Shin-Chan Summer Vacation — uma janela à mil verões (Análise)

Shin-Chan Summer Vacation análise

Tudo é apenas um momento ao tempo

Olha que surpresa: a primeira vez que um jogo da franquia Boku no Natsuyasumi (ou My Summer Vacation) e que um jogo baseado no mundo do mangá Crayon Shin-Chan trazidos para fora do Japão são a exata mesma!

Os dois nomes podem não ser tão familiares para o público de fora, mas mesmo assim acabaram ganhando um grande renome cult, principamente na ala de Natsuyasumi. Ele é sobre passar as férias relaxando, e Shin-Chan é sobre um pirralho de 5 anos muito esforçado, confuso e estranhamente tarado. Que bela combinação…

O nome completo desse jogo é enorme, então se prepare: Crayon Shin-Chan: Me and the Professor on Summer Vacation -The Endless Seven-Day Journey- ou apenas Shin-Chan Summer Vacation é um spinoff da franquia principal de Boku no Natsuyasumi e foi lançado originalmente em julho de 2021, e localizado para múltiplas línguas (incluindo Português Brasileiro!) agora em agosto de 2022, em versões para Switch, PS4 e Steam. 

Shin-Chan Summer Vacation análise

Shin-Chan Summer Vacation foi desenvolvido pela Neos, Millenium Kitchen e Star Factory e publicado pela Neos.

Boku no Natsuyasumi é uma franquia marcada pelo quão de boa é jogá-la. Você pode realizar tarefas simples, pescar, caçar insetos, entre outras, mas não existe nada te pressionando diretamente. Até em um jogo como Animal Crossing existe a pressão do relógio em tempo real da franquia, com eventos que podem ser perdidos pelo próximo ano inteiro da vida real se você os negligenciar. Por falar nisso, é bom ter em mente que o primeiro jogo de Natsuyasumi veio um ano inteiro antes do primeiro Animal Crossing também, então seu legado e objetivos são consideravelmente diferentes.

Não é um jogo feito para ser jogado por centenas de horas, mas sim férias virtuais. Se você acabou de jogar um Contra III da vida e ficou meio estressado, jogar um Natsuyasumi é um jeito de se acalmar. Isso é diferente de outros jogos semelhantes pois não existe nenhuma pressão real, e seus objetivos são super fáceis. Até um jogo como Stardew Valley me estressa pela pressão de ter que ter a melhor fazenda possível em três anos dentro do jogo. Esse não é o caso aqui.

E agora dá pra começar a falar de Shin-Chan Summer Vacation especificamente. Tudo que falei dos outros jogos de sua franquia principal se aplica aqui, mas com uma atmosfera um pouco menos minimalista e um tanto mais Shin-Chan. Eu li vários capítulos de diversas eras de Crayon Shin-Chan pra me familiarizar antes de iniciar o jogo, e posso dizer que o humor do mangá está aqui, mas muito mais leve. O mangá de Shin-Chan faz piadas muito mais sugestivas e trata Shinnosuke como um garoto muito mais levado do que em Summer Vacation, e isso é bom considerando a vibe relaxada do jogo.

Shin-Chan Summer Vacation análise

Mas não se preocupe, pois o desgraçado ainda é um pervertido até certo ponto. Ao sair de viagem com sua família para a cidade rural e montanhosa de Asso, Shin-Chan imediatamente vira o correspondente infantil do jornal local única e exclusivamente para conseguir um encontro com a estudante de faculdade Yoshiko, pela qual ele se apaixona, mesmo tendo só cinco anos de idade e tal.

Esse é o seu objetivo principal. Fazer matérias pra crescer a influência do jornal local o suficiente pra conseguir um encontro prometido pela Yoshiko. Mas eu tô pulando bastante coisa, porque no meio tempo também têm dinossauros, uma câmera mágica que desenha imediatamente o que Shinnosuke fotografa (o que ele usa em suas matérias!), um cientista maluco, viagem no tempo e afins.

