A Bloober Team está se tornando uma empresa diferente. Lembro de ter comprado The Medium na pré-venda há pouco tempo atrás e ter detestado o que joguei. E quando anunciaram que o remake de Silent Hill 2 seria feito por eles, eu não me importava tanto, pra mim poderia ser qualquer estúdio… no fim, Silent Hill 2 remake foi decente, apesar de apresentar mudanças bem fracas. Mas quando disseram que iam fazer um action survival-horror que lembrava bastante Dead Space, eu já sabia que iria jogar. Meu único medo era dele ser um fiasco como The Medium, mas felizmente não foi o caso.

Em Cronos: The New Dawn controlamos a ND-3576, que responde algumas perguntas rapidamente enquanto nos apresenta ao sistema de diálogos. A voz em sua nave explica nossa missão, investigar algo maior conhecido como “O Coletivo”. Ela é uma das Viajantes, que servem o propósito de viajar através de fendas temporais para resgatar a consciência de pessoas importantes no passado, já que o mundo presente está completamente destruído após uma pandemia gigantesca que transformou as pessoas em monstros parecidos com os de The Things do John Carpenter.
Ao longo do jogo, aprendemos um pouco mais sobre outros membros d’O Coletivo e seus papéis; como o Desbravador que abre as fendas temporais em certos locais, e o Guardião, uma figura misteriosa que está lá para auxiliar a ND-3576 em sua missão. Também aprendemos que sempre deve existir apenas um membro do Coletivo para as missões, o que nos abre ainda mais dúvidas sobre a natureza dessas operações.

O que me deixou mais intrigado inicialmente são os visuais de Cronos: The New Dawn: esse jogo é feito na Unreal Engine 5, e já tem os aspectos técnicos que o fazem ser um jogo com gráficos atuais, mas o que realmente me ganha é seu art style. Só o uniforme da ND-3576, ou dos outros Viajantes, já é bem cativante: parecem com o de um astronauta, mas com detalhes que transformam o traje em uma espécie de alien quasi-orgânico. Só nisso achei legal, você parece estar preparada para a pandemia mas não é certo de que tem algo humano por baixo dessa armadura, o que causa uma incerteza que é sempre levantada durante o jogo. Não só isso, nós estaremos em uma Polônia completamente destruída pela pandemia, com resquícios de arquiteturas soviéticas que, como disse, já são bem feitas, e misturam isso com a forma orgânica dos monstros que tomam as paredes. Isso deixa o impacto dessa pandemia bem claro. Por vezes passamos em locais completamente tomados, pisando em seres humanos misturados, e podemos ver restos mortais saindo das paredes. Também teremos anomalias gravitacionais em certos locais, mostrando que essas viagens no tempo causam uma distorção na realidade como um todo.
Mas achei que as melhores partes foram as pequenas bases que são colocadas por outros membros do Coletivo no caminho da sua viagem, que me lembraram bastante o design dos Combines de Half-Life 2, onde as coisas parecem mais práticas do que feitas com um propósito estético; é como se fossem colocadas da maneira mais rápida possível. Se fundindo com o design dessa Polônia destruída, tem o futurismo que se destaca, como nas armas que desaparecem e reaparecem com um som fantástico. Esses locais servem como safe houses e, assim como em Resident Evil, tem uma música própria para dar aquele alívio de segurança.

Inclusive, toda a música do jogo é fantástica e bem utilizada. Temos músicas bem atmosféricas, mas também algumas de desbravamento quando encontramos locais majestosos, revelações para momentos importantes da narrativa, e outras empolgantes, com um ar de tensão para o combate. Essa deve ser uma das minhas trilhas sonoras favoritas de 2025.
Também preciso dar destaque pros sons ambientes: as armas têm impacto nos seus tiros, os inimigos fazem aqueles sons desconfortantes de engasgamento, que é refletido nas áreas tomadas pela doença. Estes causam uma certa ansiedade sem saber se são só sons ambiente ou algum inimigo andando pelos cantos. O próprio andar da ND é muito bom e satisfatório, com pisadas fortes de sua armadura, ou o som das botas de gravidade sendo ativadas, assim como em Dead Space Remake.

