Clamores utópicos munidos de canticos em Esperanto ressaltam os desejos de união que Metaphor Re:Fantazio busca como a realidade de seu mundo. Entre o sangue e o impudor, a opressão e o resssentimento; é meio dificil não compreendê-lo como uma obra que, na sua textualidade, está afogada em engenhos políticos. Mesmo debates formam uma mecânica íntegra na sua jogatina; mas afinal, qual é a grande metáfora desta fantasia?
Metaphor: ReFantazio chega ao mundo entre os principais lançamentos do ano de 2024 em nome de uma Atlus que já não é mais a mesma do que já foi em décadas atrás. Uma Atlus com renome internacional. Uma Atlus que é sucesso de crítica no mundo todo. Uma Atlus que lança seus principais jogos em nossa língua nativa.
No ano de 2017, ainda travado como um exclusivo PlayStation, Persona 5 ganhou um caráter quase messiânico como o videogame que REVIVEU o J-RPG. Eu não quero entrar no mérito do quão real é essa frase, você já sabe qual é a resposta.
Travar essa cronologia a apenas esse momento seria plenamente injusto. Afinal, de pouco em pouco a galinha chamada de franquia Persona foi enchendo o papo. Talvez o pico deste momento foi quando finalmente os jogos da franquia chegaram para outras plataformas como Steam, Xbox Game Pass e Nintendo Switch.
Até que enfim chegamos no momento que Persona é Pop. Para além de uma franquia que algumas pessoas esquisitas gostam, se tornou uma franquia que MUITAS pessoas gostam. O tempo passa e as principais cabeças de tal franquia decidem brincar com algo novo.
Katsura Hashino, Shoji Meguro, Shigenori Soejima, entre outros membros do P-Team (até então estúdio de Persona) recebem o aval da Atlus de começar o Projeto Re:Fantasy em nome do estúdio Zero. Sobre as palavras de Hashino, é um projeto proveniente da necessidade de contar “mais uma” história de fantasia tradicional, e de fato isso se aparentou na distribuição das primeiras artes conceituais. Mas claro, não foi tão simples assim.
Metaphor: ReFantazio é um RPG de turno desenvolvido pelo Studio Zero e publicado pela Atlus/Sega no dia 11 de Outubro de 2024. O jogo foi lançado para PC, PlayStation 4/5 e Xbox Series. Metaphor: ReFantazio Não é um jogo de fantasia; não um convencional ao menos.
No Reino de Euchronia, o Rei Hythlodaeus V é assassinado pelo General Militar Louis Guiabern. Esse é um fato público e já entendido pelo povo da região, e é no contexto da não-existência de um herdeiro sanguíneo que um terreno se fertiliza para a promoção do próprio regicida como aquele que deve sentar no trono do reino. Fato este apoiado pelo próprio povo que há muito tempo se ressentiu com as ações covardes de um rei que se absteve, ao decorrer que a igreja fez o que bem quis com o poder e os recursos da realeza.
É nesse contexto que uma resistência que trabalha em nome do falecido rei e do não-tão-falecido príncipe entra em cena. O protagonista e sua fiel companheira, a fadinha Gallica, são enviados a uma missão que os envolve nessa grande ópera de tramoias politicas. Claro que acontecem muitas e muitas coisas e em determinado momento, você se vê obrigado a adentrar uma corrida presidencial onde o vencedor deste conceito plenamente abstrato de “democracia” neste mundinho enfim se torna uma realidade para se seguir.
Quem vai vencer estas eleições? Aquele com ideais humanitários de igualdade social ou o lider fascista militar que promete o extermínio dos mais fracos? Haha eu adoro a ficção!
A atitude de se jogar Metaphor está muito ligada com aquele incentivo hiperativo do stealth de Persona 5 mas em voltagens e frequências ainda maiores. Você pode atacar seus inimigos antes de enfrentá-los para começar com uma boa vantagem de dano, mas pra além disto é possível derrotá-los sem sequer batalhar em turno contra eles, caso seu nível seja razoavelmente superior.
Se você ama grind em jogos de turno, eu preciso te avisar que a forma mais eficiente é matar mobs no modo de action mesmo, então é uma experiência menos pacífica e mais ativa pra se realizar.
Isso compele a uma exploração tremendamente ativa e utilitária a depender da forma que você lida com o grinding. Minha sugestão? Grind em pequenas porções para não se frustrar com o seu nível de poder, ou sei lá, suba a dificuldade!
O clássico sistema de demônios da franquia da nova encarnação da Deusa (Shin Megami Tensei) é substituído por algo novo (e velho), reencontramos um sistema de jobs denominados como Arquétipos de um jeito bem conveniente com quem já conhece alguma das estruturas que fundamentam muitos RPGs, mas simples e receptivo para novos jogadores.
