Durante nossa cobertura do NewGame+ Fest 2024 no Sesc Paulista tivemos a oportunidade de conhecer e conversar com Sofia Wickerhauser, que não apenas foi responsável pelo processo de curadoria dos jogos selecionados, como também pela produção do evento como um todo.
Conversamos sobre como foi a curadoria dos jogos, os processos até o evento chegarem ao Sesc, sobre a escolha de um modelo não tão convencional para eventos de jogos indies, entre outros assuntos. Confira abaixo!
RDD: Como foi montar esse festival? Considerando a temática da cultura LGBTQIA+ e vivendo nesses contextos de Guerras Culturais, o confronto com a “cultura woke” e “lacração” que vemos atualmente. Como foi o processo de selecionar esse tema e chegar até aqui?
Sofia: Na verdade eu tenho experiência como curadora de festivais de cinema, trabalho com audiovisual e tinha uma parceria com o festival brasileiro MixBrasil, um festival LGBT que acabou recentemente. Ano passado trouxe essa ideia para eles de fazer essa mostra de jogos LGBT, chamei o Ariel Veloso que já era meu parceiro e fazíamos jogos juntos. Decidimos fazer essa mostra juntos, que ocorreu no MIS; foi algo super pequeno, mas aí a gente viu que tinha interesse, e então conseguimos um edital de incentivo da lei Paulo Gustavo de eventos da SPCine. Isso mudou nossas perspectivas, fizemos um rebranding, ficou algo muito maior do que nós imaginávamos. Quando trouxemos para o Sesc já com essa nova proposta e ideia eles ficaram maravilhados porque já era algo que estavam procurando, essa coisa que unisse jogos com abraçar o público LGBT, e aí nós caímos de paraquedas. O Sesc nos ajudou com a organização e o financiamento, e foi assim que nós conseguimos ir de algo super pequeno pra isso que agora conseguimos chamar de “Primeira Edição” do evento.
RDD: Como foi fazer essa curadoria e ter esses jogos internacionais presentes?
Sofia: Sobre a curadoria, a maneira que a gente fez foi um chamamento nas mídias sociais, mas foi uma coisa muito precária porque não estávamos preparados, as pessoas não nos conheciam, não tínhamos um logotipo. É algo que queremos melhorar pro ano que vem agora que temos imagens, que as pessoas sabem que não somos amadores. Acreditamos que a segunda edição vai ter um chamamento mais bacana. Como foi algo muito pequeno nós tivemos de ir atrás dos internacionais, apesar dos materiais em inglês e português tivemos que ir atrás, caçar, falar, jogar demos, foi um trabalho meio que de mineiro assim, uma curadoria mais ativa. A gente queria que fosse o contrário, que as pessoas viessem até nós e a gente não tivesse de ficar caçando os jogos pela internet dessa forma.
RDD: Eu estava conversando com a Vitória [uma das monitoras do evento] e achei curioso o Lurn.Rdio.Taxi estar presente porque eles têm essa “política” de que é um jogo de evento, você não encontra ele fora de eventos, e eu acho é a primeira vez que eu vejo o jogo sem o estúdio [Soín Coletivo] acompanhando. Quando você chega aqui, diferente de outros eventos parecidos, não temos aquela visão dos estúdios em cada mesa com seus próprios equipamentos. Aqui remete muito mais à experiência de uma exposição de museu, né?
Sofia: Eu quero comentar sobre isso, porque a nossa proposta não é ser um evento de games tradicional onde o gamedev vem com o próprio computador, aí tem que ficar sentado sendo babá do jogo e do computador. A gente queria que houvesse a oportunidade de liberar os devs. Eles já fizeram o trabalho deles, que é produzir o game, e agora nós queremos fazer o nosso trabalho que é expor ao público. A gente sabe o que acontece com todos os jogos, a gente testou todos, a gente sabe explicar para o público o que é o jogo, resolver questões técnicas quando ocorrem, orientar quando o pessoal não sabe o que fazer para prosseguir. Nós estamos preparados para tomar dos devs esse trabalho extra, para que eles não precisem ficar aqui todos os dias e nós possamos ter um evento mais voltado para o público e menos pesado para os devs. Mais público e menos indústria.
RDD: Tendo em mente que vocês pretendem manter esse formato nas próximas edições, quando os devs vêm pra esses eventos uma coisa muito valiosa é o feedback que o jogo recebe do público. Vocês fazem esse trabalho de repassar para os desenvolvedores os feedbacks que recebem por aqui?
Sofia: Infelizmente isso é uma coisa que a gente não fez esse ano porque ficamos muito sobrecarregados, era muita coisa mesmo que estávamos fazendo e não conseguimos nos preparar para isso, fazer um formulário para as pessoas poderem preencher ou até votarem e podermos eleger coisas como “O mais popular do festival”, por exemplo. Mas no futuro é algo que gostaríamos, para que os devs que queiram receber esse feedback possam ter acesso. Esse ano foi muita coisa, temos o laboratório que vai acontecer no sábado, as figurinhas, as palestras…
RDD: Seguindo nessas curadorias que vocês fizeram, vi que vocês trouxeram Dustborn. Dustborn é um jogo mega polêmico nesse contexto do GamerGate 2.0 que a gente tá vivendo; vocês decidiram trazer esse jogo mais como uma postura de afrontamento a esses assuntos ou mais por ele dialogar bem com a mostra?
