Parte I — orbitando Gungrave G.O.R.E
Antes de tudo, quero te assegurar de que eu era provavelmente a pessoa mais animada do mundo todo pra jogar Gungrave G.O.R.E. Desde seu trailer CG “Bullets Beauty Badass”. Aquele protagonista, as animações e a atitude anos 2000 de tudo aquilo me deram curiosidade o suficiente pra até caçar e terminar os dois primeiros jogos da franquia lá de Playstation 2, Gungrave e Gungrave Overdose.
E jogá-los só me deixou mais na expectativa. O primeiro Gungrave lá de 2002 é genuinamente incrível; minimalista, curto e confiante. Ele foi desenvolvido pela Red Entertainment enquanto a escrita e parte de sua arte foram feitas por Yasuhiro Nightow, mais conhecido por criar o mangá Trigun. Por mais que sua narrativa ficasse de fundo pro tiroteio incessante e surpreendentemente baseado em controles de tanque, Gungrave ainda conseguiu tempo pra contar uma história pessoal sobre o protagonista bem gótico Grave e sua filha adotada Mika.
As missões consistem em sessões curtas de galerias de tiro onde você possuia apenas uma arma (as pistolas duplas, que tem munição infinita), um lock-on que torna mirar irrelevante, um “combo” físico de uma porrada só e absolutamente nenhuma distração. Nenhum upgrade, colecionável, puzzle, rota alternativa, nada. Uma visão confiante executada com todo o capricho possível. Além disso, todo santo efeito sonoro tem o grave extremamente estourado por nenhum motivo discernível. Era quase um On-rails Shooter tipo House of the Dead, sabe? Onde seu personagem anda sozinho e você só sai atirando nos inimigos que apareciam na tela desesperadamente. A diferença é que aqui, você mesmo anda, e como um tanque.
Mas mesmo que ande como um tanque, você estava sempre se movendo. Seja atirando em inimigos, andando por alguns segundos após uma luta ou mesmo lentamente correndo contra uma horda e recuperando seu escudo nas pausas (estilo Halo) já que é só ele que regenera, e não sua vida em si. Até os poucos chefes eram únicos e encaixavam no sistema de combate simples. Pra mim, o melhor jogo de ação de PS2 que joguei até então.
E, antes de falarmos de G.O.R.E propriamente, vou rapidamente falar o que achei da sequência do primeiro jogo: Gungrave Overdose, lançado em 2004 também pro PS2. A história mudou de perspectiva, temática e apresentação visual. As cutscenes são em sua maioria entregues por seções de visual novel com uma quantia admirável de pequenos emotes — que não encaixam toda hora, mas dão pro gasto — e a narrativa ganha um elenco bem maior pra tentar destruir a fonte da droga SEED introduzida no primeiro jogo. A mudança por si só não me incomodou, mas os personagens retratados em Overdose são caricaturas extremamente básicas que se mantém exatamente iguais durante todas as ~5 horas de jogo.
Mesmo assim, o maior incômodo pra mim foi o que fizeram com a estrutura e gameplay, que parece mais uma versão artificialmente estendida do primeiro jogo do que qualquer outra coisa. Ao invés de sempre seguir em frente enquanto enfrenta inimigos, vários dos mapas possuem áreas com arenas que vão incessantemente adicionando mais inimigos no pote sem rima ou razão. Pra piorar, o shootdodge do Grave que no primeiro jogo te deixava vulnerável mas deixava você dar muito dano agora é o contrário: é muito seguro de usar mas te faz dar menos dano. Ou seja, a maior parte dos bosses vai envolver você lentamente spammando a habilidade sem pensar pra passar sem morrer.
Mas a mudança mais irritante sem sombra de dúvida foi no sistema de escudo. No primeiro jogo ele começava a recarregar pouco após você parar de ser atacado por inimigos. Em Overdose demora quase 10 segundos pra isso acontecer, e nele existem muito mais arenas diretamente conectadas que não te dão tempo pra respirar e voltar. Isso acabou até machucando outro pedaço da experiência, os seus especiais (chamados de Demolition Shots). Ao usar um deles você dá dano pra caramba e ainda recupera parte de seu escudo, então o loop de Overdose gira em torno de sempre ter especiais disponíveis pra seu escudo aguentar sem explodir.
Ufa, eu juro que tenho muito, mas muito mais a dizer sobre estes dois primeiros jogos, mas resolvi só falar o necessário que interessa esse texto sobre G.O.R.E. E bem, agora a gente pode falar dele livremente!