Talvez não tão simples quando você estiver no final do jogo e decidir upar aquelas classes especifícas e perceber que existe uma bola de neve onde alguma(s) dezenas de classes que você nunca usufruiu ao decorrer do jogo naquele personagem e sim em outro vão ser necessários para bem… chegar lá! Acho que são os ossos do ofício.
Todas essas pequenas coisas transformam e renovam muito da experiência que você poderia esperar dentro de um videogame que se baseia em muito dos aprendizados e criações estruturalistas em que Persona 5 se regeu, e a partir disto eu já peço desculpas; mas minha essência me obriga a permear minha análise com comparações, críticas e comentários que estão de alguma forma ligadas com a criação anterior.
Eu não posso fazer nada, Metaphor:ReFantazio é SIM Persona 6! Brincadeira, não é não. Mas meio que é! A gente vai trabalhar isso. Por razão disto, os erros de seu antepassado amaldiçoam cada passo certo que Metaphor pisa, ensaiando uma dança com a sincronia corrompida por determinações na sua própria base. Uma corrida contra a inevitabilidade.
Aliás, seus grandes inimigos além de goblins e fascistas são monstrinhos também denominados como “humanos”. Sim. Olha esse humano!
Um dos sentimentos mais interessantes que senti ao decorrer das minhas 80 horas de Metaphor Re:Fantazio foi essa grande road trip continental em um mundinho de fantasia, o que é de certa forma engraçada em design. Diferente do que você possa idealizar como road trip, Metaphor Refantazio não é mundo aberto, muito pelo contrário.
É um jogo segmentado em cidades-lobby, dungeons e lugares que são apenas e unicamente imagens de png, com a única serventia de atribuir-se em diálogos especiais, coletáveis e a compra de itens limitados. A travessia de mundo se estrutura sobre os passos do seu Trotoador encouraçado, um veículo com pernas e asas bizarro que se teletransporta e que te leva de lá para cá.
O sentimento que se perpetua é de justamente conhecer e reconhecer a vastidão cultural que esse mundo carrega. Cada povo, cada lugar, cada coisinha e mesmo como as culturas e desigualdades percorrem em cada um destes espaços. Por incrível que pareça, minha comparação ideal com a forma que isso é aplicado neste videogame não é com Final Fantasy XV e tampouco com o filme Road Trip — Caindo na Estrada dos anos 2000.
Metaphor ReFantazio me traz sentimentos que remetem a minha leitura dos clássicos quadrinhos de Lanterna Verde e Arqueiro Verde dos anos 1970. Uma jornada em quadrinhos entre um milionário socialista que busca lutar em nome de seus ideais unido de um ex-militar e agora policial espacial que enxerga todo o seu mundo como algo preto e branco.
Uma obra que existiu diante do movimento hippie e todo o contexto de discussão politica que ocorria enquanto os Estados Unidos da América trocava farpas com a URSS e perdia uma guerra contra camponeses vietnamitas. As histórias se tratam de uma grande viagem ao redor do Estados Unidos onde ambos heróis enxergam melhor o mundo em que vivem e lutam.
Claro que aqui não temos super-heróis que se vestem de colante verde, no máximo uma personagem na party que por algum motivo usa uma calça legging verde. Mas os ideais estão aí, principalmente quando se coloca o movimento estético que Metaphor tanto usufrui.
Além dos tecidos e estéticas de roupas de grife, se perpertua como inspiração a moda dos anos setenta. Participam da nossa jornada uma série de personagens que utilizam peças, cortes de cabelos e estilos provenientes daquele momento histórico e eu posso colocar o meu nariz para dizer que mesmo a mensagem ideológica que os escritores gostariam de clamar está nesse tal momento da história. O clamor por uma paz em meio à desgraça.
Um jogo de videogame muito moldado no movimento contracultural Hippie dos anos 70. Talvez um dos últimos respiros de socialismo utópico na história recente da humanidade. É essencialmente esse o sentimento que Metaphor deseja se apropriar, mesmo em suas intrigas políticas medievas de traições, esquematizações de assassinatos e tudo que uma história de fantasia moderna deseja trazer para o público adulto.
A mensagem que Metaphor: ReFantazio destaca fica clara com seus furries hippies e coisas do gênero. O alicerce temático tá pra além de só de uma estética oca, diferentemente do que Persona 5 se apropria.
Um jogo que, por essência, se fundamenta em ideias liberais e de individualização dos processos da humanidade pra dizer que adultos são malvados… por que sim! Ou as vezes por culpa de algum deus ou coisa do genêro. Videogame entendido por algumas centenas de pessoas como manifesto digital do Karl Marx. Eu já vi movimentos estudantis que se proclamavam comunistas usufruindo das ideias de cartinhas e visuais de Persona 5 pra passar sua visão.
Faço essa comparação não para diminuir Persona 5 (um videogame que eu gosto) mas apenas para deixar claro as visões de mundo repassadas em nome de seus criadores.
