PRODUCER 2021 é um jogo de aventura/visual novel(?) lançada em novembro de 2022, desenvolvido por STUFFED WOMBAT e ThorHighHeels. Enquanto Wombat cuidou da história, visuais e programação, Thor ficou com o sound design e a trilha sonora.
PRODUCER 2021 enrola sua cabeça em volta de várias pequenas histórias que se juntam pouco a pouco em um mundo em decadência, mas que ainda precisa de alguém pra trabalhar nele. Esse alguém é você, Toto Hammersmith. As coisas estão Estranhas™, todo lugar que você vai está quase completamente vazio e quem sobrou não bate muito bem da cabeça. Se bem que o mundo de Producer não bate exatamente com o nosso já de cara, mas espiritualmente existem várias similaridades. Ser enxerido te recompensa e o leva à lugares inacreditáveis, e se deixar levar por promessas corporativas de estabilidade financeira ainda é uma tentação difícil de resistir, por mais que no fim a empresa te ferre de qualquer forma.
Assim, vamos concordar que o Toto precisava de um puxãozinho. Ele começa a história largado em seu quarto, recebendo uma ligação vinda de um celular que ele nunca comprou, e não importa o quão rápido você desça pra tentar atender a chamada, você falha e tem que ficar ouvindo o correio de voz misterioso ao invés da chamada em si. O que está no correio de voz? bem, ele ganhou um emprego! de verdade!!! ele é um PRODUCER (2021)!
Agora é hora de tentar limpar a sua casa porque seu locador tá tentando te expulsar. Tipo, agora. Batendo na sua porta incessantemente. PA! PA! PA! PA! Por mais que tentar arrumar o apartamento antes de atender o cara seja um esforço fútil (a sujeira basicamente se fundiu com o chão), não custa nada tentar; você ganha XP ao ver cada caixinha de diálogo nesse jogo, e tentar arrumar sua casa te dá diálogos extras.
Sim, experiência e níveis em um jogo de aventura que funciona como uma visual novel. Posso te assegurar que ganhar níveis não é só cosmético e serve pra algo, pois na minha segunda run eu tentei interagir com menos coisas (assim ficando com nível baixo) e acabei sendo barrado ao tentar fazer algo, o que me deixou em desespero e fez eu voltar a exaustar todo diálogo possível. O negócio é que Producer simplesmente não te avisa quando faz um skill check se você acabar passando dele. Se pra quebrar uma porta Toto precisa estar no nível 5 e ele está nível 6, ele só quebra a porta. O jogo não te dá uma mensagem estilo Fallout mandando um [SKILL CHECK PASSED], você fica sem saber que aquilo era um skill check ao passar. Isso deixa o jogo bem mais imprevisível, o que encaixa perfeitamente com o resto dele.
Além disso, o sistema de XP faz com que você imediatamente saiba quando já exaustou algum diálogo. Como de costume em um jogo de aventura, você vai ter que escolher a mesma opção de diálogo várias vezes em certas situações (se bem que em Producer isso é bem mais comum que em outros títulos) para ver caixas de diálogo novas, então como o próprio jogo diz: se você não ganha XP por fazer algo, larga porque não vale a pena. Em áreas com triggers de diálogos aleatórios, às vezes você vai ter que ver o mesmo texto se repetindo entre os novos, mas de resto a regra funciona bem tanto narrativamente quanto filosoficamente e até “jogatinamente”…
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Sua tolerância à ler flavor text vai ser testada porque humor é o que costuma carregar essas repetições, e se ele não “clicar” com você, não tem o que fazer. No meu caso clicou bem, desde as reações de cada NPC ao serem perguntados a mesma coisa incessantemente até o Toto devaneando no meio do horário comercial.
Alguns jogadores (insuportáveis) classificariam o humor de Producer como “XD RANDOM!!” de maneira irrisória, mas quer saber? Producer realmente é “XD RANDOM!!” (não-pejorativo). Existe a maneira mais direta e potencialmente irritante de se apresentar esse tipo de humor que envolve só tacar situações e palavras inesperadas na sua cara esperando uma reação, mas Producer é confiante o suficiente pra só deixar esses momentos passarem batidos e só comentar sobre eles ocasionalmente, e também de maneiras interessantes. Quando a porta da sua casa é bloqueada por uma pilha enorme de adubo (ou seja, merda), Toto fica sim surpreso e confuso, mas também toma um tempo pra admirar o quão raro é achar adubo de tamanha qualidade ali — e é essa última parte que funciona como punchline.
As próprias dicas que você recebe do jogo sobre segredos ou objetivos vêm de maneira cômica. Às vezes, Producer mente pra você e espera que você entenda que é pra fazer o contrário do que ele diz, e às vezes ele só te dá uma resposta sincera na hora sem muita fanfarra. Não é difícil perceber a diferença entre os dois, então julgo que a importância desses momentos está em adicionar atmosfera e, bem, um pouco mais de humor às suas ações. É com essa identidade duas-caras que o jogo consegue te pegar de surpresa com seus momentos sérios. Tipo, ele é lotado de comédia e pode ser classificado como uma história de comédia, mas tem muitas ideias honestas que não só são sanduichadas em meio às piadas, mas que também se tornam mais impactantes por causa delas. É um balanço cuidadoso que te dá espaço para engajar com as ideias entregues pelo roteiro de Wombat em meio às brincadeiras.