Parte II — Gungrave, 18 anos depois
Você deve ter percebido que Gungrave G.O.R.E veio 18 anos após Overdose. Muita coisa deve ter acontecido nesse meio tempo, e uma delas foi a mudança de direitos. Quem cuida da franquia agora é o estúdio sul-coreano Iggymob, que antes de G.O.R.E fizeram um soft-reboot do universo de Gungrave com dois títulos VR. Algo a se admirar com a Iggymob é que eles mantiveram muitas das coisas que fizeram dos primeiros jogos especiais em todos seus lançamentos. Grave ainda é sériozão, ainda tem munição infinita, e ainda possui apenas uma escolha de arma. Eu não tenha joguei os dois de VR ainda (por não ter um headset), mas ao menos nessa parte eles parecem interessantes. G.O.R.E é outra história. Ele foi adiado várias vezes e parecia ter um orçamento exponencialmente maior que seus predecessores; uma tentativa de realmente reviver a franquia com gameplay tradicional. Oficialmente, ele segue a continuidade dos jogos VR, mas mesmo assim faz sentido pra quem jogou os de PS2. Agora, por que exatamente? Uh… vamos começar.
É difícil falar que Gungrave G.O.R.E realmente tem uma narrativa. Tipo, ela tá lá e tem algumas cutscenes para acompanhá-la, mas não passa ideia alguma. Quer uma sinopse? Aqui está: Um grupo de cinco traficantes parte do Raven Clan arruinaram uma cidade inteira traficando SEED (o lugar agora chama Scumland); El-Alcangel, a nova organização anti-SEED formada pela Mika, vai parar eles. É só isso, sem mais nem menos. Esse negócio de ter chefes do tráfico de SEED pro Grave caçar veio do primeiro jogo, mas lá era só uma pequena parte da história, que de resto Olha, eu não vou chegar aqui e dizer que Gungrave precisa de uma puta história ou coisa do tipo; pois nenhum dos jogos tem uma. O que me incomoda de verdade é a maneira com que ela é contada, e o tempo que ela desperdiça nesse caminho.
O Grave é só um peão em meio ao conflito, um super soldado que faz o trabalho sujo. A única motivação dele é destruir qualquer pessoa envolvida com SEED, e é isso… Ele interage com a Mika apenas 2 (duas) vezes na campanha inteira e as duas são estranhamente sexualizadas pra dois personagens que são pai e filha adotiva. Não tô nem zoando, tem uma hora que ela abraça ele pelada. Ok, com isso acho que já deu pra estabelecer que G.O.R.E não liga pros personagens, né?
De resto temos um elenco novo também que não consigo nem descrever como estereótipos ou arquétipos como fiz com os personagens de Overdose, pois eles não possuem um quê de personalidade. A lutadora imbuída de SEED chamada Quartz basicamente só flerta com o Grave em uma cena, fala um pouco de exposição em outras, e o acompanha no rádio pra falar as mesmas três frases sem parar. Sério, ela fala “Grave, ki o tsukete” umas 100 vezes na campanha. Quartz é neta de um personagem terciário que aparece numa cutscene do Overdose e eu te juro que toda a personalidade que inferi dela veio da curta cena com seu avô naquele jogo, pois G.O.R.E nem tenta desenvolvê-la.
O mesmo vale pra qualquer outro personagem, incluindo os chefes de tráfico. Eles mal tem tempo pra um monólogo antes de começar suas lutas. O engraçado é que Gungrave G.O.R.E tem até que bastante cutscenes e até algumas CGs bem bonitinhas, mas elas só servem pra exposição ou introduzir uma fase. Sério, cada missão tem uma pequenina cutscene mostrando o Grave chegando na área e fazendo carão. Na real eu não vou reclamar delas porque o cara ta lindo hein… O seu design está consideravelmente diferente até de sua encarnação nos jogos VR e meu deus que homem LINDO. Um gótico cabeludo bombado e ainda meio magrinho de óculos sérião???????? AAAAH ok vou parar e ir pros designs e estilo de arte logo.
Assim: eu meio que gosto de alguns deles. Sei lá, a já mencionada Quartz é legal e tal mas a Mika mais parece uma líder badass genérica, o que não condiz nem com a personalidade dela nos jogos antigos e nem com a dela em G.O.R.E, que não existe. No caso dos inimigos, a situação é um pouco pior. Boa parte deles parecem goons genéricos que você pode comprar direto na loja da Unreal Engine sem nenhuma conexão com o Raven Clan ou uso de SEED em seus designs. Tem até um soldadinho no meio que é sem meme o modelo mais genérico que eu já vi em um jogo tão estilizado quanto Gungrave.
