Killing Time: Resurrected — ressuscitando um fantasma | Análise

Killing Time Resurrected — ressuscitando um fantasma  Análise

Acho que boa parte das pessoas ficaram com um pé atrás quando a Atari comprou a Nightdive Studios ano passado, especialmente depois do Blood: Flesh Supply ter parado de ganhar suporte quando a Atari tirou o dinheiro na época que era só uma parceria. Mas, para ser sincero, os últimos remasters do estúdio foram muito bem feitos. Alguns vieram com preço salgado e sem novidades, mas ainda pegaram um jogo que era meio esquecido e trouxeram para novos jogadores. Isso deixou eles vivos e na boca do povo, com todo mundo podendo jogar e entender mais desses jogos que não necessariamente fazem parte da história dos jogos como revolucionários. Mesmo assim, eles foram feitos como um projeto nascido de amor dos desenvolvedores. E esse trabalho acaba fazendo um ótimo favor de mostrar que nem tudo nos jogos precisa ser uma novidade que mude completamente o mundo, mas sim um trabalho feito por amor, utilizando daquele método, seja gênero, mecânica, dentre outros, que outro jogo apresentou (neste caso o FPS) para tirar uma ideia do papel.

E assim entramos no jogo em questão, Killing Time! Um jogo que eu considero tipo D dos hoje conhecidos como Boomer Shooters mas que antes eram “filhos de DOOM”. Jogos tipo A são os de conhecimento geral. Temos DOOM, Duke Nukem 3D ou Quake. Jogos tipo B são aqueles onde você tem que estar inserido minimamente no contexto daquele gênero para conhece-los, como Shadow Warrior 3D, Blood, Heretic ou Hexen. O tipo C seria aquele que você precisa ter uma noção mais aprofundada no gênero, como Strife, Redneck Rampage, Rise of the Triad e Marathon. E existe o tipo D, aqueles que simplesmente sumiram com o vento. Ainda tinham algumas pessoas comentando na época, mas eram tão poucas que, mesmo sendo entusiasta, era fácil passar despercebido… e Killing Time entra nisso. 

Killing Time Resurrected

Eu nunca havia ouvido falar desse jogo, mesmo tendo me aprofundado tanto no gênero, e mais uma vez temos que parabenizar a Nightdive por remasterizar um jogo desse estilo, algo que tem uma base de fãs bem pequena. Eles mesmo assim assumiram um projeto para deixar esse jogo mais conhecido e fácil de jogar. Seria muito fácil para eles só remasterizarem os jogos da ID Software, mas eles assumem esse risco em prol de trazer um jogo para no mínimo arranhar o mainstream e deixar ele mais conhecido e tratado para que qualquer um possa jogar.

Killing time se passa na década de 30, onde temos um protagonista sem nome que está preso em uma ilha que possui um artefato arqueológico egípcio, o Water Clock (Relógio Aquático, em tradução livre), que foi utilizado pela dona da ilha, Tess Conway para se tornar imortal. As coisas não deram tão certo, com pessoas próximas sumindo e alguns habitantes da ilha se tornando monstros que servirão como nossos inimigos. Agora temos que ajudar Tess a reverter a magia do relógio coletando as partes corporais dela pela ilha.

Killing Time Resurrected

Quando se trata de apresentação, o jogo possui algumas curiosidades. Primeiro que existiram duas versões do jogo, a de 3DO e a de PC. A versão de 3DO era um filho de DOOM mais padrão, onde você ia fase por fase até resolver os problemas da ilha, porém com a fama da época tínhamos sprites feitos por atores que ficaram excelentes, similares à jogos FMV. Na versão de PC, em constraste, podemos explorar a ilha no nosso tempo, porém temos sprites mais padrões que perdem parte do charme da versão de 3DO. Mas a Nightdive veio com uma ideia excelente: você pode colocar os gráficos 3DO na gameplay do PC, algo que combinou e deixou o jogo ainda mais carismático. Os sprites são bem feitos com animações bem legais e um tom cartunesco engraçado que dá ainda mais charme. A remasterização deixou eles com uma resolução melhor, mas sem perder detalhes, o que foi um ponto certeiro para não ficar aquele tom pastel que se ganha (perdendo) ao aumentar resolução. 