Sofia: Ele dialogava extremamente bem com a mostra, a ponto que não faria sentido não o ter apenas por causa de discussões que estavam acontecendo paralelamente a nós. A gente realmente quer trazer todo tipo de representação LGBT, mesmo que sejam de jogos que sejam polêmicos, desconhecidos, que estejam em outras línguas; nós não queremos nos podar nisso.
RDD: Inclusive, percebi que para o Until Oblivion foram vocês que fizeram esse papel da tradução, né?
Sofia: Exatamente, entramos em contato com os devs internacionais que não tinham essa tradução, o Dustborn por exemplo já tinha e tem uma tradução muito boa. Pedimos para fazer essas traduções por eles e alguns não aceitaram, como foi o caso do Spirit Swap, já que ficaram na dúvida disso criar expectativas no jogador de que o produto final estivesse em português-brasileiro sem que eles possam garantir isso, mesmo caso comunicássemos que a tradução seria exclusivamente para o evento. Mas assim, nós quissemos ter esse trabalho do público brasileiro entrar em contato com esses jogos de maneira plena, criar uma ponte, colocar o evento em um lugar de muito fácil acesso, ainda que entendo que as periferias têm dificuldade de chegar nesse local. É um local que você sai do metrô e já tá aqui, vários ônibus da cidade passam pela região, então a gente realmente queria um lugar que não fosse só fácil mas que fosse perfeito; inclusive, a gente queria justamente que fosse nesse saguão de entrada para que as pessoas nem precisassem pegar elevadores, você entrou e já se deparou com a mostra. Além de que também queríamos que fosse 100% gratuito, até o álbum de figurinhas aqui é de graça. Com isso, vemos todo tipo de gente entrando, uma verdadeira diversidade, pessoas que não tem esse perfil do que é ser gamer entrando aqui e jogando jogos pela primeira vez. Quem nunca tinha jogado um jogo de ritmo tá jogando, nunca tinha jogado uma visual novel tá jogando. Até vemos crianças muito humildes, (com uniforme) de escolas públicas visitando, crianças que estão na rua vendendo bala entrando e jogando.
RDD: Eu lembro das últimas edições da BIG enquanto “Brazil Independent Game Festival”, e era muito legal ver a molecada chegando com os uniformes da rede municipal e curtindo os jogos em conjunto. Isso foi algo que vi acontecendo de novo aqui!
Sofia: E vai chegar mais, inclusive! Nós vamos receber a CCA (Centro para Crianças e Adolescentes) e eles aprendem computação e informática através de games, crianças que nunca mexeram num computador assim ganhando esse incentivo através dos games. Um professor vai trazer eles aqui, e você vê que aqui temos toda uma estrutura para acolhê-las porque não adianta só dizer que é de graça, o que é de graça? Você precisa comer, você precisa beber, você estar vestido de certa forma para ser aceito no local… então assim, são coisas que a gente quer o máximo possível acolher acolher acolher!
RDD: Então vocês estão ativamente fazendo esse trabalho de entrar em contato com as escolas para convidarem elas, ao invés de ter sido algo mais espontâneo?
Sofia: Exatamente, são coisas assim que a gente não conseguiu desenvolver tanto, principalmente por ser nosso primeiro ano e estarmos cheios de coisas pra resolver, mas o que a gente já conseguiu por fazermos contato, termos esse pézinho assim na porta, já estamos chamando. Pros próximos anos a gente pretende fazer uma coisa mais ativa, ter um objetivo de trazer mais, mas o futuro é incerto porque a gente não conseguiu o edital que queríamos ficamos para a suplência, e a suplência é a suplência né, a questão fica muito mais em como realizar desse tamanho novamente ano que vem, seja por parcerias com o Sesc ou até em outros lugares.
RDD: E como tem sido a recepção até agora, tanto pela mídia quanto pelo público geral?
Sofia: O público tem absolutamente amado, tanto as pessoas que apareceram porque já sabiam do evento e vieram para jogar quanto pelas pessoas que só estavam passando na rua e ficaram “Nossa, o que tá acontecendo? Deixa eu ver”. O álbum de figurinhas é muito interessante também porque fizemos ele para as pessoas colecionarem enquanto iam jogando, e quem está mais amando isso são os adultos! As crianças também amam, mas os adultos estão enlouquecendo, estão jogando todos para pegar as figurinhas, estão vindo outros dias para jogar o que não conseguiram. Por parte da mídia tem sido muito legal, ainda é algo de release porque não tínhamos muitas imagens e afins, mas tem sido muito bacana e o pessoal tem nos recebido bem!
Lembramos que o evento acontece no Sesc da Avenida Paulista, entre os dias 24 de novembro e 1º de dezembro. Confira nossa cobertura aqui: NewGame+ Fest 2024 | Recomendações e Impressões do evento!