Isso seria ok se o estilo de arte não fosse tão… Estranho. Os modelos são legais, mas acredito que não foi feito o suficiente na parte de iluminação pra fazer eles encaixarem com a energia explosiva da franquia. Toda cutscene não-CG usa da iluminação ambiente da missão sem alterações perceptíveis, o que deixa um ar desconfortável à elas que por sua vez é estendido à algumas das animações. Dentro do jogo, elas são perfeitas. Grave se move com a mesma lentidão estoica de sempre mas ataca com o maior estilo humanamente possível — mas nas cutscenes todos que não o Grave se movimentam de maneira errática e rápida demais considerando a intensidade do diálogo. Parece que deixaram a captura de movimento de atores crua ali, e isso faz os modelos estilizados parecerem bonequinhos sinistramente se mexendo como humanos reais. Quase uncanny.
Olha, eu não sou o GmanLives e muito menos o Nostalgia Critic, então não quero esclarecer que não tô aqui pra esculachar G.O.R.E dismissivamente e ir embora fazer outra coisa. Já estabeleci que sou muito fã do primeiro jogo e que acho algumas ideias do segundo legais, por mais que elas sejam meio blé. Ao terminar Gungrave Overdose, eu disse à mim mesmo (e num textinho do Backloggd) que eu “realmente espero que G.O.R.E seja bom”. Pensei que não tinha como ficar pior, e vim ao novo título da franquia com o intuito de aproveitá-lo. E eu aproveitei! Pelo menos nas primeiras fases, como vou comentar mais pra frente. Mas de qualquer jeito, G.O.R.E acabou desrespeitando meu tempo e boa vontade uma vez atrás da outra. Dito isso, eu estaria mentindo se dissesse que odiei absolutamente tudo (!11!!) desse jogo. Toda experiência, seja ela boa ou ruim para você, vem com algumas lições boas e até partes agradáveis em ocasião. Mesmo que o sofrimento tenha sido o sentimento que reinou, ainda acho importante realmente citar ideias interessantes e partes que genuinamente gostei e respeito da experiência.
Então eu vou incluir aqui seções com uma onda mais positiva que irei espalhar quando relevantes pro texto. Começando: uau, os caras realmente capricharam em parte da estética, né? Desde o Grave em si até a caveirona que fica junta de sua barra de vida. Por mais que outros modelos de personagem não acompanhem o mesmo sentimento, o Grave em si já é constante o suficiente pra valer. Você passa 98.5% do jogo olhando pro Grave, então só dele ser caprichado já vale muito. De resto, temos toda a edge que um jogo dos anos 2000 gostaria de ter, mesmo que nesse caso seja apresentada de maneira diferente do primeiro jogo.
Mas já dá pra chutar um pouco do que talvez tenha acontecido, né? Eu duvido que a Iggymob tenha colocado tanto esforço em algumas partes dos visuais pro resto deles ficarem genéricos de propósito. Talvez tenha sido ao menos em parte pelo inferno de desenvolvimento que G.O.R.E foi vítima e o escopo ridículo do projeto. Em entrevista com a Gematsu, o COO da Iggymob Kay Kim disse que no início, o jogo seria quase mundo aberto, mas que eles mudaram de direção quando perceberam que aquilo trairia a visão da franquia.
O fato do estúdio ter tido que descartar e fazer redesign de uma grande parte do jogo demonstra que eles estavam dedicado a produzir uma sequência especial, e não um AA qualquer. Mas dá pra perceber que o dinheiro acaba uma hora, né? O jogo ficou muito tempo e desnvolvimento e segue uma estética de ambientes e até modelos de personagem caracteristicamente caros. Sabe, aquele visual bem de AA atual feito na Unreal Engine visto em outros jogos como Hellblade, Greedfall e Remnant. Isso custa grana, e considerando que os títulos VR não foram tão bem financeiramente, não consigo imaginar que o orçamento de G.O.R.E tenha sido o suficiente para segurar esse estilo. O resultado disso foi a inconsistência que ele esbanja em tantos momentos. Pior que o jogo ainda tenta seguir a template do que um jogo popular single-player atual tenta empacotar: uma longa duração (mais do que 10 horas, que é bastante para seu gênero e filosofia de design), mecânica de upgrades, cutscenes 3D e gráficos *tecnicamente* impressionantes (pra agradar o povo que liga pra qualidade de texturas, modelos e outras besteiras). Spoiler: esse é um dos grandes problemas de G.O.R.E.
Eu quase comecei a falar de um ponto de gameplay agora. Que bom que me segurei hein, fico feliz que não tem ninguém aqui querendo ouvir falar da gameplay de um jogo de quase 14 horas de duração das quais 13 são passadas atirando, né? Ok, ok, eu falo da gameplay. Só se lembre que mesmo que essa parte seja focada nela, eu vou espetar alguns pontinhos sobre outros aspectos do jogo, pois não dá pra falar só de um aspecto de um jogo de uma vez só. Vamos lá.
