A comunidade de jogos é complicada. Mesmo pessoas com gostos e sensibilidades completamente diferentes acabam interagindo por vez ou outra com o discurso em volta de algum grande lançamento da indústria, mesmo que aquele jogo em particular não as interesse.
Mesmo só com exemplos recentes (e ignorando problemas técnicos), podemos lembrar do desastre em todos os sentidos de Duke Nukem Forever em 2011, a falha em cativar fãs e curiosos da franquia de Aliens: Colonial Marines, o conteúdo julgado como raso de Mass Effect: Andromeda em 2017, o fiasco de pouca população de jogadores no FPS online Lawbreakers no mesmo ano, e mais recentemente a piada que foi feita de Forspoken em 2023, entre muitos outros.
Alguns destes jogos também tiveram reclamações de problemas técnicos tanto partindo da crítica quanto do público geral, mas a percepção deles notavelmente ainda se manteve negativa mesmo após anos dos desenvolvedores arrumarem seus bugs. Acredito, inclusive, que parte da negatividade em volta deles veio da surpresa de ver tropeços fortes em jogos com tamanhos orçamentos e campanhas de marketing bem sucedidas (e por vezes mentirosas). Todo jogo desastre tem sua história única, mas existem coisas que os unem.
Este fenômeno continuou tão popular que até se estendeu à alguns lançamentos fora da escala blockbuster, como Mighty No. 9, YIIK, Left Alive e Balan Wonderworld, como exemplo. No caso deles, acredito que as ofensas vieram da percepção destes jogos como vindos do “fundo do poço” do fracasso artístico. IPs novas sem uma base de fãs definida que puderam ser usados como piadas fáceis pelas quais “ninguém ia se incomodar” se colocadas para baixo.
De qualquer forma, estes “jogos-desastre” são lembrados ocasionalmente em textos criticando outros sacos de pancada do momento, por vezes acompanhados de indagações como: “Seria este o próximo Forspoken?”.
Agora em Redfall, o mais novo jogo da Arkane Austin, não é nem preciso se perguntar nessa altura. Ele é um dos mais novos completos desastres da indústria dos jogos. Mesmo ignorando a discussão em volta de seus numerosos problemas técnicos (que é irrelevante pro propósito deste texto), Redfall foi criticado por não oferecer a profundidade vista em outros jogos dos estúdios da Arkane como Prey e Dishonored, se vender ao popular gênero de FPS mundo aberto à la Far Cry e ainda ser taxado como mais um cash-grab de jogo cooperativo, assim como Back 4 Blood foi em 2022.
Assim como em outros casos, Redfall tinha expectativas à serem quebradas antes de se tornar uma piada. O fator mais agravante foi o fato de ser um dos primeiros jogos exclusivos da família Xbox após a Microsoft ter adquirido a Bethesda, o que o colocou diretamente na linha de fogo tanto de fãs de Xbox esperando um jogo marcante quanto de fãs da Playstation vigiando o seu potencial fracasso. Foi uma tempestade única de circunstâncias que colocou o jogo na boca de pessoas que, dada outra situação mais mundana, nem teriam interesse em acompanhá-lo.
Com isso tudo em mente, gostaria de olhar Redfall do meu próprio jeito; ignorando os aspectos técnicos e o enxergando com atenção às minhas sensibilidades. Vale a pena mencionar que sou grande fã da Arkane e sua filosofia de design que se manteve consistente desde Arx Fatalis em 2002. Além disso, tenho um certo apreço por experiências coop de várias formas, principalmente em jogos de FPS. Ah, também gosto de vampiros. Isso até inclui Crepúsculo. Ou seja, vim com a esperança de me divertir!
Mesmo sendo um projeto ambicioso, Redfall não quer ser o jogo mais denso possível. Não é porque a Arkane é a Arkane que ela sempre precisa fazer projetos com design interconectado e mecânicas de immersive sim profundas nem nada. Se o DEATHLOOP foi a Arkane Austin tentando uma fórmula de ação mais tradicional enquanto utilizava uma estrutura experimental, Redfall é a Arkane Lyon indo mais longe ainda na rota de ação (+ mecânicas de loot) e testando uma mistura de seu próprio estilo de jogo com o padrão de blockbusters de sandbox atuais vindos de empresas como a Ubisoft.
