Antes de começar esse texto, gostaria de deixar um alerta de antemão: essa não é uma peça típica que se costuma fazer presente no RDD. Haverá uma série de citações de autores, além de trechos de músicas que serviram de inspiração para o texto, cuja playlist do Spotify você pode acessar aqui (recomendo fortemente ler as letras para entender os porquês); por fim, adianto que um segmento (indicado abaixo, não se preocupe!) conterá spoilers sobre o final de Red Dead Redemption 2, central para o tema específico de “redenção” explorado no texto.
Por que sofrer é tão fascinante pra humanidade? Por que a arte – e, por consequência, o ser humano — possui tanta proficiência em destrinchar a desgraça, muito mais que rememorar os bons dias de saúde, de felicidade, de celebração? Porque a tragédia nos atrai tanto? De onde vem o nosso encanto pelo sofrimento, por essa miséria romantizada da alma, que se alastra desde as poesias de 1800 até a música emo dos anos 2000?
Sempre fui de acreditar que a dor é a emoção mais poderosa, mais devastadora de todas. Possivelmente a melhor professora. Também uma das mais paralizantes, quando nos engolem como uma avalanche, quando dói tanto que as veias chegam a pulsar ácido; e também quando nos apaixonamos por ela. Alguns abraçam o sofrimento como uma manta, se aquecendo na frieza da cronostase que ela oferece.
Viktor Frankl, psicoterapeuta e sobrevivente do holocausto, cristalizou as palavras de Nietzsche ao reproduzi-las múltiplas vezes em sua vida e obra: “Quem tem um porque enfrenta qualquer como”. Quem encontra razão suporta qualquer dor vista como necessária. Trabalha centenas de horas sem descansar, pega horas e horas de transporte público no Sol escaldante, passa por situações humilhantes e vê sua humanidade ser cuspida e pisoteada. Geralmente pela família, ou pela crença de que pode mudar o mundo. De que pode mudar o futuro de alguém, de si mesmo, dos filhos e filhas. Por aí vai.
Nada nesse mundo, e eu repito, NADA é capaz de nos causar tanta dor e penitência quanto a existência de outros seres humanos. Tanto a presença deles, quanto sua ausência.
Eu acredito que a humanidade é fundamentalmente a origem, o problema e a solução de tudo que nos cerca. É a causa e a consequência. É a razão do porquê as coisas surgem dentro de nós — ideias, vontades, desejos. Motivação e depressão. O conceito de Deus, o abuso de drogas. As explorações interplanetárias, e os primeiros passos de uma criança. Tudo acaba sendo causado pelo “excesso” de humanos ou a “ausência” deles, pois sem seres humanos nós somos incapazes de sequer atribuir significado às coisas.
Viver não faz diferença nenhuma de estar morto, se você estiver completamente sozinho.
Amelie (Death Stranding)
Perguntas como a sobrevida, a vida eterna, antigos segredos maias ou qual a próxima data de lançamento vazada na indústria dos games… nada disso teria importância se não houvessem pessoas para conversar sobre, para competir contra, para colaborar junto. Aliás, se não fôssemos dotados de linguagem, eu nem sei se seríamos capazes de sequer ter uma ínfima, microscópica noção dessa infinidade de problemáticas que existem no universo.
Já falei em outro texto sobre uma citação de Ludwig Wittgenstein que adoro: “os limites da linguagem são os limites da minha realidade”. Se não há pessoas, não há linguagem. Não há compreensão. Não há desejo, não há potencial transformativo. Não teríamos conversas inúteis por centenas de milhares de horas, em bares escuros e fétidos ou chamadas de Discord, virando noites e noites que não deveriam ser viradas. Nada teria importância, pois sem outros seres humanos, não seríamos capazes de atribuir significado a mais nada da vida que fosse pra além do instinto de sobrevivência. Sem uma sociedade, invariavelmente voltaríamos ao primitivo.
As pessoas são influenciadas por quem as rodeiam. Você pode pensar que suas decisões são exclusivamente suas, mas os outros também deixam suas marcas, mesmo que você não perceba.