Muito do que fazia o primeiro Gungrave especial está aqui. Grave ainda sai andando lentamente enquanto desce ferro em centenas de inimigos por m² e ainda ativa uma barragem de balas incessante e estilosa ao ficar parado enquanto atira. Por mais que a movimentação não tenha mais controles de tanque, você ainda anda tão lento quanto um. A corrida de Grave tem aquela demorazinha de um segundo ou dois pra ele atingir a velocidade máxima, o que faz a própria ação de correr uma que deve ser feita metodicamente. Essa escolha é maravilhosa! Eu não vejo nada de errado com problemas de tanque, mas já que G.O.R.E quer ter um apelo moderno essa foi a melhor maneira possível deles adaptarem o movimento. Viu, existem coisas boas no jogo sim!
A Iggymob também fez com que o escudo voltasse a funcionar de maneira similar ao do primeiro jogo, mas com mais liberdade ainda. Ou seja, se você for esperto na hora do combate, vai poder recuperar parte do seu escudo enquanto ainda atira. O shootdodge está de volta e funciona como em Overdose, onde desviar te dá uma breve (e bota breve nisso) janela de invulnerabilidade e as balas que você atira em meio ao salto dão pouquíssimo dano. De resto, tudo está aqui de uma forma ou de outra. O parry de Overdose agora depende de timing e não é mais só apertar que nem doido o botão de ataque físico, os Demolition Shots tão bem diferentes, e… mecânicas novas!
O loop de gameplay dos outros jogos era bem simples, e por isso não se rendia bem à uma experiência grande. Já que G.O.R.E quer ser quase três vezes maior que Overdose, várias outras adições mecânicas foram feitas, além de outras nuances no comportamento inimigo e level design. Grave agora pode usar a habilidade R.I.P para executar inimigos com pouca vida — à la Glory Kills dos reboots de DOOM — mas aqui se um inimigo vai ficar em estado inconsciente para permitir um R.I.P ou não é decidido aleatoriamente. Pelo menos eu acho que é aleatório. Tem um certo tipo de inimigo que eu conseguia constantemente deixar em estado de R.I.P com uma estratégia, então não sei qual é a regra perfeita. De qualquer forma, ela também funciona de maneira versátil por deixar Grave alcançar o inimigo de tanto longa quanto curta distância. Se você tiver perto pode interagir direto e meter a bala do R.I.P, e se estiver longe pode usar a habilidade “chase” e fazer uma de… longe! Essa te dá bem menos Art Points (que são bem úteis), mas ajuda em situações tensas.
Falando a real, eu adorei essa adição. Não costumo curtir ver ela em outros jogos além dos novos DOOM, mas aqui funciona bem. As animações são rápidas e recuperam parte de seu escudo, o que te te dá uma escolha não presente nas entradas anteriores: Você foge da luta para garantir a cura do seu escudo e perde o combo ou continua atirando pra tentar dar a sorte de alguma glory kill? Só isso já faria milagres pra uma interpretação mais longínqua do loop de gameplay de Gungrave, mas tem mais.
Outra maneira de recuperar seu escudo em combate é usando o novo grab. Basicamente, o Grave tem um ganchão que usa pra puxar seus inimigos (estilo Scorpion) pra então usá-los de escudo humano. Infelizmente, essa adição acabou substituindo a skill de Overdose onde você colocava o caixão enorme pendurado nas suas costas como proteção. Lá não ajudava pra recuperar o escudo porque o tempo de recarga era enorme, mas aqui seria uma boa. Ele também bloqueava foguetes inimigos e outros ataques mais pesados, coisa que os escudos humanos de G.O.R.E não conseguem fazer. Mesmo assim, é uma adição legal que vai perdendo utilidade conforme o jogo começa a tacar mais e mais inimigos grandes e não-humanoides pra cima de ti, já que você não pode usar o grab neles.
O tiro carregado de Overdose retorna de maneira bem diferente, pois aqui ele é realmente útil. Dá um dano impressionante e como anteriormente detona escudos e derruba inimigos, mas é bem mas prático de usar. Os inimigos com escudos acabam sendo interessantes por te permitirem várias maneiras não tradicionais de derrotá-los, mas assim como falei no parágrafo acima, isso não dura pra sempre. Aqui, o problema é que a abundância de inimigos com lança-foguete teleguiados nas últimas ~10 missões torna os de escudo um saco. Eles lançam tanto foguete num espaço de tempo tão pequeno que não dá pra carregar o tiro sem tomar explosão na cara. Daí o objetivo vira ficar dando parry nos foguetes até os malditos morrerem e só aí matar os inimigos de escudo. E advinha: o jogo adora colocar esses dois juntos.