E esse é o engraçado: ele realmente falha em tentar ser atrativo para esse público! Em um jogo como Far Cry ou os novos Assassin’s Creed, o jogador é preso em um loop de gameplay com ciclos redondinhos e recompensas à todo momento, mesmo que muitas vezes elas sejam extrínsecas e repetitivas. Em um Far Cry, sair de um outpost à ser conquistado para outro é fluido. Até sair da conquista de um outpost pra fazer uma missão principal é super fluido. É algo que envolve poucas pausas na gameplay principal — tem sempre alguém pra tomar tiro ou algum ponto de interesse à sua volta, até no caminho para a próxima missão. Agora, em Redfall, as coisas são bem diferentes. Sempre que termina uma missão, você deve voltar à sua base, pegar uma nova e ir à pé para ela, utilizando algum esconderijo como ponto de fast travel para acelerar a caminhada se aplicável (e se você tiver liberado eles, claro).
Pra piorar, a narrativa é entregue de maneira desconcertante. Redfall talvez tenha umas boas ideias escondidas ali, mas eu não consigo comentar muito bem sobre essa história pois prestar atenção com meus amigos foi difícil. Outros jogos cooperativos que ainda tem alguma história usam de diversos formatos para entregá-la de maneira confortável para um ambiente social. Alguns lineares como Halo e Gears of War só seguem da mesma maneira que no modo singleplayer, enquanto outros mais abertos como Dying Light juntam os dois jogadores para ver a mesma cutscene em primeira pessoa, como se ambos fossem o mesmo personagem (no caso de DL esse é assim mesmo). Outras abordagens também são populares, como a menor dependência de cutscenes e estrutura de conversa de RPG da franquia Borderlands. Afinal, assim os desenvolvedores conseguem utilizar um molde familiar para entregar a história sem medo dos jogadores perderem a atenção.
Ai ai ai… vamos lá: Redfall não é assim. Sua narrativa é entregue por meio de três formatos principais. Um deles envolve breves cutscenes de briefing de missão, e elas são completamente expositórias e nada interessantes visualmente. Elas mostram modelos 3D dos personagens conversando de maneira estática com movimentos de câmera leves para tentar criar algum dinamismo, mas só deixa tudo dolorosamente sem charme, ainda mais pra um jogo com tantos visuais marcantes em sua arquitetura.
A segunda maneira de entregar a narrativa vem por… mais exposição! Ocasionalmente você e seu grupo se deparam com resquícios de conversas que contam parte do que aconteceu para o domínio dos vampiros começar. Alguns desses flashbacks são obrigatórios e fecham seu grupo em uma sala para ouvi-los. Os personagens envolvidos são representados por fantasminhas quase-imóveis que vão conversando e expondo o que aconteceu enquanto os protagonistas esperam. Uau. Isso é de alguma forma ainda pior do que o conceito de audiologs, que eu já não curto. Ao menos os audiologs do Bioshock deixam você fazer progresso enquanto ouve as histórias contidas neles. Não que eu acredite que cutscenes não contam como “fazer progresso”, mas é que ouvir personagens alheios ao elenco principal expondo o que aconteceu no passado sem o jogador poder participar ou sequer ter uma representação visual daquilo é uma maneira extremamente questionável de entregar uma história.
A terceira maneira é talvez a mais importante, ainda mais considerando o histórico da Arkane. Os ambientes! Dentre as missões principais, alguns locais se destacam, como a mansão que funciona como uma casa de boneca. Locais como esse casam bem com seus respectivos arcos narrativos e são maneiras naturais de desenvolverem os eventos da narrativa. É a única parte onde Redfall consegue puxar um pouco de peso com seu enredo.
Mesmo assim, não é nem de perto o suficiente pra justificar as outras escolhas. Os quatro protagonistas estão completamente desconectados de um papel ativo na história, tirando o fato de que são encarregados de resolver o problema dos vampiros. É fácil acabar conversando com seus amigos durante as cutscenes de briefing ou os flashbacks pela falta de envolvimento dos personagens que vocês estão controlando, assim como também é fácil perder muito do simbolismo da história contada nos ambientes pelo ritmo mais brincalhão de um ambiente entre amigos.
O bom é que essa é a única parte de Redfall que eu acredito ser inteiramente sem graça. Agora vamos para uma área mais… mista.
Redfall tem muito espaço morto pra um jogo desse naipe. Você não vai ser emboscado por inimigos agressivos no meio do mundo aberto, então a caminhada até a próxima missão envolve o quanto combate e exploração você quiser. Se não estiver a fim de se enfiar numa briga para tentar a sorte de achar armas melhores, não precisa. Não é como se os vampiros ou os cultistas (os inimigos padrão com armas de fogo) fossem te caçar ferozmente ou até perceber sua presença sem antes serem provocados.
É assim mesmo no coop. Você pode tomar o tempo que quiser para falar com seus amigos em uma chamada ao jogar sem ao menos ser interrompido enquanto caminha para um objetivo. Essa qualidade peculiar de Redfall está sendo vista como uma falha da inteligência artificial dos inimigos, mas talvez seja intencional??? Tipo, é difícil dizer com certeza, mas acredito que o jogo acabou fluindo melhor com essa flexibilidade de escolher em quais brigas você quer entrar.