É uma curva que me pegou de surpresa, mas que faz sentido considerando que a Millenium Kitchen também desenvolveu Attack of the Friday Monsters!, uma franquia que oferece brisas parecidas com essas. Na prática, esses elementos sobrenaturais fazem a história parecer mais um filme de anime do que qualquer outra coisa, e ajudam ao justificar algumas das praticidades oferecidas pela gameplay, como o fato do Shin-Chan tirar fotos de tudo que ele consegue pra notícia e elas saírem desenhadas perfeitamente em seu diário já de cara e a coleta de vegetais que pode ser feita pelos dinossauros para você não ter que pegar tudo individualmente.

São pequenos detalhes que acabam trazendo um pouco mais de personalidade para o jogo, que já é completamente lotado dela, desde sua trilha até seus visuais. Os personagens são representados de maneira assustadoramente consistente com o visual do anime, porém em 3D com os clássicos fundos 2D pré-renderizados da Millenium Kitchen, que formam paisagens maravilhosas para estes personagens testemunharem. É um mundo idealizado com personagnes rabiscados o habitando, e torna tudo mais memorável. Por exemplo, quando Shinnosuke desmaia de exaustão ao andar muito sem comer e acorda nos braços de sua mãe Misae extremamente preocupada, ele dá aquela giradinha que nem um cisne com cara de quem nunca antes ficou cansado na vida. Até a animação de correr mostra apenas Shin-Chan balançando sua bunda e escondendo sua cara, sério.

É um tipo de deslumbrância infantil inocente e meio vaga que carrega o tom do jogo todo. Desde o início é possível sentir o impacto que Shinnosuke, sua amiga Lalako, e as outras crianças e adolescentes locais tem nos outros habitantes de Asso, mas enquanto os adultos veem isso com melancolia, as crianças veem com atitudes despreocupadas e simplistas, o que separa seus sentimentos em dois pedaços iguais, mas retratados de maneiras diferentes.

Shin-Chan Summer Vacation análise

Tudo é apenas um momento ao tempo, diz o cientista-talvez-maluco Akumo ao fazer seu ritual/experimento de trazer dinossauros para o presente. Shin-Chan Summer Vacation segue esta frase palavra por palavra. Você vai passar a maior parte de seu tempo no jogo repetindo os atos de capturar insetos, pescar e cultivar vegetais, mas todo momento vale. Você está ajudando os habitantes de Asso, ganhando uma graninha extra e aproveitando suas férias! Não importa o peso individual do que você está fazendo, mas sim o quão investido você está naquilo, e é muito fácil ficar investido com o elenco do jogo.

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Shinnosuke e sua família estão ficando no quarto de hóspedes da amiga de faculdade de Misae, Yoyoko, que é irmã mais velha de Lalako. Ela tem um restaurante dentro de sua casa e é super gente boa e dedicada. As irmãs moram junto de seu pai Cap, dono do jornal local que Shinnosuke acaba trabalhando. Os três recebem uma grande parte das side quests para ganharem desenvolvimento, e são mais presentes até do que os próprios pais de Shin-Chan na história.

É, eu juro que as interações de Shinnosuke com seus pais e irmã bebê são bem limitadas em comparação ao mangá, mas é por um bom motivo: Shin-Chan está querendo explorar o povo de Asso ao invés de só ficar com sua família, que também tem seus próprios afazeres de adultos em meio a viagem (já que estão ficando de favor na casa da Yoyoko). Assim, ele acaba criando uma amizade profunda com Lalako, Cap, Hata, Akumo, entre outros. Eles são personagens simples que sinergizam muito bem com a personalidade imprevisível de Shinnosuke.

Lalako, que é ao mesmo tempo estabanada e extremamente confiante (ela fala pra “admirar o quão gloriosa é sua brilhância” direto), aprende a se controlar e perder o medo de ajudar outras pessoas, Yoyoko pede seu medo de compromisso, e por ai vai. Mesmo assim, existe um grupo de personagens estranho em meio a tudo isso, que são estranhamente similares a amigos que Shin-Chan tem em sua cidade natal Kasugabe, com nomes quase iguais também.