Por último temos a Storm Barrage, que te permite atirar uma chuva de balas omnidirecional se estiver com mais de 50 Beats (que são os combos de Gungrave). Inicialmente ela pode parecer meio inútil comparada com a precisão que o Burst padrão te dá, mas acredite que a Storm Barrage vai vir a ser útil quando você está sanduichado de inimigos e quiser uma saída que vai completamente destruí-los. Mas assim, ela é melhor usada à queima roupa. Ficar mesmo que só um pouco distante dos inimigos demonstra o quão imprecisa é a habilidade. Láaaaa na última missão, posso dizer que essa habilidade salvou minha pele múltiplas vezes contra a doideira que esse jogo vira.
Eu inicialmente ia manter o mesmo nível de elogios pros combos corpo a corpo, mas daí descobri que eles são inúteis, ao menos pra mim. O fato do primeiro jogo só ter um ataque físico cru deixava ele uma parte essencial do combate, porque o negócio dava muito dano. Não era toda hora que você conseguia ficar diretamente do lado de um inimigo para poder usar o ataque, então o dano alto se mantinha justo e aumentava a sua gama de opções pra cada encontro. Em G.O.R.E, existem upgrades para combos físicos e até uma personagem inteira (com a qual você joga por apenas uma missão) que é completamente baseada em porradaria ao invés de tiroteio, mas meu deus isso aqui definitivamente não é o ponto forte de Gungrave.
Você só sai balançando o caixão em volta de si próprio sem dar muito dano ou demonstrar muita versatilidade (ao menos não se não gastar muitos, mas muitos pontos em melhorias de dano e combos extras pro combate físico). É bem menos eficiente do que quebrar seu botão esquerdo do mouse ou R2 pra só atirar nos caras. Também vale mencionar que os combos físicos são desconectados de quase qualquer outra mecânica — principalmente o importante contador de Beats que mal aumenta com esse tipo de ataque — e então existem menos motivos ainda pra focar neles, mesmo que o Laboratório de upgrades queira que você pense ao contrário. Ele demonstra melhorias de ataque físico acima de qualquer outra categoria, o que é meio bizarrinho.
Existem outras duas coisinhas que irei falar sobre já já, os Demolition Shots e modo Fury, mas eles dependem tanto de upgrades que resolvi deixá-los mais pra frente.
Mesmo com os ataques corpo a corpo meio meh, os retornos e adições mecânicas tornam as primeiras missões de Gungrave G.O.R.E genuinamente divertidas. Quando comecei a jogar, não conseguia tirar o sorriso do meu rosto. Andando por lugares tradicionalmente cinzentos e estrategizando (mesmo que minimamente) minhas novas habilidades em cada uma das batalhas, eu tive aquela sensação calorosa de que tudo ia ficar bem. Ufa, pelo menos G.O.R.E é bom… a história já estava me doendo um pouco, mas fiquei extremamente feliz com o resto da experiência.
Pra você ter uma ideia, ele até entende a importância de fazer o jogador sempre seguir em frente. Ele te indica a próxima área de combate com uma seta no hud e outra enorme no mapa (essa é meio desnecessária), e você nunca para de se mover. Nada de arenas iguais de 10 minutos de duração. Aqui as missões duram entre 10 e 20 e você nunca para de se mover pra chegar à locais com setpieces de combate únicas. Isso não é um throwback de PS2 (e se fosse não teria nada de errado com isso em conceito) como parte da crítica está dizendo, mas sim uma visão nova e modernizada de tudo que foi melhor executado nos outros jogos.
G.O.R.E tem aquele bling de jogo atual que por vezes parece crack junto do charme AA dos modelos e animações estranhinhas pique, sei lá, Bullet Witch. Cara, perfeito. Jogo do ano? Melhor que Stranger of Paradise? Gunvolt 3?? #doubleblush??? Infelizmente não, porque eu tô começando a ter flashbacks de Crystar… O maior problema de G.O.R.E é que ele não tem semancol; se recusa a acabar e toma toda santa oportunidade de espremer cada conceito potencialmente interessante até não sobrar nada.
Existem jogos com gameplay mais básica e durações enormes (que não formam um paralelo exato com Gungrave mas ainda são relevantes) como Dynasty Warriors e Earth Defense Force, mas eles se mantém interessantes por meio de sistemas extrínsecos. Ou seja, um sistema de loot de armas, upgrades, níveis e outros. Mesmo só ter armas e armadura desbloqueáveis já faz de EDF um jogo bem rejogável e mais variado, então imagina o que Gungrave poderia ter feito com uma fração de melhorias extrínsecas… E olha que sorte, ele fez isso! Aqui temos (os tão comuns em jogos modernos) upgrades!
