DRAGON QUEST III HD-2D Remake — minha vocação

DRAGON QUEST III HD-2D Remake — minha vocação

Falar de Dragon Quest III HD-2D Remake sem adentrar em tons celebrativos da importância de sua existência para todo um gênero de videogames (principalmente aqueles produzidos no Japão) é uma tarefa particularmente complicada para mim.

Na realidade, ignorar seu referencial na cultura pop de modo geral é um tanto difícil, mas nem sempre tão destacado. Estamos falando sobre uma obra que influenciou mesmo os animes contemporâneos que usufruem do mundo pavimentado naquele videogame clássico. Pra que? pra se aproveitar de suas estruturas bem estabelecidas em busca de estilhaçar e desconstruir tudo isso num isekai estúpido sobre vinganças e reencarnações.

Mas, na busca de compreender Dragon Quest III HD-2D Remake, é necessário praticar um exercício de tentar adentrar na essência do videogame para além de qualquer celebração de sua própria existência, ainda que compreendendo essa importância e renome. Encontrar talvez o que faz Dragon Quest se diferenciar tanto em tantos de outros videogames, mesmo que ainda seja o mesmo, 30 anos depois.

Dragon Quest III HD-2D Remake é um jogo lançado no dia 14 de novembro de 2024 para Playstation 5, Xbox Series S/X, Nintendo Switch e PC. Publicado pela Square Enix e desenvolvido pela Artdink (Octopath Traveller, Triangle Strategy). Já por sua vez, Dragon Quest III: The Seeds of Salvation é um jogo lançado dia 10 de fevereiro de 1988 no Japão para Nintendo Family Computer. Publicado pela Enix e desenvolvido pela Chunsoft.

Fazemos um teste de personalidade, definimos as características de nosso herói, acordamos e então convidados a uma jornada heroica somos. Faça jus ao renome de seu corajoso pai, orgulhe sua mamãe e contrate outros aventureiros para te acompanhar nessa historieta que certamente se tornará um capítulo importante na história deste mundo.

Pode contratar todo mundo, até o palhaço… vai por mim!

Trabalhe enquanto eles dormem! Trabalhe enquanto eles vivem! Trabalhe. O grande enfoque de Dragon Quest III são suas vocações. Mesmo não sendo tão fixado por engenhos mecânicos em videogames, admito que jogos com enfoque em sistemas de jobs como Final Fantasy, o recente Metaphor: ReFantazio e mesmo Dragon’s Dogma sempre me sequestram nesse tipo de sisteminha. Talvez seja a sua simplicidade na compreensão, talvez a densidade em ramificações de uma forma tão lógica na mente.

O protagonista tem uma vocação pré-estabelecida de herói e é a classe mais neutra do jogo: magias, ataques, curas, buffs, debuffs; Todo o pacote básico vai estar contigo durante toda a sua jornada.

Mas é com seus amiguinhos PJs que você vai praticar uma verdadeira algazarra profissional. Guerreiros, Artistas Marciais, Curandeiros, Magos, Ladrões, Palhaços… para que continuar trabalhando com a mesma coisa se você já atingiu o máximo de sua vocação? Comece de novo, aqui o mercado de trabalho é vasto!

Seu guerreiro é letal, mas terrivelmente lento? Transforme-o em um Ladrão e ele herdará as habilidades de seu passado no campo de batalha, mas agora com a malícia e acurácia de um ladrão assassino!

Toda mudança é bem-vinda e (quase) nunca é uma perda. Ninguém é inútil e sempre é hora de aprender algo novo. Mesmo um palhaço patético pode um dia alcançar o conhecimento e repertório de um sábio e extinguir seus oponentes sob chamas perpétuas de um conhecimento milenar. Está na sua mão o destino deste aprendizado.

Você pode trocar a vocação de seu colega de equipe quando e como quiser. Ponto Positivo: ele fica mais forte e aprende novas magias. Ponto Negativo: Não tem! Tá bom… até que já teve… mas agora é bem tranquilo!

Supondo que seu colega de equipe esteja no nível 20 (um bom nível para trocar de classe), seus status vão se repartir sobre a metade de sua própria denominação numérica. Se ele tinha 110 de Ataque, agora no nível um ele vai ter 55! “Poxa, estou perdendo minhas sagradas estatísticas” você pode pensar.