Outra coisa que aumenta esse charme (por mais amador que pareça) é o design dos inimigos. Todos tem uma particularidade que os deixam únicos; enfrentamos palhaços que te agarram, mulheres protestantes contra o álcool, chefes de cozinha com facas no corpo todo, insetos, mafiosos e vários outros. Esse design único não só acrescenta no tom, mas também dá um contraste para cada inimigo, o que te ajuda na hora de engajar no combate. A ambientação também é bem feita e retrata bem a década de 30, além de ter detalhes inseridos em cada “fase” que entra para retratar o que aquilo era para a ilha, tornando ela verossímil. Não é em um nível de outros jogos da Build Engine, mas aqui temos uma escala maior para nos dar arenas boas de navegar e atirar. Porém, alguns locais ficam meio parecidos na parte mais aberta com florestas bem iguais entre si, mas graças ao mapa, navegar por elas não será um problema. Inclusive até as partes labirínticas que algumas dessas arenas têm também são fáceis e não ficam chatas, nem mesmo a tão comum em jogos “fase de esgoto”. Em nenhum momento me senti totalmente perdido e sempre que entrava nessas arenas, elas tinham um ar novo que deixava o ritmo do jogo excelente e, por elas possuírem alguns aspectos únicos, as deixaram ainda mais memoráveis. Por exemplo, uma área de fumantes que pegou fogo onde enfrentamos esqueletos que as vezes aparecem fumando um cigarro, ou na cozinha onde lutamos contra seus chefes. Existiu um carinho para deixar essas áreas bem carismáticas.

Uma coisa que me impressionou foi o som dos ambientes, as músicas misturadas com o som ambiente também dão um ar novo para cada local que você explora. A troca bruta entre as músicas pode parecer meio esquisita, mas logo você entende que está em uma área nova. O design de som foi tão bem trabalhado que as vezes eu olhava para trás na vida real porque achei que um som realmente estava vindo de atrás de mim. Além disso, sons bem legais para cada inimigo foram utilizados que também os ajuda a se destacar. Dá para perceber alguns sons stock, mas foram bem usados nesse caso. O único que fica meio fraco são os sons das armas que, tiram uma parte do impacto delas… eles são meio baixos e abafados.

Killing Time Resurrected

Em Killing Time também temos eventos de fantasmas espalhados pelo mapa, onde vemos a Tess repetindo constantemente HELP ME (que fica um pouco repetitivo e irritante depois de um tempo) que, ao ficar perto desses fantasmas, eles tocam um filmezinho sem interromper o jogador. Você pode afastar e continuar engajando nos combates enquanto elas estão passando. Para conseguir prestar atenção eu tinha que limpar os inimigos da área, mas gostei que o jogo não tirava meu controle. Você pode ver ou ignorar completamente esses fantasmas. Eles servem para entendermos o que aconteceu para tudo ter virado aquele inferno, desenvolver personagens, construção de mundo, se preparar para algum confronto ou área, e mostrar para o jogador qual é seu objetivo.

Eu fiquei surpreso o quanto o jogo se compromete em explicar a ilha. Eles se aprofundam sobre o Water Clock e de onde veio a ideia de Tess abraçar a imortalidade, e até explicam porque estamos enfrentando palhaços e outros tipos de inimigos; mas também deixam a parte dos poderes egípcios sem ter explicação, deixando aquele ar místico entorno do que aconteceu.

Killing Time Resurrected

Já na parte de como jogamos Killing Time, é bem simples. Nós temos a ilha inteira para poder explorar e, assim que chegamos, Tess nos pede para juntar suas partes espalhadas por ela para conseguir acabar com o Water Clock. A partir daí podemos ir onde quisermos. Existe um mapa maior que mostra onde podemos ir; nele, as arenas são destacadas, e assim não ficamos tão perdidos. O jogo consegue nos guiar de uma forma orgânica: se chegamos em um ponto sem fim, sabemos que precisamos de uma chave, e toda essa progressão lembra bastante um survival horror, onde chegamos em um local e sabemos que precisamos de um item. Aqui, encontramos apenas chaves mesmo ao invés de upgrades, que dá mais a impressão de survival horror do que metroidvania. E como as áreas são relativamente próximas umas das outras, não fica chato voltar para terminar de explorar. 