Outros jogos no estilo character action como Bayonetta e Devil May Cry possuem sistemas similares, então isso não é território novo pro gênero nem nada (mesmo que seja para Gungrave). Olha, eu absolutamente amo a simplicidade do primeiro jogo da franquia, mas se for pros desenvolvedores tentarem fazer um jogo longo que nem G.O.R.E, então não vejo tanto problema neles tentarem. Aqui você ganha pontos no fim de cada uma das 31(!) fases do jogo. Eles são definidos por sua nota final da fase, que é a soma de vários aspectos como porcentagem de inimigos mortos, o valor do seu maior combo, o tempo que passou na fase, etc. Nada de novo por aqui, tudo faz sentido. Mas tem uma coisinha no sistema de pontos que destrói uma parte importante dele: a nota de combos.
Desde o primeiro Gungrave você é incentivado a manter seu combo mesmo após ter matado todos os inimigos de uma área. Como? Acontece que seu combo conta ataques dados à objetos destrutíveis da fase, como barris explosivos, sofás e até plaquinhas de direção. Tem muita coisa espalhada e já que arenas nunca estão longes umas das outras, não custa nada meter bala em tudo pra manter o combo fluindo. Por vezes destruir objetos era até o seu objetivo.
Em G.O.R.E é outra história. Tudo o que eu disse se mantém, mas agora as fases possuem objetivos mais espaçados e batalhas por vezes tão duradouras que você vai ter destruído tudo sem querer antes do fim do tiroteio. Ou seja, manter o combo se torna um saco, ainda mais considerando a quantia enorme de missões presentes no jogo nas quais você vai ter que se manter lento atirando em tudo (lembra que o Grave se move na velocidade de um tanque, ainda mais quando atira andando). Inicialmente, eu ignorei isso pois achei que não ia mudar nada e só lamentei que ficou um elemento desperdiçado até perceber que a nota de combo do fim da fase assume que você realmente manteve seus combos entre arenas.
AAAAAAH que saco. Isso não afeta lá tanto sua nota geral, mas pode sim rebaixar seu S pra um A, seu A pra um B e por aí vai. Ou seja, menos pontos de upgrade pra você por ter ousado manter um ritmo decente entre arenas. Isso está virando um tema recorrente no texto, mas ainda assim vale mencionar: Essa penalidade de nota só acaba sendo relevante por causa do quão longo é o jogo para seu subgênero. Se você ir mal na nota de combos na maioria das 31 fases, vai ter recebido muito menos pontos de upgrade.
E os upgrades? São bem legais na verdade. Tem um ou outro que aumenta suas estatísticas e vão ser o foco no início. Conforme você avança mais habilidades específicas vão se tornando viáveis (se você ignorar que os upgrades de ataque físico sejam meio ineficientes, como citei anteriormente).
Dessas, os mais importantes são os Demolition Shots. G.O.R.E oferece uma quantia impressionante deles, e cada um tem suas próprias vantagens e desvantagens estatísticas e de usabilidade. Já que a quantia de pontos de Demolition também pode ser melhorada uma a uma, você deve gastar tanto com a melhoria estatística quanto com desbloquear as novas habilidades, que custam de um a três pontos. Divertidas de usar? Sim. Vale a pena upar pra pegar elas? Claro. Agora, como que fica pro começo do jogo quando você tem que focar em melhorias de estatística?
A resposta é que, se você for por esse caminho, vai passar um bom tempo com poucos ou até apenas um Demolition Shot. Eu realmente acho que vale mais a pena pegar as melhorias estatísticas de dano, escudo e afins primeiro pela sua própria saúde. Da vida real mesmo. Dar mais dano com os tiros básicos vai fazer você ter que esmurrar menos o botão de atirar e te salvar um tratamento de tendinite e um bom tempo de gameplay em troca das primeiras ~5 horas de jogo ficarem bem menos divertidas. Yay!
E daí temos o modo Fury, que tinha deixado de mencionar quando falava das mecânicas novas porque ele depende demais do sistema de melhorias. Basicamente, você entra num modo super forte (estilo Devil Trigger do Devil May Cry mas sem os visuais legais) por alguns segundos pelo preço de um ponto de Demolition Shot. Vantagem: seu potencial de dano pode ser maior do que um DS normal pois você pode usar o Burst sem ser derrubado por foguetes inimigos. Desvantagem: Ele não carrega sua vida de volta como um DS.
Parece que a Iggymob queria criar uma dicotomia entre os dois sistemas para cada jogador fazer uma build em volta deles, mas no fim das contas os Demolition Shots acabam sendo muito mais vantajosos à longo prazo. Eles requerem sim bastante pontos de upgrade para ficarem bons, mas ter como recuperar sua vida sem desvantagem no meio de uma chuva de inimigos (comum no late game) é algo indispensável demais. O pior é que o modo Fury ainda precisa de upgrades pra ficar decente, mas todos eles são estatísticos. Você deixa a duração dele maior, e só. Por mais que ele venha a calhar em certas partes do jogo, é bem mais situacional do que parece no início.