Mas, como se deve saber, uma boa apresentação não faz um jogo ser perfeito.
Cronos: The New Dawn acerta majestosamente em sua jogabilidade. Comecei acreditando ser um estilo Dead Space bem pé no chão, e apesar de ter inúmeras semelhanças com o clássico da Visceral, esse jogo faz algumas coisas excelentes para ser sua própria coisa, misturando elementos dos remakes de Silent Hill, Dead Space e Resident Evils. Começando pelo combate, que será bem presente ao longo do jogo: não é apenas clicar na direção dos inimigos, dominá-lo exige uma certa estratégia em múltiplos pontos.
O primeiro ponto são as armas. Em sua grande maioria, você tem que carregar o tiro para que ele cause mais dano, então ND fica exposta um tempo até a arma terminar de carregar para finalmente disparar. Considerando a agressividade dos inimigos, e seus movimentos constantes, você tem que ficar trabalhando sua mira durante esses poucos segundos de carregamento para causar um dano considerável mirando em seus pontos fracos.
O segundo ponto são as arenas. Como disse, às vezes estamos em locais completamente tomados por essa matéria orgânica, permitindo que os inimigos saiam das paredes, do chão, do teto, te surpreendendo e deixando a ND cercada durante boa parte do combate. Nossa movimentação, mesmo que a armadura faça parecer que sim, não é travada, temos bastante espaço para nos movimentar. Por vezes, o jogo chega próximo de uma arena frustrante, mas nunca a alcança. Fica em um espaço maravilhoso para survival horror, que é desconfortável o suficiente para ficar tenso, mas te dando controle o suficiente para sobreviver. Mas claro, você paga o preço ao errar, com margens menores que em outros gênero, sem contar que alguns inimigos mais fortes tem pontos fracos em locais específicos, então você deve variar seus alvos para acertá-los; não vira aquela memória muscular de atirar direto à cabeça. Dá para ver exatamente onde que é o ponto fraco, além de termos feedback visual e auditivo quando disparamos na parte forte, aumentando a tensão.

O terceiro ponto que complementa ambos citados anteriormente é o fogo. Nós temos um pequeno dispositivo que dispara fogo para baixo, atingindo tudo à nossa volta. Esse fogo serve para deixar os inimigos atordoados enquanto queimam, te dando abertura suficiente para lidar com eles. Porém, ele também tem outros propósitos, como queimar corpos mortos, com os quais inimigos podem se fundir para ficarem mais fortes. E, quando minhocas à-la Uroboros (o vírus de Resident Evil 5) cobrem os inimigos, sabemos os que querem se fundir. Entrega um senso de urgência de ter que eliminá-los com prioridade, mas também tendo que lidar com os outros inimigos que estão te atacando agora. E, de novo, é contornável; afinal, um tiro na cabeça desses inimigos em processo de fusão também os impede, mas caso erre ou se movimente para um local com os outros inimigos próximos, tudo pode ir por água abaixo muito rápido. Você terá que escolher bem o momento de usar seu dispositivo de fogo, já que normalmente carregaremos um, que é nos dado nas safe houses, mas nunca vai ser o suficiente. Sem contar que, quando os inimigos te agarram, você pode usar esse item para se livrar sem tomar dano. São questões de escolhas e são a base fundamental de um survival-horror.
Agora vem o quarto ponto, que é o gerenciamento de itens. Nós temos um inventário bem limitado, onde munição, o item de fogo, armas e itens de progressão ocupam espaço. Então você terá que lidar com esse limite, que se complementa à todos os outros pontos mais uma vez. Carregar dois itens para botar fogo no chão te deixa com mais segurança, mas ocupa dois slots vitais. Munição tem um limite que pode ser ocupado por apenas um espaço do inventário, então carregar muitas pode acarretar em muitos espaços tomados. Carregar muitas armas requer muita munição para cada inimigo, que irá aparecer caso tenha em seu inventário, então são mais espaços utilizados. E temos um item constante para exploração; ele não é obrigatório depois de certo ponto, mas com certeza é bom mantê-lo, já que concederá acesso a locais específicos com itens extras. Itens de cura, por sua vez, também ocupam espaço e também têm limites de quantos ocupam o mesmo slot. Temos três tipos diferentes de curas: as pequenas, médias e grandes.
O jogo é até que generoso em entregar muitas safe houses, onde sempre teremos acesso a um baú, mas ainda assim você deve se preocupar com essa gestão durante boa parte do tempo. A Bloober fez um balanceamento muito bom em te dar tanto itens quanto arenas para adquirir e gastar recursos; assim, você fica sempre tenso para os próximos desafios. Sempre senti que estava chegando no limite, enquanto as próprias arenas terão alguns itens espalhados, não chegando a travar o jogador, mas imagino que jogadores que não exploram tanto vão ser testados por esses limites. O modo hard, que é desbloqueado após finalizar uma primeira vez, faz melhor uso da distribuição, e agora sim me fez sentir a tensão do limite de inventário à todo vapor. Mas caso explore e não tenha problema em gastar 30 segundos voltando para a safe house, ficará sempre com uma margem de conforto, ao menos na dificuldade padrão.