Bacchus (Yakuza 0)
Ajustamos diariamente nosso comportamento para nos encaixar (ou se desajustar) de um meio. Procuramos criar nossa identidade ao fazer do nosso corpo e espírito uma colcha de retalhos, aos moldes do que os outros possam achar agradável ou não. Ao tentar preservar a pouca humanidade que nos resta depois desse processo caótico e imundo, inevitavelmente tomamos decisões questionáveis e envergonhamos nossa própria alma em prol de poder pertencer a famílias que, às vezes, nem sequer nos merecem.
Até que um dia isso cansa. Tudo para de fazer sentido. E o que resta é confrontar o luto que virá depois.
Não há palavras nesse mundo que possam descrever certos sentimentos, e um desses é o senso de despertencimento. A ausência da família, de viver sem acolhimento humano. E outro é de ver a sua própria família se desmoronar diante dos seus olhos. Descobrir que aquilo que você acreditava foi, ou eventualmente se tornou, numa mentira; que os sentimentos não tinham o significado que tinham, de que as coisas deixaram de ser como “deveriam”. E tudo se desfez tão rápido.
Ficamos perdidos. Como os bons macaquinhos sociais que somos, vamos pulando de galho em galho, passando entre várias novas experiências e conhecendo diversas pessoas com quem vamos trombando, atordoados, escondendo o vazio que ficou no lugar do que acreditávamos ser nossa casa. Alguns formam novos “laços” extremamente rápido, vomitando todos os traumas dos últimos nove relacionamentos que deram errado em alguém que acabou de conhecer há 2 horas. Outros têm tanto medo de tentar se conectar de novo que sentem ânsia só de pensar de passar o recreio em público, optando por lanchar sozinho trancado no box do banheiro da escola, confortável, protegido dos perigos do mundo afora, apenas acompanhado dos próprios pensamentos.
Eu quero me curar, eu quero sentir
Como se estivesse próximo de algo real
Eu quero encontrar algo que sempre quis
Algum lugar ao qual eu pertença
Somewhere I Belong – Linkin Park
Mas a verdade é que assim como a humanidade é inevitável em tudo que nos importa na vida, em maior ou menor grau, a dor também é um processo inevitável da humanidade. A perda de um amigo, o falecimento de um parente próximo, o fim de um relacionamento.
Há uma máxima budista que diz que “tudo no universo é impermanente”. A melhor das coisas, a pior delas. As esvoaçantes cinzas da cremação e o diamante que se fazem delas, em sua forma mais pura, o maior grau de dureza dentre todas as joias raras. Tudo é passageiro… menos quando não é. E quando essa dor persiste por anos? E quando a dor se esvai, e tudo que lhe resta é culpa? E quando você se apaixona por essa dor, passa a acreditar que é isso que te define, isso que te faz humano, e não se permite esquecer esse sentimento?
Em Cyberpunk 2077, Johnny Silverhand ensina à V que o “verdadeiro teste aos valores de um indivíduo é fazê-lo confrontar a morte, cara a cara”. Mas a perspectiva que ele talvez tenha se esquecido é que isso não se aplica apenas à “sua” morte: e a morte de alguém próximo? Um ente querido? Uma morte biológica, ou uma morte simbólica, como o fim de um laço? Como as nossas reações com o bem-estar de quem amamos também descreve quem somos como seres humanos?
Danço sozinha de novo, a chuva caindo
Apenas sua essência permanece a dançar comigo
Ninguém me mostrou como retribuir o amor que você me dá
Mamãe nunca me segurou, papai ama uma estranha mais que eu
Your Rain – Akira Yamaoka (Silent Hill 4)
A gangue de Dutch e as famílias que escolhemos
Atenção: essa seção possui spoilers sobre o twist final de RDR2; caso você não tenha jogado ainda, pode passar para a próxima seção! Passe rapidinho e de olhos fechados… até ver a foto do Big Boss.
Não há uma falta de mídias que estimule questionamentos sobre a importância da estabilidade e o impacto da família, do senso de pertencimento sobre a saúde das pessoas. A série The Walking Dead, os jogos de The Last of Us, Fullmetal Alchemist, Cyberpunk 2077, franquias como Yakuza: Like a Dragon, The Witcher, Metal Gear, o que mais for. Mas eu acredito que um dos mais importantes, para mim, foi Red Dead Redemption 2, a obra que particularmente germinou a ideia desse texto.
É uma obra seminal que explora o processo da redenção adquirida apenas nos momentos finais, o potencial transformativo ilustrado na existência de alguém que, em breve, já não terá nada mais a perder. Um protagonista hediondo que teve a vida completamente desestabilizada por conta de alguns socos e uns trocados de um fazendeiro qualquer.