Até desconsiderando isso, acho importante ressaltar que IA é algo que depende diretamente do design do jogo em que habita. Por exemplo, a própria Arkane já foi alvo de críticas relacionadas à “burrice” dos guardas em Dishonored. Essa visão ignora as considerações feitas pelos desenvolvedores para torná-los desafios interessantes para qualquer tipo de jogador: eles são menos atentivos que o comum para incentivar stealth, mais relaxados no combate corpo a corpo para permitir que, mesmo com muitos guardas alertados, o jogador ainda consiga se defender, entre outros fatores. E ainda assim, eles são “inteligentes” o suficiente para investigarem vestígios deixados pelo jogador durante uma tentativa de furtividade. Eles não são burros, mas sim feitos para provocar certas reações.
O mesmo vale para Redfall! A diferença está no que ele quer reforçar nos jogadores. Em um jogo cooperativo de mundo aberto, é admirável a escolha de deixar os inimigos mais passivos para dar tempo o suficiente para um grupo de jogadores planejar uma emboscada, mesmo que o planejamento envolva uma simples combinação do uso de habilidades dos diferentes personagens. É uma maneira de ceder controle pro jogador em troca de parte da potencial imersão de enfrentar inimigos que parecem inteligentes.
Porém, por vezes é difícil entender para quantos jogadores a IA foi balanceada. Ao fazer algumas missões solo, percebi que o combate era bem mais tenso e agressivo, enquanto em coop a mudança da dinâmica era enorme, pois a atenção dos inimigos era muito mais igualmente dividida entre jogadores, sem mudanças perceptíveis de agressividade inimiga. Isso torna Redfall um jogo estranhamente distinto dependendo de como você escolhe jogá-lo.
De qualquer forma, não é justo dizer que você ativamente inicia toda luta em Redfall, pois existe uma mecânica que ocasionalmente chega para pegar seu grupo de surpresa, e ela é apresentada de maneira bizarra. É uma tempestade com raios que dão bastante dano se caírem em sua cabeça e vem junta de um miniboss vampiro bombadão que demora um pouco demais pra morrer. Isso é meio interessante. Em conceito. Na prática é só uma tarefa ocasional meio incômoda. Redfall não está super preocupado em te botar pressão.
Acredito que essa junção do design padrão de mundo aberto moderno com a confiança de design da Arkane de deixar você escolher quando engajar cria uma atmosfera positivamente destoante quando você considera que o resto do jogo é bem deselegante.
Diversos jogos diferentes podem encaixar nessa descrição (que por sinal não é algo negativo por natureza), mas até falando da escala AAA é fácil achar diversos exemplos: Death Stranding com sua abundância enorme de mecânicas com diversos pesos sendo tutorializadas com a mesma atenção, Control com sua mistura bizarra de exploração aberta e tiroteio linear, e a existência inteira de Kingdom Hearts III. E olha, eu amo esses três jogos!
Redfall cai nesta descrição por ser uma mistura maluca de um monte de gêneros populares que ao mesmo tempo se banha da autoria da Arkane como empresa. Seus vampiros que podem sair de dia, a estética focada na baía americana ensolarada, e até os motifs musicais e visuais que são espalhados pela obra, como as ondas congeladas definindo os limites do mapa.
Eu acho até que dá pra dar uma comparada espiritual com o Rage 2 lá de 2019, simplesmente pela insistência de tentar abordar o molde padrão de mundo aberto da Ubisoft com seus próprios toques. O bom disso é que resultou em dois jogos bem diferentes! E, mesmo que Redfall não seja lá o melhor jogo nem da semana em que lançou, ele consegue ser um daqueles que ainda funciona bem para seu público alvo, desde que você consiga lidar com a maneira peculiar que ele executa os seus conceitos.
Redfall não o melhor exemplo de um jogo taxado como desastroso que na real é melhor do que parece, mas pode ser usado como o exemplo de um dos que realmente só é… decente. Tipo, ele não é nem de perto tão ruim ou “injogável” quanto a opinião geral implica. Dá pra argumentar sobre o quão medíocre ele é, mas em uma indústria com tantos outros jogos muito mais bem recebidos que são mais genéricos e formulaicos ainda, isso não tem tanto peso ainda.
Mesmo se um jogo for taxado como um completo desastre, se ele ainda puxa seu interesse por algum motivo, não custa nada vir à ele sem colocar tanto peso na opinião geral. Eu acabei achando muito a apreciar em YIIK, Mighty No.9 e Balan Wonderworld exatamente por isso. Afinal, seu gosto só pode ser definido por você mesmo.