Minha nossa, que sensação refrescante… Não, não a sensação de nadar num poço de magma submundano, mas a sensação de experimentar um shooter com uma premissa simples, mas que entrega muito bem o que promete. Metal: Hellsinger é mais que um mero boomer-shooter rítmico: ele é perfeito, um metal raro forjado do calor do Inferno.
Não me leve a mal, mas a premissa é realmente muito simples de se compreender: conforme descrito por David Goldfarb, roteirista de Battlefield 3 e BC2 e ex-diretor de Payday 2 (até abrir seu estúdio em 2014), a ideia veio quando o diretor criativo do estúdio The Outsiders estava jogando DOOM 2016 pela primeira vez…
“Olha só, talvez seria interessante se alguém fizesse (um shooter) em que você atira com o ritmo (da música)…“
E assim, três anos depois, o conceito desse belíssimo jogo nasceu. Uma espécie de “álbum de metal jogável“, ou “um filho de Rock Band com DOOM“, dentre outras descrições, resumem perfeitamente a criança metaleira demoníaca que viria a se tornar Metal: Hellsinger em 2022.
Mal sabiam os devs do The Outsiders que conseguiriam eventualmente fazer uma mega colaboração unindo ícones de bandas como Jinjer, Trivium, Lamb of God, Refused, Arch Enemy e – pasmem – Serj Tankian, o lendário vocalista de System of a Down, num processo surpreendente que “aconteceu por acaso e foi virando uma bola de neve”, de acordo com o próprio Goldfarb. Isso sem contar no show organizado por eles na Gamescom 2022.
Se eles conseguiram me satisfazer? Bom, digamos que eu nunca me senti obrigado a ficar fazendo headbang pra conseguir me manter no ritmo do combate de qualquer outro jogo na vida (e isso é algo absolutamente necessário – você não consegue nem executar inimigos se errar o timing). Então sim, eles conseguiram, e a experiência é literalmente sem igual.
Um coração pulsante
Não é a toa que o estúdio optou por focar ao máximo em moldar TODOS OS ELEMENTOS do jogo para girarem em torno da trilha sonora, um raro fenômeno dos games que chamamos de “consonância ludonarrativa” (big word, eu sei); ou seja, temos desde efeitos sonoros de discos de vinil nos menus até elementos de cenário – como cristais explosivos e tochas – que ficam pulsando no ritmo da trilha sonora da missão atual.
Para complementar com uma narrativa que combine ainda mais com o cenário, a protagonista que controlamos faz parte de uma profecia, e é conhecida como a “Vocalista do Inferno“… isso até ter sua voz selada pela Juíza Vermelha, quando esta tomou o trono do submundo.
O ato de sua libertação, a sua busca por vingança, a sede por sangue e o comportamento silencioso, mas brutal é uma homenagem e um twist extremamente óbvio ao arquétipo do Doom Slayer, o protagonista marinheiro que foi similarmente selado num sarcófago demoníaco por anos até ser libertado no início de DOOM 2016.
Acompanhada dela temos o crânio Paz, que funciona como um narrador e um livro de sabedoria do Inferno, similar ao papel de Hoji nos reboots de Shadow Warrior (mas com uns 3% daquele humor ofensivo e, honestamente, insuportável dele). A propósito, curiosidade: sabe quem é o dublador por trás desse crânio? Pois é, Troy Baker, a estrela que já atuou como Joel (The Last of Us), Drake (Uncharted), Revolver Ocelot (MGSV), etc. Impossível não reconhecer essa voz de primeira… mas quem diria, hein?
Enfim, as semelhanças com outros shooters populares da indústria não param por aqui, com um sistema de desafios e runas muito similar aos de DOOM 2016 (aqui chamados de Tormentos e Símbolos), além do sistema de música dinâmica baseada em rankings e pontuações à la Devil May Cry 5, e por aí vai.
Metal: Hellsinger se leva a sério e se entrega dentro de um pacote completo e equilibrado, onde tudo – a trilha sonora, o design da protagonista e dos demônios, o combate, até mesmo as fontes usadas nas caixas de textos dos menus – se casa perfeitamente para entregar uma experiência consistente, imersiva e engajante.
Uma experiência incrível, mas comedida
Antes de mais nada, espero já ter deixado claro que esse jogo me parece ser uma grande obra de paixão por parte dos integrantes do estúdio, um jogo que eu honestamente já considero indispensável para fãs de jogos de tiro e bandas de metal. Mas, afinal de contas, isso significa que não há problemas ou pontos pra melhorar?