O quinto ponto é meu maior problema: a exploração. A exploração em si é bem recompensadora, não só veremos áreas únicas como ganharemos itens e informações da história, mas também teremos alguns combates que te pegam desprevenidos.
Meu problema está em como o jogo avança. Em alguns locais, está claro o que devemos fazer para avançar, por vezes sem oportunidade de voltar atrás, mas na maior parte do tempo estaremos transitando livremente por dungeons. Até fiquei impressionado com o backtracking, já que aqui realmente somos soltos nesses mapas, apesar de Cronos ter bastante linearidade na ordem de cumprir objetivos principais; ainda assim, usufruimos de mais leniência para dar a volta e explorar áreas opcionais — além de alguns objetivos poderem ser cumpridos na ordem que bem quiser em certos mapas.
Rejogando, temos também os códigos de acesso que ganhamos de antigas jogatinas, algo que considero bem recompensador para incentivar uma rejogada. Só que o jogo sofre um pouco com o famoso entrei numa área e acabei avançando permanentemente sem querer.
Talvez eu só estava distraído, mas senti falta do marcador de objetivos do Dead Space que é mais direto na forma de te alertar sobre progressos permanentes. Porém entendo que, diferente de Dead Space, temos mapas menos lineares para lidar, e com maiores volumes de objetivos. Na minha primeira jogatina, deixei para trás três coletáveis, e incrivelmente sabia exatamente onde eles estavam, mas acabei avançando na história sem perceber; só por entrar em uma porta na ordem errada. De novo, pode ser falta de atenção, mas a liberdade do jogo ser tirada sem aviso prévio me pegou desprevenido.
Enfim, todos esses elementos cabem muito bem e conversam entre si. Apesar de quaisquer pequenas falhas apontadas, nada é desmoronado; eu imagino que algumas pessoas vão ter mais problemas com isso do que outras. Afinal, ele puxa muito do esqueleto de um survival horror com pele de action horror, então ir de cabeça diretamente no objetivo e lidar com os inimigos de qualquer jeito, sem preparação, nunca é uma boa solução.

Ainda tenho mais uns pontos sobre a jogabilidade, como as botas gravitacionais que servem para avançar com uma gimmick parecida com o primeiro Dead Space, onde você atravessa por locais com anomalias gravitacionais. Temos o sistema de upgrade que serve pra melhorar tudo que você puder imaginar: seja ter mais espaço no inventário, vida, dano das armas e por aí vai. Eles funcionam bem e dão um senso de progressão vertical, mas como ganhamos armas e itens novos, também temos a progressão horizontal. Existem itens que colocamos no inventário apenas para vender pelo dinheiro do jogo, usado para upgrades de armas e núcleos de armadura, além da tocha e do explosivo. Então, apesar de não ser muito fã de upgrades, achei bem implementado.
O sistema de crafting presente em Cronos: The New Dawn é mais um auxilio para algumas arenas caso seus itens acabem, porque as engrenagens e líquidos que servem para criar tanto munição quanto itens de cura não ocupam espaço no inventário. Eles possuem um espaço próprio limitado. Em alguns momentos, tive que gastar por acumular muitos, e existem upgrades para carregarmos mais, mas no geral, mesmo não curtindo craftings desse tipo, eu achei bem implementado como mais uma maneira de suportar certas arenas. Mas lembrando: abrir o inventário não pausa o jogo, então tem um risco e recompensa nessa mecânica.
A progressão do jogo é muito boa considerando o tanto que temos para fazer em cada dungeon. Mas tem uns problemas… primeiro que algumas partes são muito longas; não as dungeons, achei algumas delas até curtas, mas sim as partes totalmente lineares. Elas fazem esse jogo ficar muito longo. Cronos: The New Dawn me levou 18 horas para finalizar pela primeira vez, tendo explorado quase tudo.. Não morri tanto e todas vezes que aconteceu senti que foi minha culpa, o que é bom e alivia a frustração, algo muito importante para esse gênero de jogo. Mas, ainda assim, Cronos é MUITO longo. Rejogando, senti que as partes da história com escolhas são o que quebram parte disso, pois elas mudam diálogos e acontecimentos, em particular duas decisões que são realmente significativas: um no meio do jogo, e outro para o final.