Metaphor: ReFantazio consegue ser extremamente crítico à religião e ao poder tanto da igreja quanto da política, mas anda em uma corda bamba ideológica quando o assunto é adentrar em reações de cunho extremista. Enquanto na história principal os protagonistas estão doentes e sedentos de assassinar oponentes de outras lideranças políticas, as histórias secundárias irão relatar e demonstrar a você que é melhor não roubar dos ricos, pois eles são muito legais, ou que a vingança nunca é plena…
Para além de personagens vestidos tal qual Beatniks, a mensagem de paz e amor não reverbera tão bem para quem já viveu a desgraça e opressão secular carregada em nome de países ocidentais. A paz e o amor, aqui representada de forma tão idealizada, só fere aqueles que apenas conseguiram chegar a pisar em nosso mundo graças à destruição e violação mental e corpórea. Os descendentes dos colonizados e colonizadores.
As visões e percepções politicas de Metaphor: Refantazio são extremamente claras, e elas me surpreendem. É mais bem posicionado do que muitos jogos “políticos”; mesmo que eu não necessariamente concorde com seus posicionamentos por completo.
Claro que ao pesquisar sobre o jogo, eu me deparei com comparações um tanto bizarras com os ideais que o jogo esfrega na sua cara. Alguém chegou a criar a simbologia entre o vilão militar méritocrata com o atual presidente da república “O Vilão (Louis Inácio)”.
Metaphor é sobre uma visão auto-declarada utopista, conjuntos de ideais que mantém um nariz empinado em prol de uma necessidade de aristocracia por trás de seu viés igualitário. A dicotomia por trás do protagonista e antagonista se mostra clara neste contexto. Louis Guiabern fomenta ideais de igualdade através da transgressão física e individual. Uma ruptura plena no sistema, mas que claramente vai favorecê-lo na grande ideia de seu mundo.
Protagonizamos um personagem que busca, atrás de uma intra-reparação no sistema politico, trazer equidade e favorecer aqueles que sofrem preconceito e são jogados à sarjeta da realidade… ainda que colaborando em prol de algumas das estruturas milenares estabelecidas no mundo de Metaphor.
Fica claro que Metaphor Re:Fantazio acredita que a solução de tais desigualdades é uma luta constante e geracional sobre o que é constitucional e democrático. Fica claro que Metaphor está dentro da Social Democracia como seu modus operandi.
Liberdade para pensar o que quiser, inclusive se declarar e posicionar contra tal governo. Igualdade para todos. Metaphor Re:Fantazio é de fato uma obra socialista, mas tão liberal quanto crítica à suas próprias ideais. Isso não me surpreende.
Mas talvez surpreenda você que agiu com a inocência de pensar que Persona 5 em algum momento carregou ideais minimamente de esquerda nas suas reparações individuais de seres humanos adultos e malvados corrompidos por uma espécie de noção de inconsciência (e um pouquinho de deus) e não por suas próprias atitudes.
Essas mesmas incógnitas idealistas se destacam em um jogo como Metaphor que, ao decorrer de quase 100 horas, irá se esquecer do principal foco daquilo que você faz e te colocar no micro e macro conspirações políticas de agentes duplos, triplos e besteiras baseadas na necessidade de interações que remetem àqueles animes de temporada contemporâneos.
Ao menos seus escritores se esqueceram de escrever a clássica cena extremamente preconceituosa de uns cinco minutos que protagonizam momentos emblemáticos em tudo que o P-Team tocou por um bom tempo!
Vivemos em um momento chave e potencial para o futuro do que entendemos como é ser humano, a mídia faz parte disto. Propagandas ao redor do que seus criadores e produtores entendem como ideais a se propagar. Metaphor é plenamente a propagação de ideais de seus criadores e, mesmo não me associando plenamente a tais, foi uma experiência que compeliu meu coração e conseguiu me capturar depois de algumas dezenas de horas um tanto tediosas. Isso é um mérito que eu parabenizo.
Existe um magnetismo em Metaphor que o transforma em um clássico instantâneo nos jogos contemporâneos — uma celebração à muitas coisas, principalmente a ideia do ser humano e sua própria história. Reminiscências daquilo que passou e que passaremos. Tudo comprimido e criptografado em um software de caráter interativo e que alguns podem até considerar como obra de arte.
Durante toda a sua jornada, o protagonista de Metaphor lê um livro. O mesmo livro que inspira os ideais de seu rival político. Neste livro, uma terra regida por seu povo permite a liberdade e esperança de cada um. Onde o propósito da sociedade é a defesa do cidadão e se apresenta por seu próprio povo. Uma realidade onde uma língua une a todos num grande coro.
Nesta utopia, um mundo muito parecido com o nosso é memorado como uma ficção de passado distante. Para não dizer muito, mesmo ao final de Metaphor Re:Fantazio, uma decepção se aflora nos ideais que lutamos ao decorrer do jogo. Mas se a liberdade não é o suficiente, qual é o próximo passo?