A resposta é óbvia: não, porque nenhum jogo é perfeito. Dito isso, vou discorrer sobre alguns pequenos detalhes que me desagradaram, na esperança de que você já tenha comprado o jogo de qualquer forma – deixo claro que nenhum desses pontos negativos comprometem significativamente a experiência do jogador médio.
O primeiro grande problema é o sistema de dificuldades extremamente simplista: as três dificuldades disponíveis – Cordeiro, Bode e Besta – mudam principalmente a precisão com que você precisa disparar e desviar dentro do tempo das músicas, além de lhe conceder vidas extras caso você morra no meio de um dos capítulos (não te forçando a recomeçar a missão).
É um jeito interessante e leve de se lidar com a dificuldade, ainda mais considerando a consonância ludonarrativa que vimos ali em cima (considerando que você é uma vocalista que luta em sincronia com o ritmo do Inferno e tal, bem criativo), mas acaba sendo um pouco simples demais, deixando a rejogabilidade do título bem pobre.
Já outro problema, dessa vez um pouco mais alarmante, é a má otimização de performance do jogo, particularmente por conta do excesso de efeitos visuais (como demônios ou objetos se estilhaçando em centenas de pedaços), o que podem causar uma sobrecarga esquisita e deixam a experiência, que já é intensa, com uma estabilidade meio imprevisível durante os combates.
Outra coisa que preciso parabenizar ao estúdio, mas também comunicar aos jogadores, é o fato de que os textos estão disponíveis em português-brasileiro, o que é incrível para a nossa comunidade… mas há uma grande parte das descrições de runas e textos do Códice que vão de seleções de palavras erradas a traduções completamente erradas, o que honestamente me deixou extremamente confuso, eventualmente mudando pro inglês temporariamente até decorar o que cada habilidade realmente fazia.
Por fim, e provavelmente o ponto mais importante de todos, é que o jogo ainda peca com o balanceamento de alguns inimigos específicos. O Câmbion e o Beemote Reforçado, por exemplo, possuem uma quantidade simplesmente absurda de vida, e as suas meras presenças resilientes alteram completamente o equilíbrio do campo de batalha por conta da quantidade massiva de tempo e recursos que precisam ser alocados a matá-los, isso sem contar no enorme risco que o jogador passa de ser aniquilado com as distrações.
Outros problemas, como os ataques dos Beemotes e dos Perseguidores (inspirados nos Prowlers de DOOM Eternal), acabam sendo tão frequentes, precisos ou expansivos que se torna confuso e quase impossível de prever as suas trajetórias sem tomar dano, o que os torna em inimigos de presença não necessariamente perigosa ou tática, mas meramente irritantes de se lidar por serem tão descomunalmente poderosos em comparação com o resto.
Se nenhum desses pontos te assustou, é porque não deveriam mesmo. Todas essas coisas são extremamente pequenas, elementos que facilmente podem ser corrigidos em menos de um mês com patches, e aprimorados ainda mais em um futuro Metal: Hellsinger 2 (que cá entre nós, por tudo que é amado por Deus e o Diabo, já sabemos que existe e vai ser feito).
O estúdio, que manteve o projeto em uma escala confortável para ser desenvolvido, claramente ainda tem planos futuros ao jogo, anuciando por exemplo o futuro lançamento de uma ferramenta para modificar e introduzir suas próprias músicas ao jogo, algo que certamente vai elevar bastante o seu valor e, principalmente, ter um grande potencial importantíssimo pra qualquer coisa na internet moderna: o potencial de viralizar com memes.
Conclusão: não ouço o canto da sereia, mas certamente fui encantado
Metal: Hellsinger é um jogo bem curto, um projeto honesto e ambicioso do estúdio indie fundado por Goldfarb, mas continua certamente sendo uma estrela brilhante que queima como o Sol e merece um pequeno espacinho na sua biblioteca de jogos.
O jogo é um twist frenético na estrutura básica dos boomer-shooters, o gênero nostálgico que viu um forte movimento de ressurgência nesses últimos anos, mas acaba se destacando com uma trilha sonora pra lá de especial e uma fusão com o conceito rítmico que praticamente não foi explorado pelos shooters até hoje.
Apesar de ser uma experiência curta, é preciso dizer que se você não conhece pelo menos metade das bandas presentes na trilha sonora desse jogo, ele pode servir como uma espetacular porta de entrada para você no universo do Metal, além de servirem 10 boas horas de entretenimento pra todo mundo. Já pra mim, resta aguardar pacientemente pelos novos conteúdos!
Uma cópia gratuita de Metal: Hellsinger para PC foi concedida pela Funcom para análise no Recanto do Dragão.