Parte III — quase lá, quase aqui
Eu espero que a Parte II do texto tenha feito seu trabalho em ser interessante ao mesmo tempo que uma apresentação um pouco mais direta das mecânicas e outros aspectos, porque é difícil fazer algo assim se manter legal de ler. Eu não costumo fazer isso com meus textos, mas acho necessário quando é sobre um jogo vítima de seus sistemas (como Crystar também foi). Agora que passamos por tudo isso, vamos voltar à uma visão de ping-pong esotérico como de costume.
Gungrave G.O.R.E é um maravilhoso jogo de quatro horas de duração moído e espalhado em um de 14, se julgar que só suas melhores missões se manteriam nessa imaginária versão simplificada. Você mata os mesmos inimigos enquanto passa por uma história vápida sem nenhuma conexão com suas ações sem parar. Boa parte dos acontecimentos que influenciam a narrativa são contados pelos Logs da Quartz que você pode ler nas telas de carregamento. Enquanto coisas minimamente interessantes são descritas por ela, Grave só pega as partes que envolvem andar um pouco e matar uns caras. O meio não tem nada a ver com os fins.
No primeiro jogo, Grave passava pelos corredores de inimigos para chegar à lugares importantes e descobrir por si mesmo os próximos pontos da história. Agora no G.O.R.E existem missões inteiras onde a progressão temática e narrativa se resume à “Grave passou por esta área da Scumland matando inimigos”. O cara nem chega à um objetivo nem nada, só anda matando gente até esbarrar em dois minutos de exposição. É um loop vazio, e boa parte das primeira metade do jogo se resume à isso. Mesmo que a segunda metade conte uma história ainda sem alma e personalidade, pelo menos existe algo contextualizando um pedaço de cada missão.
Isso tem um forte cheiro de roteiro muito pequeno pra duração planejada do jogo, o que resultou em missões extras sendo adicionadas no meio sem relevância alguma à história. Eu juro que isso seria ok comigo se ao menos essas fases fossem interessantes. Tudo o que eu queria era sentir que estava cumprindo algo maior que a soma das partes. Invadir uma refinaria de SEED é muito mais interessante na sua cabeça do que na prática. Não importa o lugar que você está, o ritmo de tiroteio não se recontextualiza de acordo. As fases trocam os tipos de inimigos que você vai enfrentar e é isso. Nada de arquitetura interessante ou diferente, gimmicks de fase, nada. Eu não estaria reclamando disso num jogo breve como Gungrave 1, mas é que G.O.R.E só quer desperdiçar o seu tempo.
O problema vai aumentando pouco a pouco até você perceber que está passando por lugares familiares. Partes inteiras de outras missões são recicladas e reusadas para estender seu tempo de gameplay. Você passa por lugares idênticos situados em países completamente diferentes. É horrível.
Isso machuca meu coração, pois existem mapas super únicos aqui também. Um exemplo é o do Cassino, que é uma homenagem ao de Overdose. Na real existem várias e várias referências à esse jogo em G.O.R.E, e isso me deixa mais triste ainda. Não por eu achar esses dois jogos ruins (mesmo que ache), mas sim porque dá pra sentir a paixão da Iggymob nesses pedaços. Eles não executam essas partes de referência da mesma maneira, mas sim às homenageiam com uma nova lente. Eu só queria que o jogo mantivesse um ritmo consistente (nota: mds perdoa a rima eu estou escrevendo isso faz uma eternidade eu não aguento mais ;-; eu vou deixar ela assim como um monumento do meu cansaço).
O que eu tô devaneando sobre aqui nem é lá tão doloroso, mas ainda assim impossível de fazer agora que o jogo foi pronto e lançado. Se a Iggymob literalmente só arrancasse dois terços das missões desse negócio ele seria ótimo. Um jogo com consideravelmente menos desperdício de tempo e filler no geral. Uma história mais concisa, onde Grave realmente tem motivações em suas missões além de ir do ponto A ao B. Menos repetição dolorosa de inimigos. Ah, é. Tem isso.
