Like a Dragon Gaiden — existência ilegível | Análise

Like a Dragon Gaiden — existencia ilegivel Analise

Viver é sofrer. Se levarmos essa frase como uma verdade, eu digo com plena convicção que Kazuma Kiryu, o Dragão de Dojima, já viveu e vive até demais.

Like a Dragon Gaiden: The Man Who Erased His Name é um jogo lançado dia 8 de novembro de 2023 para Playstation 4/5, Xbox Series S|X, e PC.

Like a Dragon Gaiden

Nota: Esta analise irá discorrer sobre elementos narrativos e temáticos de toda a franquia Yakuza, e principalmente dos eventos que ocorreram em Yakuza 6: The Song of Life (2016).

Nota²: Caso seu interesse seja de começar a franquia por Like a Dragon: Gaiden, eu acredito que seja uma boa porta de entrada, mas provavelmente a pior delas para você começar. Este é o jogo mais auto derivativo dos eventos que ocorreram na história de Yakuza desde os quase 20 anos de franquia.

A Novela Yakuza

Aqui vivemos o maçante e monótono inferno das consequências das ações de Kazuma Kiryu. Se você jogou Yakuza 6 você sabe bem o que aconteceu, mas caso desconheça os ocorridos e/ou quem sabe você tenha começado a franquia só em Yakuza: Like a Dragon, o importante é saber que Kiryu, agora sob o codinome Joryu (isso pode soar ridículo mas eu ainda vou chegar lá) trabalha para uma importante família de políticos chamada Daidoji, vivendo sob um contrato desigual que ele paga com o resto de sua própria vida.

Seu cotidiano se baseia em viver em um templo, tentar aprender a meditação mas apenas ser capaz de revisitar ecos do seu passado mentalmente, e sair do templo apenas quando comandado a realizar pequenas operações. É justamente nesse momento em que ele pode surrar alguns trogloditas como ele sempre fez; não para proteger aqueles que ele ama e sim pra proteger pessoas importantes e ricas da sociedade japonesa.

Nessas oportunidades ele pode enfim fumar um cigarro e continuar o ciclo de lamento sobre o que sua própria vida se tornou. É surpreendente ver um jogo que começa de uma maneira tão… errada. não no sentido objetivo e relacionado com âmbitos estruturalíssimos de um vídeo game, mas de como o Kiryu se sente errado com sua própria vida.

Like a Dragon Gaiden

Fazia muito tempo desde que ele não era o protagonista de sua própria vida, com sua grande jornada encerrada lá em Yakuza 3 num senso otimista, como dono do Orfanato Sunflower e pai de todas as crianças de lá. Desde então Kazuma Kiryu foi se tornando um símbolo de herói mítico para outros personagens, como é o caso de Yakuza 4 e Yakuza 5. Ele obviamente tinha laços importantes e que amarravam todas aquelas histórias, mas tudo que ele deveria ter feito e passado em sua jornada, já havia acontecido.

Mas foi em Yakuza 6 que Kiryu foi obrigado a se encontrar como uma espécie de intervenção em relação aos eventos do que acontecia em torno de sua própria vida, como pai e como vô. Foi justamente nesse jogo que pontas foram amarradas; algumas com fios de cobre com solda de modo que ficassem impermeáveis e algumas outras com linhas de fio dental de um kit de escova de dente econômico três em um.

Like A Dragon: Gaiden volta justamente para tentar amarrar tais pontas e ressignificar outras. Apesar de Kiryu retornar a um protagonismo mais inerente de si mesmo (afinal, ele não tem mais elo com ninguém ou nada e todos consideram ele como alguém morto), é nessa ideia que somos transportados para um novo filme dessa vida, dirigido por outro diretor que busca algo diferente.

Sob o Codinome Joryu, nosso protagonista negligencia muitas de suas emoções e fundamentos ideológicos só para se manter como um espectador com a fantasia de ser um “não-eu”. São horas e horas de decisões e ações que qualquer um em sã consciência percebe que o Kiryu não seria capaz de ativamente aceitar, já o Joryu? Ele é capaz de tudo pela sua corporação.

Enquanto em outros jogos da franquia tudo acontecia de forma exponencial, uma capitulação hiper-estrutural que pouco a pouco construia o sentimento de amor, afeto, revolta e rancor entre os signos que se repetiam em cada jogo; aqui tudo isso é substituído por idas e voltas num mesmo espaço (Sotenbori) e que vai construindo espécies de relações monossilábicas e com abstenção total da emoção.

Sem Kamurocho e o Tojo Clan, é na Omi Alliance de Sotenbori que encontramos a identificação criminal da franquia, mas longe de serem retratados como indivíduos heroicos ou empáticos, todos os yakuzas deste jogo carregam suas próprias ideologias e com fundamentos que podem ser considerados maliciosos. Mesmo o Kiryu entra nessa matemática. Nessa história não existem caras legais ou princesas sequestradas para o Kiryu salvar.

Leia também: Rhapsody II — dialogando com sombras | Análise

Aqui é uma missão, uma decisão, não existe uma fagulha de esperança e tão pouco a ideia de resolver todos os nossos problemas na verbalidade do soco. Chega a ser desesperador imaginar a vida inteira baseada por uma decisão contratual.