Queria um pouco mais de impacto, mas fico feliz que temos diálogos diferentes que podem revelar novas perspectivas da narrativa, incentivando mais uma vez a rejogabilidade. A melhor parte da progressão é que, mesmo com alguns locais lineares, as dungeons nunca perdem a base do que faz uma dungeon de survival horror boa. Em Cronos, todas as fases tem muitas áreas extras e muita coisa pra se explorar. Isso talvez até pode tornar o jogo meio cansativo para alguns jogadores focados mais no action do que no survival horror, mas pra mim é um prato cheio. Toda nova dungeon tem um mundinho inteiro para explorar.
Por fim, a história engloba dois pontos principais: primeiro que a nossa personagem não é “humana”, ela quer fazer seu trabalho. O processo de ND-3576 recolher a consciência nunca é mostrado, mas vemos a ferramenta para isso, que é bem agressiva, sem contar que vemos as reações de alguns personagens. É algo desumano, mas à medida que avançamos, percebemos algo de errado com as consciências que nossa personagem invade e brotam alguns questionamentos que florescem certa humanidade para ela. É de uma forma meio robótica, que acho bem interessante, mas da para ver sua progressão, e o tanto que o jogo vai relevando isso atinge a pessoa jogando também.

Os diários que vamos encontrando contam sobre como a pandemia estava sendo enfrentada na época. Todos nós sofremos com uma pandemia, agravadas por todas as formas estúpidas que muitos governos negacionistas lidaram com ela, o que cria uma conexão ainda mais forte com os temas presentes. Reviver algumas frases que via enquanto tanta gente morria me causou um desconforto extremo, mas foi o necessário para passar um senso de simpatia.
Ainda existem aspectos da jogabilidade que melhoram isso: a nossa personagem só pode carregar três consciências e, além das obrigatórias, também temos uma ou outra que encontramos em Viajantes mortos. Para substituí-las, temos que apagar uma que já temos. Elas nos dão vantagens, seja produzir itens gastando menos suprimentos, ou seja causando mais dano com armas ou elementos situacionais.
Quando apagamos uma consciência, vemos a agonia em sua voz, que é extremamente pertubadora. Apesar dessas vantagens não serem game changers, elas complementam o impacto emocional da história, então as achei muito bem-vindas.

A outra questão da história de Cronos: The New Dawn é que, como ela lida com viagem no tempo e trabalha com um plot twist bem interessante, rejogar não só funciona para fortalecer o arco narrativo, mas também para revisitarmos os pontos dela que são ditos antes mas que fazem mais sentido após sabermos de tudo. Não sinto que foi um plot twist gigante como em Silent Hill 2, mas têm pontos o suficiente para fazer uma nova jogatina bem interessante. Tem até um final novo caso finalize o jogo novamente — com todo o aprendizado anterior, conseguimos uma nova forma de lidar com o problema geral.
A história trás algumas respostas, mas não tenta explicar demais. O final ao mesmo tempo foi concreto e deixou elementos para a interpretação, lidando com temas como o que faz da gente humano, o que a esperança pode levar, seguir ordens, manipulação e por aí vai.
Eu curti e me senti bem satisfeito com a campanha. Algumas questões extras poderiam ter sido respondidas, mas nada que quebre a compreensão completa do que está acontecendo. Você terá que ler bastante e ouvir muitos áudios para compreender algumas partes, e talvez deixei alguns que não me deram as respostas que eu queria, mas ainda funcionam muito bem.

No fim, Cronos: The New Dawn poderia ter tomado a rota fácil de fazer um action survival horror linear sem profundidade nas mecânicas, e ainda seria um jogo bom com uma história boa. Mas resolveram deixar tanto a parte narrativa quanto as mecânicas em conversa, o que o concedeu uma profundidade que me deixou muito empolgado. Esse jogo está na minha lista de top jogos de survival horror graças à essas profundidades, e quero me aprofundar ainda mais nas partes da história como um todo. A Bloober Team tomou um caminho que não vai ser bem visto por muitos que esperavam apenas um Dead Space, mas agradeço de coração que não fizeram, e sim evoluíram essa ideia de uma forma única.
Uma cópia de Cronos: The New Dawn para PC foi concedida pela Bloober Team para análise no Recanto do Dragão.