A última hora e pouco de Gungrave G.O.R.E envolve os mesmos quatro inimigos repetidos uns atrás dos outros. Os mutantes, que começam como minibosses e vão se aconchegando em meio à outros tipos de inimigos em encontros avançados, viram tudo que você enfrenta no final. O problema é que já que só existem quatro variações dele (pelo menos o jogo não é lotado de recolors), o aumento de intensidade conforme você avança nessas fases homogeneíza os encontros. Em palavras mais simples: Existem arenas onde você enfrenta literalmente (e bota literal nisso, não to exagerando), 20 cópias do inimigo mais forte do jogo na mesma sala reta com mínimo espaço para você recuar ou se esconder para recuperar escudo. Esse tipo de mutante possui canhões que destroem todo o seu escudo de uma vez só quando carregam as balas. Duvida de mim? Olhe a print abaixo:
É, só tem 16 nela, mas tem outros fora do quadro da screenshot. Isso é… meio insano? Sei lá, não ligaria se fosse num jogo menos inchado ou com outras ideias, mas G.O.R.E vive e morre por seu combate cara, não tem por que fazer isso com o jogador. Além de ser frustrante, essa seção destrói qualquer nível de engajamento honesto que você tinha até aquele momento. Eu passei dessa parte spammando Storm Barrage à queima roupa enquanto abusava de Demolition Shots, e ainda assim precisei de sorte. Claro, eu não queria grindar quando estava na última fase do jogo (e nem ter que repetir o que já tinha feito nela), então fui batendo a cabeça até terminar a seção. Se fosse só esse momento beleza, mas se repete demais e até em fases que não tem esse spam de inimigos tão óbvio. Tem arenas das missões avançadas que só metem quase todo tipo de inimigo ao mesmo tempo contra você sem pudor nenhum. Vômito de level design. Agora acho que ficou claro o quanto o filler me incomodou.
É triste pensar que se a Iggymob não tivesse se comprometido em ser uma experiência moderna com visão conteúdista, o Gungrave G.O.R.E poderia ter se tornado uma experiência atemporal. Em busca de justificar seu preço de 50 Dólares (quase 300 Reais!), eles acabaram colocando em risco muito mais do que barganharam. Claro, talvez parte dessa visão tenha vindo à pedido da publicadora Primal Matter, mas não quero especular e então não vou culpar ninguém, só lamentar o resultado final. Se o Gungrave original tivesse tipo, 6 horas de gameplay com aquela mesma fórmula eu reclamaria igualzinho, pois pra mim é importante uma obra saber quando acabar. O jogo teria umas reclamações da grande mídia de jogos e público geral por ser curto demais, mas ele poderia ter virado um clássico cult como seu mais antigo antecessor à longo prazo.
Eu queria poder ignorar a voz na minha cabeça dizendo que “putz, G.O.R.E é quase bom… imagina se as coisas tivessem sido diferentes”. Gosto de pensar e considerar a obra final, não o que seria se em algum momento a direção mudasse — é injusto ao jogo e os desenvolvedores. Mas é difícil nesse caso. Eu tenho um carinho tão grande pela franquia que até consigo relevar algumas das piores partes de Overdose, por mais falho que tenha sido pra mim. G.O.R.E conta outra história: Uma de um estúdio buscando apelar para o cenário atual de jogos sem planejar o que isso significaria pro produto final. Gungrave G.O.R.E não é um throwback de Playstation 2, mas sim um “produto” ruim. Um que recebeu muito amor em sua criação que acabou por desperdiçar seu potencial em nome de agradar expectativas de jogos que nem se encaixam no seu gênero.
Não vim aqui reclamar do desbalanceamento de inimigos, as setpieces de ação não muito bem pensadas ou, sei lá, dos gráficos “serem ruins” (não são) pela medida de fidelidade. Eu não ligo pra esse tipo de coisa. Eu quero experiências com altos e baixos porque a pior coisa pra mim é um jogo só passar reto sem nenhuma parte se destacar. Ou seja, ainda ganhei certo apreço por G.O.R.E. Ele com certeza destruiu a franquia pelos próximos anos, e talvez pra sempre. Não acho que o envolvimento de grandes Nightow ou Ikumi Nakamura vai ser o suficiente pra fazer a Iggymob ter uma 4ª chance com a franquia.
Eu não sou a favor de franquias continuarem pra sempre de qualquer forma, pois ainda existem muitas ideias à serem exploradas, por mais que me dói um pouco pensar que nunca mais teremos algo com a exata energia de Gungrave. Eu provavelmente não vou jogar os jogos VR, então contando as três entradas ortodoxos da franquia: Gungrave, Gungrave Overdose e Gungrave G.O.R.E, eu não gostei de dois terços desses jogos. Mesmo com isso, mesmo com uma visão tão negativa do que acaba sendo 20 das 21 horas que passei com Gungrave no total, eu ainda me entristeço com o (muito) possível futuro onde não vou poder ver mais do Grave e a Mika. Não poderei ver mais uma direção focada e confiante o suficiente a ponto de fazer um jogo que é só atirar, com estilo. Uma arma, uma hora de jogo, uma visão imortal. Não importa quanto conteúdo for colocado em um jogo, nada vai bater isso.