Não! Você está ganhando cada vez mais. Reencarnado no ventre dos algarismos, não apenas mais forte do que qualquer outro oponente equiparado ao seu nível, sua propensão de recuperar esses números será veloz e imperceptível! Quanto mais você recomeçar, maior será o potencial de seu coração.

É o paraíso daqueles que são viciados em trancar matérias e cursos na faculdade! Aliás, a velocidade de acúmulo de experiência é ainda mais eficiente do que no jogo original de NES e seus remakes.

Minha party nessa jogatina foi em homenagem a times clássicos do futebol carioca. Mengão começou sua jornada como Monster Wrangler, mas foi na reta final que encontrou seu potencial como Sage. Flumi(nense) começou como uma Priest e já no nivel 23 se tornou Sage onde se aproveitou mais de seu potencial destrutivo, ao final trocou de ideais com Mengão e aderiu à vocação de Monster Wrangler. Por último, Vasco começou como Thief, aos 20 e tantos aderiu a Warrior e munida da velocidade e da força bruta, chegou em seu ápice no final do jogo com as habilidades de um Martial Artist. Aliás… Mengão tinha quatro comandos por turno…

Se você sobreviveu a essa explicação fascinada de um sistema básico tendo sido reutilizado e revitalizado há cerca de três décadas, entenda que isso é importante para criar um ponto aqui! A coisa que posiciona esse videogame ainda como um dos maiores da história é justamente sua maleabilidade de pavimentar a sua crença como jogador.

Claro que eu poderia celebrar as próprias estruturas que transformaram Dragon Quest III em algo tão celebre como a arte do Akira Toriyama e as pequenas coisas em sua escrita que são tão geniais e singelas, mas, se você não sabe disso, primeiro: agora você sabe! Segundo: outras dezenas de textos vão celebrar e compartilhar isso contigo. Eu só não acho que é nesse teor que Dragon Quest III encontra seu ápice. Na realidade é no outro lado da moeda, o roleplay.

Erdrick/Hotto é o herói e o self-insert do jogador. Faça um pequeno teste de personalidade e você vai ser subjugado pelo videogame. Na minha primeira jogatina deste clássico na estonteante versão de Super Famicom traduzida, eu ganhei a característica de preguiçoso! Agora neste também estonteante remake na dimensão de 3.840 x 2.160 pixels e, claro, em 60 quadros por segundo… fui denominado como mula!

Essas sugestões de personalidade são facilmente substituíveis e basta ler um livro que você se tornará uma nova pessoa… eu nunca fiz isso. Tenho certeza que muitas estatísticas minmaximalistas sobre sua personalidade vão te ajudar a ser um herói mais poderoso e atingir um potencial ainda maior. Mas a partir daí eu já não ligo mais para essas estatísticas e não quero trair minhas origens de ser… uma mula… preguiçosa.

Viajamos ao mundo todo e auxiliamos as pessoas ao redor dele. Claro, quando digo “mundo todo” é realmente o mundo. Uma singela e fofa analogia aos nossos continentes. O nosso protagonista é australiano e claro, existem lugares que equivalem à Roma, Portugal, Japão, Egito, e claro, o Brasil. Lá habita um rei corrupto que prende guerreiros da justiça e que na realidade é um monstro algoz infiltrado! Eles falam português! Algumas palavrinhas ao menos tipo parabéns, obrigado, papai e claro, cala a boca.

Toda essa viagem vai ganhando o significado que apenas você vai conseguir atribuir a importância. Diferente daquilo que se constituiu ao decorrer dos anos, a linearidade da história não se define a almejar uma grande narrativa digna de novelas e composições e coreografias ao nível do cinema que outros jogos posteriores do gênero e o próprio Dragon Quest atingiu nos anos seguintes.

É o tipo de coisa que na realidade liberta o seu coraçãozinho de algumas correntes de grandes jogos baseados em narrativa, um tipo de identidade que os grandes RPG japoneses aderiram há muito tempo. Pequenos vilarejos com pequenas histórias que se solucionam rapidamente, conversas sucintas que destacam objetivos principais e secundários ou apenas piadinhas de pequenas linhas que se relacionam com esse mundo.

Nesses momentos é impossível não citar os vídeos de Dragon Quest XI de Tim Rogers e sua proposição de que os Dragon Quests são história de ninar para se jogar por meia hora antes de ir dormir. O desprendimento de grandes narrativas como foco central te permite aderir à essa rotina.

