016, por ser o mais mecanicamente simples (apesar de extremamente prazeroso);
- Shadow Warrior, que incrementa com uma leve profundidade pelas mecânicas de Chi e tudo mais;
- Shadow Warrior 3, que simplifica sistemas de danos elementais e golpes especiais do anterior, além de trazer a adição do gancho ninja, mesmo que não seja tão bem explorado em combate;
- DOOM Eternal: absolutamente perfeito, o ápice dos boomer shooters contemporâneos, super bem polido e com grande complexidade que eleva muito o teto de habilidade para aqueles que dedicarem centenas de horas à campanha. Tipo eu.
Assim, você não só aproveita o máximo de todos eles, como também sente uma evolução natural de um para o outro em quase todos os quesitos que são apresentados.
Conclusão: uma experiência formulaica e tardia
Arena. Corredor de parkour com personagens correndo. Arena. Corredor de parkour. Arena.
Shadow Warrior 3 tirou um pouquinho da saudade que eu tinha das piadas ofensivas, criativas e muito nerdolas de Lo Wang, mas a campanha beira o insignificante em termos de quantidade e qualidade, e o combate é simplesmente comparado por todos como “uma versão empobrecida e faminta de DOOM Eternal, sem polimento e nem profundidade”.
Para os fãs da franquia: vale a pena. Para os fãs de shooters de arena, especialmente aqueles que não fizeram uma visitinha ao inferno com Doom Slayer: agora é a hora certa de passar por Shadow Warrior 1 e 3, antes de ir para lá. Para todo o resto: talvez seja melhor guardar seu dinheiro por enquanto.
Não importa quantas referências a franquias competidoras, a Tartarugas Ninjas, a De Volta para o Futuro, a Star Wars, não há jogo no mundo que se destaque por ser universalmente reconhecido como uma cópia inferior de outra produção já pré-existente.
Tirando o personagem de Lo Wang, a quantidade de inovações é pequena e muito menos justifica a campanha microscópica oferecida pela nova experiência da Flying Wild Hog. Um infortúnio, já que o jogo poderia até ser bem recebido se saísse antes de DOOM Eternal.
Uma cópia de Shadow Warrior 3 foi carinhosamente concedida pela Devolver Digital para análise no Recanto do Dragão, na plataforma Steam para PC.