Eu só fui lembrar agora que nem contei a base da base da história. O que é ser um PRODUCER (2021) e tal.
Então, eu meio que não sei, e o Toto também não sabe. Tudo que conseguimos discernir em um primeiro olhar é que o Toto foi contratado pelo Boss (Chefe) pra achar três Protótipos e consequentemente, os três arquitetos que projetaram cada um deles. A Bioquímica, O Mecânico e Os Dataístas, em tradução livre. Por quê o Chefe quer os Protótipos? Bom, o mundo tá “Estranho”, como disse no começo do texto. Tem menos gente que o comum, os acontecimentos são menos lógicos que o comum, e existe um sentimento geral de que um terror incompreensível está iminente. Você mesmo consegue sentir um gostinho do mistério com a barra dedicada de Estranheza que sobe ao realizar certas ações especiais, que vão pouco a pouco alterando a percepção do mundo de Toto.
Mesmo com tudo isso em suas costas, Toto ainda se mantém relativamente são. Afinal, é a primeira vez que ele sai de casa e conversa com gente nova em anos. O cara tá muito feliz por isso, mesmo que seu nível de entusiasmo com o trabalho possa ser variável. Esse é um dos marcadores principais que definem sua rota em Producer. Uma das opções é seguir a rota do trabalhador entusiasmado que só quer saber de fazer seu trabalho, que te obriga a não desviar do objetivo de achar os Protótipos, te barra de algumas áreas e interações e ajuda em outras. Se quiser também pode ir pela outra opção, que é ter consciência de que você está sendo explorado, então não vale a pena ficar tão subordinado ao Chefe. Eu acabei fazendo as duas rotas (dentre outras escolhas)! Já que Producer possui apenas umas ~2 horas de duração, rejogar não é uma má ideia, mas ainda assim isso não é estritamente necessário. Jogar uma vez já te dá o suficiente.
Algo que também apreciei bastante foi a trilha sonora composta por ThorHighHeels. Eu sei que já fiquei babando pela de Umurangi Generation (também composta por ele) no vídeo nosso sobre o jogo, mas Producer estabelece definitivamente a sua versatilidade como produtor. Alguns sintetizadores e instrumentos presentes na trilha de Umurangi ainda estão aqui, mas com energias completamente diferentes. Em Producer, as músicas são mais caóticas e as influências de Jungle estão mais claras. Além delas tocarem de fundo à quase todo momento, elas também aparecem de maneira diagética por meio de fitas que o Toto ouve ao dirigir. Você começa com duas e vai achando novas de diversas maneiras ao longo da aventura. Algumas dessas, como Racin’, Drivin’ e eventualmente SPRINTIN’, são absolutamente deliciosas. “The fastest shit I’ve ever heard”, diz Toto sobre a SPRINTIN’. O casinha tem bom gosto… mas não é toda track que ele ouve que funciona da mesma forma. Uma das fitas que ele recebe, Ass embled Po Etry, é quase tão assustadora quanto Blood Cavern de Space Funeral. Não vou elaborar.
Enfim, o ponto dessa seção é: pelo amor de deus ouve isso aqui no Bandcamp ou no Spotify pelo embed abaixo (e jogue PRODUCER 2021!).
Mas tipo, as músicas só encaixam tão bem por causa dos visuais de Producer. A regra daqui é colagem: vários cenários e pessoas são feitas por uma mistura de imagens comprimidas, pixeladas e mescladas uma em cima das outras e animadas com movimentos rítmicos e por vezes pulsantes. Enquanto em outras novels com baixo orçamento os diálogos seriam entregues de maneira estática, aqui cada interação parece viva com essas animações. Isso é bem exemplificado no meio das seções em que Toto dirige, pois o cenário vai passando com duplicatas das mesmas imagens sendo espalhadas pela tela enquanto são passadas por seu veículo. Sabe aqueles livros infantis com seções destacáveis que se levantam ao abrir as páginas? Mesma vibe. Se bem que talvez seja inspirado em alguma mídia específica que eu realmente não conheça também. De qualquer forma ficou foda e é isso que importa.
Em meio à sua proeza …audio(e)visual(e)narrativa(e)jogatina (viu como dividir as disciplinas usadas para fazer um jogo em pedaços é uma merda?), PRODUCER 2021 se constrói pouco a pouco para formar sua forma final absolutamente maravilhosa. Algo a se notar é que, no fundo no fundo, ele é um jogo bem jogo. Você vai buscar os três protótipos da mesma maneira que buscaria os quatro cristais em um Final Fantasy, e roda os cenários por pura curiosidade, até as partes que o jogo ativamente te fala que são inúteis. Ele puxa sua atenção para as menores das discrepâncias entre o comportamento dos personagens naquele mundo, e acaba por apresentar ideias inspiradoras em sua seção final que eu não spoilaria nem se apontassem uma arma pra minha cabeça. Não existe um momento monótono, não existe nenhuma seção completamente inútil, por mais inofensiva que seja. Apreciar os containers próximos à uma fábrica ou pensar em p100sar não são ações que você “precisa” fazer, mas a curiosidade é irresistível.
Uma cópia gratuita de PRODUCER 2021 para PC foi concedida pelo STUFFED WOMBAT para análise no Recanto do Dragão.