Killing Time Resurrected

O combate em si é simples, cada inimigo se comporta de uma maneira e você tem um arsenal de seis armas para máta-los, tendo suas armas corpo a corpo, pistola (que comporta dual-wielding), shotgun, metralhadora, um lança chamas que funciona mais como a plasma gun de DOOM, molotovs, e um artefato egípcio que funciona como a super arma do jogo, causando dano em todos inimigos na sua vista. Mesmo sendo um jogo de 1995, eu senti falta de algumas armas a mais, especialmente considerando que a shotgun é boa durante o jogo todo. É fácil ignorar completamente a metralhadora, mesmo quando haviam vários inimigos, isso pelo fato das armas não terem um poder gigantesco e o quanto o jogo nos deixa lotado de munição a todo momento. A metralhadora não servia tão bem para limpar quartos com inimigos comuns porque eles demoram a morrer, então a shotgun, que mata eles com dois tiros, era boa até demais. O lança chamas também servia bem para limpar quartos cheios de inimigos, mas sua munição era bem escarça comparada com as outras armas básicas. Então acabou que usei mais a shotgun durante boa parte de Killing Time, e em algumas áreas isso acabou afetando um pouco a experiência. Como o tiro da shotgun é mais lento, demora para limpar áreas de inimigos, especialmente considerando que o jogo coloca MUITOS deles para enfrentarmos em vários quartos e em espaços abertos. O bom é que eles não renascem (tirando na última dificuldade), então esses combates não vão ficar chatos, mas se você tiver que reexplorar uma área em que deixou de pegar algo, vai ser um pouco chato… felizmente, como eu disse antes, as áreas não são tão longe umas das outras. E um porém: existe uma opção de deixar as armas iguais ao original, onde temos acertos mais precisos da parte dos inimigos. Com essa opção desligada, você estranha o quanto os inimigos erram mas, com ela ativa, alguns inimigos bem no fundo de áreas mais abertas conseguem te acertar de longe. Esse aspecto poderia ser mais balanceado.

Em Killing Time também temos os básicos dos filhos de DOOM: pickups de vida espalhados pelo jogo para coletar (eles podem ser dropados dos inimigos em forma de orbes azuis, mas cuidado! também têm chance ser orbes vermelhas que causam dano), poderes especiais que te deixam imortal por um período de tempo, com um fire rate mais rápido, munição infinita (ótimo para usar o lança-chamas e a arma egípcia), redução de dano, melhora de visão, invulnerabilidade a fogo, e 200% de vida. Secrets também estão presentes, mas são bem fáceis de encontrar. Não porque o jogo te informa bem, mas porque no mapa vemos eles. Pegar 100% de secrets foi bem fácil!

No quesito da história, ela é boa! os personagens conversam sobre os planos com o Water Clock, mas também falam sobre como são suas vidas. Nenhum personagem acabou sendo esquecível e todos tem um papel na história. Dá pra ver o plot twist vindo de longe, especialmente depois que assistimos alguns diálogos. O que eu não esperava era que não teríamos muito chefes, que não fez falta na minha opinião… mas um dos poucos chefes que enfrentamos tem uma ideia muito boa e adorei enfrentá-lo já que ele não é um “shoot at it until it dies”.

Killing Time Resurrected

No fim das contas, Killing Time: Resurrected foi uma surpresa maravilhosa e mais um trabalho muito bom da Nightdive de se arriscar em trazer jogos esquecidos ou pouco conhecidos para o público, não deixando eles caírem em esquecimento e trazendo novos fãs. Dado o conforto que empresas AAA ficam desde de que jogo é jogo, é bom saber que vivo em uma época onde uns caras querem só ressucitar estes jogos ao invés de pegar só os já bem conhecidos para revender.

Killing Time Resurrected

A Nightdive colocou no meu radar um jogo que provavelmente morreria sem saber que existe, e estou muito grato, porque Killing Time Resurrected é o meu tipo de jogo. Algo jank pelas suas limitações que trouxeram um charme e um carisma inesquecível com tantos jogos parecidos no meio, com uma ambientação e apresentação única e uma forma de jogar relativamente diferenciada pelo estilo em que está inserido. Existe algo único em chamar os devs e outras pessoas para atuarem em um filmezinho no meio do jogo, algo bem comum nos anos 90 e que trouxe clássicos com esse mesmo carisma, como Alien versus Predator, Command & Conquer, e agora Killing Time.

#RECANTODOSUSTÃO2024 ENCORE

Uma cópia gratuita de Killing Time: Resurrected para PC foi concedida pela Atari para análise no Recanto do Dragão.