Natsu-Mon: 20th Century Summer Kid — pesadelos do circo | Análise

Natsu-Mon: 20th Century Summer Kid —  pesadelos do circo

Estrutura. Na minha perspectiva, é a coisa mais importante em um videogame. Você pode fazer seu jogo ter os aspectos que constituem um videogame da forma mais solta, distoante e inusitada possível. Mas, se você consegue criar um loop envolvente e que cative de alguma forma o jogador, é mais do que o suficiente.

Com toda certeza pode ocorrer o contrário. Faça um jogo lindo e maravilhoso, se esqueça de mensurar as pilastras que fundamentam seu videogame e um destino cruel baterá em sua porta. Natsu-Mon é quase que perfeito conceitualmente. A forma que se lida entre elementos mecânicos e narrativos é o melhor que se poderia esperar em um jogo com essas ideias. Mas apenas por razão de como ele lida com sua estrutura cotidiana, todos os seus pilares caem num aterro de descontamento e decepção.

Natsu-Mon: 20th Century Summer Kid é um jogo publicado pela Spike ChunSoft e desenvolvido pela Millennium Kitchen (responsável pela franquia Boku no Natsuyasumi, Attack of the Friday Monsters! e mais recentemente os jogos do Shin-Chan). Natsu-Mon foi Lançado em inglês em 6 de agosto de 2024 para Nintendo Switch e PC.

Natsu-Mon análise

A começo de conversa, eu estive preocupado em soar nesse texto como o arquétipo da “pessoa que acabou de entrar em um nicho devido a uma obra específica e exige que tudo seja tal qual ela” por razão de ter finalizado recentemente Boku no Natsuyasumi 2 de Playstation 2 (com a excelente localização do Hilltop), mas eu nem acho que esse seja o caso!

Natsu-Mon é uma coisa própria da cabeça aos pés e é só quando ele tenta se derivar das estruturas clássicas de um Boku no Natsuyasumi que ele se torna uma experiência insuportável. Vamos do começo. Neste videogame controlamos Satoru (ou o nome que você quiser) em uma cidadezinha rural do interior do Japão. O motivo de sua estadia é que ele é uma criança de circo, portanto, cruzar o mundo é uma obrigação profissional de sua família.

Esse não é um tropo de história novo, mas até hoje é uma história real. Certa vez na minha universidade, uma garota de uns 14–15 anos, filha de profissionais itinerantes do circo, foi acometida por uma pergunta de um dos estudantes do curso de jornalismo. 

“Como você consegue fazer e manter as suas amizades?”

A garota respondeu naturalmente:

“Eu não consigo, eu não tenho amigos.”

Não com um pesar, ressentimento, rancor e sim como a natureza do fluir de um rio. Não sentimos falta daquilo que nunca tivemos. Nem é palpável materializar algo que não existe em nosso alcance como seres humanos. Quando essa história me foi relatada, eu sorri. Não tinha muito o que sentir além da ironia da vida. O que essa experiência acometerá na vida da garota? só o tempo dirá. 

Portanto, talvez seja de suma importância Satoru aproveitar esses trinta e um dias de férias de verão com a maior força de vontade possível. Como jogador realizamos isso, fazemos amizades, coletamos insetos, pescamos, atiramos em coisas com uma arma que atira… nozes; escalamos montanhas, usamos um paraglider. Sim. É um jogo apropriado da estrutura de Breath of the Wild.

Um jogo sobre ser uma criança é sequestrado por estruturas de um jogo de RPG massivo de trocentas horas e com meia década de desenvolvimento baseado em explorar um mundo grandioso e cheio de segredos. Eu preciso admitir que o mundo de Natsu-Mon não é nenhuma dessas duas coisas e isso muda tudo. Essa forma de se lidar como videogames gera consequências irreparáveis na sua… estrutura.

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Além de uma lista de missões bem definidas entre as reuniões da sua ganguezinha e objetivos secundários que te auxiliam com selos para acumular maior fôlego na exploração, isso é acompanhado de um mapa pequeno para cumprir tal propósito do mundo aberto. Certamente em um dia do jogo você consegue basicamente rodá-lo em círculos ao menos umas três vezes. Não bastasse isso, boa parte dos locais e interações estão travadas perante aos dias de seu calendário. Mesmo o diferencial deste videogame, que é o gerenciamento de circo, se encontra bloqueado até a metade de sua duração

Artes sensiveis e contemplativas para seu baralho!