Num instante, tudo que lhe convinha como sua própria percepção de realidade se desmorona por conta da doença fatal. Leopold Strauss, o agiota do clã van der Linde, é expulso pelas mãos de Arthur, e todo o império revolucionário que Dutch (supostamente) pretendia construir contra a civilização moderna se estilhaça como nada mais que uma ideação delirante de um charlatão psicopata.
Toda a vida de Arthur, sua família, suas crenças, as pessoas com quem lutou, caem mortas ou abandonam aquela comunidade uma a uma, até ele decidir reagir. E mesmo assim, independente da rota de honra que lhe apeteça ao longo de sua jornada, e independente do tamanho sofrimento que Arthur tenha passado, não houve por um único segundo o abalo da fé dele de que Dutch finalmente teria seus sentidos iluminados, revisitaria suas decisões e entenderia os erros cometidos, responsabilizando também o terrível Micah pelo fim da gangue.
Oh, Dutch… ele é um traidor. Você sabe, e eu também. Eu te dei tudo que eu tinha. Tudo…
Não é apenas sobre a construção espetacular da história até os momentos finais da vida de Arthur Morgan que decidi escrever esse texto, no entanto; é a forma como ele optou por lidar com o choque de realidade de que sua família estava cruzando um caminho sem volta, que o sonho da gangue era impossível e que todos estavam fadados a um destino terrível que me impactou.
Arthur contraditoriamente conquistou, nos meses finais de sua vida, a emancipação que precisava para começar o processo de reavaliar suas decisões de vida e então buscar a redenção. Tudo isso graças não apenas à doença, mas também graças à aceitação de que Dutch o tratava cada vez mais como um “estranho” no meio da família. Via suas sugestões como mesquinhas, conselhos como incompetentes, constantemente diminuindo-os em prol das palavras de Micah, um sádico corruptor que sistematicamente alimentava os delírios de grandeza de Dutch enquanto lucrava com o banho de sangue resultante.
É nessa excomunhão do status de “filho adotivo do líder”, a perda desse papel social de herdeiro do clã, que Arthur se depara com o que hoje compreendemos na antropologia como o propósito evolucionário da vergonha. O sentimento mais poderoso de todos em termos de instigar profundas mudanças comportamentais em um indivíduo. Quanto maior é a vergonha (a decepção, o isolamento), maior é a potência motivacional que surge para mudar – caso o sentimento não mergulhe o indivíduo em um profundo estado de catatonia e desespero, é claro. É na EVITAÇÃO da vergonha – ou, no caso de Arthur, o CONFRONTO direto contra ela – que delimita a diferença entre alguém que sofre de paralisia emocional ou que carrega consigo um poderosíssimo agente de emancipação comportamental.
Não é sábio aquele que nunca experimentou o ruim e confrontou o não-ideal, pois neste caso nunca se conquistou nada que lhe conferisse suas virtudes.
Heráclito…eu acho.
A história que vem depois, todos nós sabemos. As escolhas de Arthur, o futuro da família Marston e de outros amigos dele. Acredito que todos já viram a história da sequência, né.
A beleza que existe nesses momentos finais, na transição da campanha de Arthur e o epílogo de John, são uma alegoria espetacular para um conceito extremamente difícil de se agarrar na vida real, que é o fato de que nós eventualmente conseguimos poder o suficiente para viver sozinhos e, até mesmo, reconstruir uma nova família.
É um fenômeno espetacular (doloroso e exaustivo também) que algumas pessoas passam, principalmente ao amadurecer e conquistar alguma forma de independência social, emocional e financeira. É uma história muito comum em grupos LGBTQ+, por exemplo. É uma história que tive o prazer de escutar numa palestra da Gamescom Latam 2024, a história da Eduarda Duarte, fundadora da comunidade de Discord para mulheres ComfyPlace. É, por fim, uma história que tentei forjar com a nova era do Recanto do Dragão, também (Rosie, você é incrível).