A decisão de manter a identidade e de se afirmar como Joryu, independente do quão ridículo possa aparentar (como é o caso na maneira que o protagonista é reconhecido por amigos e inimigos), transpõe o desespero e a necessidade da reafirmação da mentira que Kiryu deve carregar pro resto de sua vida intrínseca às suas próprias decisões e falhas.

Talvez esse seja o jogo mais celebrativo da saga do Kazuma Kiryu na franquia principal, mesmo com todo esse clima pesado que a campanha carrega. Signos do cotidiano e das casualidades da vida de Kiryu percorrem o mapa de Sotenbori, carrinhos de autorama, personagens secundários de substories do passado e até pequenas homenagens e referencias; todas com um tom que angustia o coração mesmo com as boas memórias…

Pensar nos amigos que fizemos ao longo de uma jornada de quase 20 anos de franquia e pensar que estamos envelhecendo, morrendo. Pensar que o Kiryu está envelhecendo e… morrendo.

Quem sabe nunca mais encontremos algumas das pessoas que fizeram parte da nossa vida. O que nos resta é lembrar, mesmo que seja só algo que um alguém especial olhou em nossos olhos e disse. Em Yakuza 6 nossos objetivos primários e secundários giravam em torno das relações cíclicas de famílias e da propria natureza do envelhecer. Em Like A Dragon Gaiden se dispõem de um sentimento de que “a vida continua, mas…”.

Não é atoa o jogo e seu marketing ter aderido à estética de Salary Man Japonês. Apesar do Joryu não passar o dia em um computador dentro de uma firma, o sua atual obrigação e angústia se configura na lamúria existencial de uma pessoa de meia idade presa no ciclo opressor do mercado de trabalho.

Vivendo uma vidinha medíocre, assistindo o tempo passar, apenas lembrando e relembrando seus próprios erros, sem chance alguma de revidar. Como é possível enfrentar o próprio sistema que estamos inseridos? Talvez seja melhor se preocupar em sobreviver o dia de amanhã…

Quando Like A Dragon Gaiden foi anunciado, junto de Like a Dragon Infinite Wealth, um levante de fãs revoltados com a volta de Kiryu surgiu, considerando tal feito como falta de criatividade do Ryu Ga Gotoku Studios, que poderia estar sofrendo da ideia de continuar na zona de conforto depois da saída do ex-diretor da franquia Toshihiro Nagoshi. Honestamente eu não sou capaz de advogar sobre essas decisões, afinal, tudo isso só vai ser completamente esclarecido e essa história só vai realmente vai se completar no lançamento de Like a Dragon: Infinite Wealth em Janeiro de 2024.

O Mundinho Yakuza

Em questão de polimentos de jogabilidade e conteudismo, este jogo está uma joia! Você pode perder seu tempo com a ilustre presença de um porte magnifico de Daytona USA 2 (apelidado de Sega Classic Racing 2), o poderosíssimo Sonic The Fighters, diversos jogos de Master System, mais de 20 gigas de diálogos um pouquinho desconfortáveis com trabalhadoras de cabaré falando com você (mas que na verdade estão conversando com uma câmera e com uma Ring Light muito forte no olho delas), um modo arena MASSIVO com dezenas e dezenas de lutas e reaparições de personagens clássicos da franquia, roupas para o Kiryu vestir e, claro, a volta do autorama.

Uma gameplay lapidada ao extremo depois de todo o amadurecimento da Dragon Engine, com a presença de duas stances que mudam a sua forma de expressar através da violência. Podendo partir da brutalidade simples mas eficaz dos punhos e chutes do Dragão de Dojima, ou os gadgets doidos de espião do Agente Joryu; drones, sapatos foguetes, uma cordinha invisível e até um cigarro que explode.

Like a Dragon Gaiden

É um tanto aterrorizante a ideia de que esse jogo foi feito em seis meses, uma formula que foi lapidada ao decorrer de duas décadas é capaz de simplesmente entregar um jogo de uma excelência de forma quase que automatizada. Isso é bom.. até certo ponto.

Essa não é uma critica ao jogo como produto mas sim com o potencial futuro. Sim, eu amo jogos da franquia Yakuza (agora Like a Dragon…), mas eles precisam de tempo e criatividade para não permanecerem na mesmice. No caso de Like a Dragon: Gaiden, isso funcionou já que a carência de um novo capitulo da vida do Kiryu era de extrema importância para o futuro da franquia, mas cobrar 50 dólares/250 reais nessas experiencias não parece uma oferta acolhedora, principalmente considerando que o estúdio está lançando três jogos gigantes em um período de um ano.

Talvez essa seja a última grande jornada pessoal do Kiryu, talvez não, se nas minhas funções lógicas eu penso que é necessário parar de uma vez por todas e deixa-lo descansar, meu coração deseja que essa jornada seja prolífica e infinita…

Like a Dragon Gaiden Joryu

Uma cópia gratuita de Like a Dragon Gaiden: The Man Who Erased His Name foi concedida pela SEGA/Theogames para análise no Recanto do Dragão.