O que sobra? Rodar em círculos até desbloquear tudo… o problema é que um dia em Natsu-Mon está longe de ser curto e a depender da sua decisão de avançar do tempo (presente no menu) vai de (no mínimo) 30 à 60 minutos. Um jogo destes é feito para se jogar em pílulas, um dia de cada vez, o problema é que, mesmo em jogatinas pausadas, tudo que você realiza parece sem sentido, ilógico, não funcional e cada dia mais maçante.

É então que suas pequenas férias de verão se tornam um inferno pessoal e isso é a coisa mais triste que eu poderia dizer de Natsu-Mon. A arte de hyogonosuke (artista de cartas de Pokémon Trading Card Game) é simplesmente espetacular e envolve o jogo em uma estética para além da sombra de seus antecessores — mesmo que acabe flertando em seus designs para um teor mais “infantil” e hiperbólico. Isso não deveria ser um problema.

Infelizmente Natsu-mon, na maior parte do tempo, se abdica de ser uma experiência que traz a perspectiva de um adulto sobre as memórias inesquecíveis da infância. A maior parte das coisas de fato aparenta ser representada como um simulador de “criança tonta”. Por razão disso, existe uma falta de tato em seu modo de expressar perspectiva e mesmos os choques culturais.

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Adultos embriagados, apaixonados e rejeitados ressoam uma conversa com aquele que joga, mas parece que para por aí? Ao mesmo tempo, isso não é brincar de ser criança. Eu não acho que a infância de alguém foi baseada nas ramificações de Breath of the Wild, assim como acredito que a infância de Shigeru Miyamoto não era sobrevoar sua cidade natal de Paraglider e coletar 800 bostas de Kuroks. Gamificação da infância não era um prato que eu esperava receber nesse videogame.

Não, eu não acredito que aquilo que vá deixar seu videogame de ser criança melhor é uma arma, independente do que ela atire. Isso não vai me causar contentamento! E de pouco em pouco, aquele sentimento familiar vai indo embora, o gosto vai ficando amargo e você se torna uma máquina que tem como única eficiência girar a engrenagem do videogame e repetir as mesmas ações dia após dia. Uma rotina que remete o seu MMORPG do dia a dia. Mas sem o divertimento.

Natsu-mon se trata da rotina que ele se limitou a seguir e tal modus operandi só o feriu. As pessoas que conheci naquele mundinho eram incríveis, mas o jogo não fez tanta questão de se aprofundar nesse que é um dos elementos mais cativantes deste tipo de jogo. A sua profundidade se esvai ao mesmo tempo que ele visa ser um “jogo infinito” onde você irá herdar catálogos, relações e enciclopédias para ascender um New Game + e buscar maximizar todos os status. Yeeees, eu não ligo pra isso!

Mesmo a expansão Broadcast Over Sunset faz coisa parecida. Adiciona dois personagens com histórias e ideais cativantes, mas a expansão por si só foca na ideia dessa ilha gigante em que você pode explorar, coletar, mais, e mais, e mais.

No fim do dia, resta em minha mente é apenas a ideia de ser a criança do circo. Não sentimos saudades daquilo que nunca tivemos. Isso é impossível. Quem sabe em outro momento de minha vida, Natsu-Mon se tornaria uma experiência que mudasse toda minha percepção de realidade, talvez até me tornar uma pessoa melhor e mais sensível. Mas isso eu nunca saberei… é impossível?

Quando escutei aquela história da menina do circo, eu sorri, tratei como apenas uma historieta engraçadinha de dois minutos, mas aquilo capturou minha mente. Eu senti a curiosidade de saber o que aquela garota expressou quando disse aquilo e, acima de tudo, o quão honesta ela foi consigo mesma. Se não existiu tal ressentimento sobre o pesar de não ter ninguém além da família itinerária dela.

Quando os anos passarem e ela ser livre para tomar sua escolha, qual será sua decisão? Continuar tal legado? Seguir com os próprios sonhos? Até quando esses sonhos serão acometidos pelas decisões que ela nunca tomou em um passado que à segregou de viver uma vidinha convencional? Mas o que é tal vidinha convencional, se todos nós seres humanos somos criaturas de nosso próprio contexto? Não existe isso.

No fim do dia, somos todos crianças do nosso próprio circo.

Natsu-Mon análise

Uma cópia gratuita de Natsu-Mon: 20th Century Summer Kid para a plataforma PC foi concedida pela Spike Chunsoft para análise no Recanto do Dragão.