O ethos dessa proposta está integra na ideologia de Dragon Quest III. Uma franquia perfeita para se jogar entre pausas de sua vida e cotidiano. Mesmo que as surpresas da vida interrompam o seu progresso e seu retorno se adie em meses ou mesmo anos, não é tão difícil continuar sua heroica jornada e enfim completar seu proclamado destino.

Agora com a magnífica versão da ARTDINK, tudo é mais tranquilo e bem explicado ainda. Isso se tornou um problema. Não, eu não odeio as opções de acessibilidade ou coisa do gênero, usar o marcador de objetivos não é um crime, principalmente para encontrar aquelas benditas orbs. Todavia, algumas mudanças como o próprio uso da Quimera Wing, que não se limita ao uso no overworld e sim em qualquer lugar de uma dungeon, tiram os desafios de adentrar em calabouços densos e periculosos para pequenas sessões grindiosas e sem nenhuma fração de punição..

Mas isso não me estressou de forma alguma, e a facilidade em encontrar metal slimes me deixaram bem grato na hora de alguns dos meus farms mais intensos de endgame. Mas foram nas alterações microscópicas do contar da história lendária do nosso querido herói que eu me decepcionei com o novo velho jogo.

Entre as absurdas e incríveis cenas performadas com dubladores renomados da indústria de desenhos japoneses ou, se você preferir, as dublagens norte-americanas ao nível desenhos do sábado animado, tudo tem um tom épico, intenso e expansivo. Ao ponto de repetir os passos deste mundo já bem conhecido na palma de minha mão. Um sentimento foi crescente de adentrar numa jornada épica sobre a perspectiva daquele que contam e não daquele que vivencia tais feitos.

Talvez eu esteja trabalhando como álibi da tradução de Dragon Quest III: Soshite Densetsu e… lançada em 2009 pela DQ Translations mas, se for o caso de uma tradução de fã com liberdades criativas mais perceptíveis, isso me decepciona na forma com que Dragon Quest III realmente lidou com seus contos. Pois foi na versão de Super Famicom que encontrei um conto que me emocionou de uma forma que eu sequer imaginei me identificar.

As mudanças e renovações que o remake trouxe fizeram com que Dragon Quest III HD-2D Remake se tornasse um videogame pleno e capaz de competir com qualquer lançamento recente HD-2D que chegou recentemente. As sensibilidades agregadas compelem numa experiência doce, mas que ainda rememora o Dragon Quest de sempre.

Mas questões como a facilidade do uso de habilidades de transporte rápido, os indícios tão diretos das localidades a se seguir, mesmo com os marcadores de mapa desativados, retiram a sensação de vastidão que se determinava a partir das limitações das primeiras plataformas que este videogame foi portado. Basicamente, Dragon Warrior III era tipo o Elden Ring do Nintendinho.

Navegar entre aquele mundo desafiador e repleto de batalhas aleatórias e desafios em cada passo constituía a grandeza e a noção espacial daquele lugar. Já no remake, tudo ganha um tom mais instrumentalizado a partir das sensibilidades modernas que o mesmo agrega, vide viajar para qualquer lugar do mapa quando bem entender; a navegação espacial ganha um novo significado para aqueles que jogam. A sensação é de que observamos uma versão espelhada, mas avulsa daquele Dragon Quest III de 30 anos atrás, não um remake que substitui a essência daquilo que um dia já foi. Alias, a personalização de personagens, apesar de simples proporciona uma linda expressão através daqueles emaranhados de pixels.

Em Dragon Quest III HD-2D Remake, tudo se torna maior do que a si mesmo até certo nível e, ao decorrer do agregamento dos fatos, outros fatos aparentam se perder na tradução de sua jornada. Sim, eu sei, é estranho tratar disso e não jogar os fatos na mesa. Mas é melhor assim!

Só saiba que algumas das minhas memórias mais apaixonadas nos ideais que aquele jogo me contou foram apagadas na tentativa de ressonar como um épico inabalável. Um misto epopeico de confabulação e a displicência de um súdito que conta histórias sobre um milenar e inabalável rei. Um rei que há muito tempo pisou naquelas terras e que carregou em sua marca na história apenas suas conquistas e não as pequenas, mas inesquecíveis derrotas que cicatrizaram seu coração.

Agradecemos à Nuuvem pela chave de análise de Dragon Quest 3 HD-2D Remake, concedida para Playstation 5!!!!