Personagens como Kazuma e Kine são quase exatamente Kazama e Nene, por exemplo. Este é o primeiro sinal que você recebe de que algo está estranho em Asso, até antes dos dinossauros começarem a aparecer. Falando nos dinossauros, eles são um aspecto muito fofinho que cria conflitos leves e constantes para o elenco, e também formam o ponto focal de um minigame de combate em turno muito bizarro mais lento do que batalhas de Pokémon, surpreendentemente.

Você pode dar nomes absurdos pra eles, como a Braquiossaura que nomeei Mad Dash Lady the 23rd. Eu posso te assegurar que essa foi uma das opções predefinidas que o jogo me deu, pois não dá pra customizar o nome 100%. O frustrado Professor Akumo entrega uma câmera especial para Shin-Chan assim que ele chega em Asso e também é a pessoa por trás dos dinossauros. Ele quer aterrorizar todo mundo e chamar atenção, mas parece que os dinossauros são muito mais de boa do que ele esperava…

Shin-Chan Summer Vacation análise

Com tudo que citei de peso de história, emoções, dinossauros e afins, nem parece que Shin Chan Summer Vacation na verdade faz você passar a maior parte do tempo andando por aí pescando. O tempo flui apenas quando você anda o suficiente para ir para outro plano de fundo e cansa um pouquinho o Shinnosuke, que pode comprar lanches pra recuperar seu cansaço. Este é literalmente o único uso de dinheiro no jogo, e existem tantas maneiras de conseguir grana que eu terminei os 18 dias de viagem no jogo com mais de 10 mil Ienes no bolso, o que pode parecer pouco (cerca de R$ 360), mas 1. Lanchinhos são extremamente baratos e 2. O Shinnosuke conseguiu tudo isso de grana tendo cinco anos de idade.

Tirando os afazeres para os mais velhos que envolvem coletar peixes ou plantas específicas, também existem os artigos de jornal (que dão muita grana) e o diário de coletânea de Shinnosuke pra quem só quer encher tudo com insetos e afins. Tudo o que você faz de notável pode virar uma matéria pra coluna do Shin-Chan, e pouco a pouco ele vai sendo o maior responsável pelo crescimento exponencial da empresa (ele tem cinco anos de idade). Tudo isso por que ele realmente quer ir num encontro com a redatora do jornal.

Se esses afazeres numerosos te dão ansiedade ouvindo desse jeito não se preocupe, pois eles são extremamente relaxados. Eu terminei absolutamente todas as side quests e a missão do jornal quase uma semana antes do fim do jogo acontecer, e passei esta última semana apenas anotando entregas de curry e tentando pegar peixes e insetos raros por vontade própria. Eu nem particularmente adotei uma estrutura de min-maxing, só joguei de boa.

Shin-Chan Summer Vacation análise

Claro, o fato de eu ter que terminar o jogo com prontidão para fazer uma análise próxima de seu lançamento afetou um pouco o jeito que eu joguei (Summer Vacation é realmente melhor apreciado em seções de um ou dois dias por vez ao invés de seis horas por dia), mas ainda assim consegui relaxar, o que demonstra o quão importante é o estado de paz que Shin-Chan Summer Vacation quer passar.

Em meio a sua existência surreal e história cheia de pequenas reviravoltas emocionalmente impactantes, Shin-Chan Summer Vacation deixa claro o quanto o resto do mundo realmente precisava ter um gostinho do que Boku no Natsuyasumi e sua marca de game design minimalista e não violento tem a oferecer. Com o potencial sucesso deste lançamento, talvez nós finalmente conseguiremos acesso a versões em inglês da franquia principal, e talvez mais pessoas acabem se interessando pelo legado de Crayon Shin-Chan, como aconteceu comigo mesmo.

Os dezoito dias de férias que você passará em Asso estarão te esperando quando você precisar de uma pausa em algum jogo mais pesado, ou até mesmo na vida real. Lembre-se:

Tudo é apenas um momento ao tempo.

Uma cópia gratuita de Shin-Chan: Me and the Professor on Summer Vacation -The Endless Seven-Day Journey- para PC foi concedida pela Neos para análise no Recanto do Dragão.