A raiva que consome e nos distrai da redenção
Mas afinal, o que mais podemos tirar disso? Que é inevitável se decepcionar, mas que devemos escolher não viver com base nesse medo, pensando no quanto as pessoas podem eventualmente nos decepcionar (e serem decepcionadas por nós, também)? Que tudo vai dar certo eventualmente? Que o perdão é a uma ferramenta essencial na sustentação de laços humanos, mas que temos que tomar cuidado, pois ele também pode se tornar numa ferramenta subversiva e perigosa que alimenta relações de poder tóxicas e assimétricas? Lembre-se: “perdoar” é diferente de “esquecer”.
É inevitável que sonhos se destruam, valores mudem, comunidades se construam e se desfaçam na mesma velocidade. O que fazia sentido ontem pode não fazer sentido algum no dia de amanhã, e tudo que nos resta é fazer o que achamos certo, com o conhecimento extremamente limitado que possuímos no dia de hoje.
O turvo riacho que aprisiona o luto em um eterno estado de raiva, comparado ao processo final de “aceitação”, é uma enorme armadilha. Aceitar a perda, aceitar que erramos (ou que erraram conosco), é extremamente difícil, pois isso fundamentalmente elucida as maiores rachaduras que residem no castelo de vidro que é a identidade humana; a armadilha reside em como lidamos com a tortuosa caminhada de uma ponta pra outra desse processo.
A armadilha de transformar o “eu” ou o “outro” no “bom” e no “mal”, de se afundar no irresolvível discurso da moralidade humana. Irresolvível porque o conflito de crenças de que o “ser humano é inerentemente bom, e o mundo o corrompe”, ou que o “homem é o lobo do homem” são universalizações que efetivamente, na escala microscópica das relações individuais, não costumam fazer diferença. No fim das contas, a problemática reside mais na sincronia de valores, códigos morais e perspectivas de mundo entre as partes envolvidas do que necessariamente ser uma discussão no campo dos julgamentos de valor.
Assim como Paweł Sasko fala de Johnny Silverhand e a psicóloga Lori Gottlieb fala de seus pacientes no livro “Talvez você deva conversar com alguém”, TODOS (e eu repito, TODOS os humanos) somos o que se chama de “narradores não-confiáveis“. Todos nós temos nossos próprios jeitos de justificar nossos métodos, racionalizar nossas perspectivas e até mesmo camuflar nossos defeitos.
Isso molda nossa identidade – não boa, nem ruim, apenas “identidade” – algo que ditará quem somos, com quem andamos, e quem colaborará com a nossa jornada. “Nunca somos os vilões das nossas próprias histórias.” Mas isso não significa que não iremos nos tornar os vilões das histórias de outros, eventualmente.
Nós podemos contar aos outros sobre ter fé. Sobre o que acreditamos. O que achamos importante o suficiente para lutar. Não é sobre estar certo ou errado, mas sim quanta fé você tem nisso, que decide o futuro.
Solid Snake (Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty)
NOTA: Algumas coisas aqui podem não necessariamente se aplicar a casos específicos, como ditadores genocidas ou pessoas que cometeram crimes acima do “ordinário”. Delimitar isso não é o foco desse texto, de qualquer forma.
Vivendo o luto e seguindo em frente
Acredito que até aqui minha perspectiva sobre a vida humana foi elucidada: PRECISAMOS estar cercados de humanos (mesmo que poucos, mas que nós amamos); pessoas são imperfeitas e estarão eternamente errando e acertando em busca de algo maior, e isso é inevitável; que, para além da arte da redenção e do perdão, precisamos também saber deixar ir. E isso é muito mais difícil do que parece.
Você pode queimar fotos, apagar postagens, jogar fora roupas esquecidas, bloquear as músicas que te remetem à pessoa perdida, mas nunca verdadeiramente vai ser capaz de abandonar todas as memórias. A vida acontece, mas algumas experiências ficam. Sublimando ou não, elas serão parte de você para sempre.
Tentando tanto ser livre
Para fazer você ver o que eu vejo
Se agarre aos seus sonhos
Se você não conseguir se segurar em mim
Let You Down – Dawid Podsiadło (Cyberpunk: Edgerunners)
Como aprendemos a lidar com a existência após a perda? Como aprendemos a ser humanos de novo, depois do arrependimento, dessa frustração? Do “levantar da ponte” (falando em metáforas de Death Stranding)? Quem “merece” ou não o perdão? Perdoar é o que, sinônimo de “esquecer” ou de “reatar”? Como estabelecemos esse limite? fazendo uma interface entre a raiva e a razão? Será que eu devo engolir a seco o fato de que era “só uma pessoa passageira da minha vida, apenas uma de oito bilhões no mundo”?
A verdade é que, infelizmente, nada possui uma resposta. A marca que as pessoas deixam em nós não é algo que controlamos, assim como é muito difícil realmente controlar as emoções avassaladoras que vêm depois da perda.
Estima-se que até 135 pessoas podem ser acometidas com o luto após o suicídio de um conhecido.
Julie Cerel, pesquisadora da Univ. de Kentucky (link)
Mike Shinoda, em entrevista ao Zach Sang Show, falou que a sua experiência após a perda de Chester Bennington foi um turbilhão de imprevisibilidades: “os cinco estágios do luto não chegam numa ordem certa, e não acontecem de forma esperada. Você pode estar em negação por cinco minutos, bravo por trinta segundos […], e isso pode te surpreender do nada. Você pode, por exemplo, só estar dirigindo até um lugar e pensar ‘eu tô TÃO puto, porque fiquei tão bravo do nada?’ e só tempos depois parar e pensar ‘ah, entendi porque fiquei tão raivoso’.”
Hoje, o Linkin Park voltou à ativa com a nova vocalista Emily Armstrong, acolhidos por um oceano de elogios mas também confrontados com comentários desinformados, sexistas ou desrespeitosos sobre a nova formação, além de preocupações indicadas pela própria mãe e filho que acusam a banda de “tentar apagar o passado construído por Chester”.
Construir uma nova família pode ser um processo mágico e extremamente catártico, mas não há portas que se abrem sem fecharmos outras no processo.
Estou nadando na fumaça
Das pontes que queimei
Então não peça desculpas
Estou apenas perdendo o que não mereço
Burning in the Skies – Linkin Park
Vou encerrar com um relato pessoal.
Errar na vida, cometer pecados, decepcionar, machucar, faz parte. É uma dor absolutamente impossível de ser evitada, e eu digo isso com toda a certeza do mundo, como alguém que já machucou diversas pessoas, assim como também se sentiu traído por muitas.
Agora, se tem algo que aprendi com a vida, é que certos sentimentos não podem ser descritos com nenhuma palavra nesse mundo. Um desses é a oportunidade de aprender com os erros e de ser perdoado por aqueles que você ama, e quer manter por perto. Receber a oportunidade de mudar, ter alguém que aprecie sua redenção: isso é um privilégio imenso, talvez o maior entre seres humanos em suas sociedades, e é uma bênção que não deve ser desperdiçada.
Não me leve a mal. Todos os dias, eu sinto falta de muitas coisas. De experiências, de grupos que se desmancharam, de sonhos que se desfizeram. Não olhar para trás sem ter o coração partido é algo que eu, pessoalmente, ainda considero muito difícil de se fazer. Me perco nos rastros do passado, não me ancoro à realidade das coisas, preciso ativamente me relembrar do que realmente aconteceu e fazer um exercício ativo para não desprender e ficar flutuando em falsas memórias de um passado perfeito que se foi. A nostalgia faz parte de uma mentira, reminiscências de uma época que tecnicamente nunca existiu, por vezes fruto de uma percepção que ainda era imatura e fragilizada, do mundo e de nós mesmos.
Essa é uma mensagem final para todos e todas que já amei, que já considerei família e que já trilhamos parte da vida juntos. A todos com quem já falhei, que já causei decepção. Saiba que nunca vou ser capaz de inteiramente deixar de lembrar de vocês, e que sinto muito por tudo; espero que estejam liderando suas próprias jornadas de forma mais saudável e confortável que na época em que estávamos próximos. Mas uma pessoa só pode aguentar olhar para atrás e sentir culpa até ficar exausto de não fazer nada a respeito.
Redenção não através de se humilhar ou implorar por perdão, mas através da certeza de que agirá melhor no futuro, que dará o melhor para acompanhar as próximas pessoas com os quais seus caminhos se cruzarão.
Eu me sinto como o homem na história que viu um urso flutuando no rio e acreditou que era um casaco de pele. Doze anos atrás eu estava na margem do rio, saltei na água e peguei o casaco. O rio estava correndo em direção à cachoeira, e meu amigo ficou à margem do rio, gritando para que eu soltasse o casaco e nadasse de volta à terra. Eu largo o casaco, mas o casaco não me solta mais.
No Friend – Paramore