Sonic the Hedgehog 2 — a metrópole que corrompe a natureza

Após o estrondoso sucesso de Sonic The Hedgehog, uma continuação seria inevitável. Os muitos estágios de desenvolvimento de Sonic 2 foram envoltos de perguntas e respostas únicas. Não é exatamente fácil suceder uma ideia como a de Sonic 1, e um grande número dessas ideias foram descartadas ou armazenadas para jogos futuros. O produto que eventualmente chegou às prateleiras acabou sendo tão influente quanto seu antecessor.

Sonic 2, de 1992, é considerado um dos maiores jogos de todos os tempos e, por muita gente, o real começo da série. Uma descrição popular é que Sonic 1 andou para o 2 correr, de forma bastante literal. O segundo jogo deu muita ênfase no detalhe mais importante do ouriço, sua velocidade e, com isso, toda a base de level design foi reestruturada.

Nova física, maior limite de aceleração, gimmicks focadas em correr e níveis pensados para que Sonic possa se movimentar o tempo todo, reagindo aos obstáculos em meio ao seu avanço frenético ao invés de lentamente progredir por plataformas. Sonic 2 é onde a identidade de gameplay da franquia surgiu de verdade, e é onde boa parte dos fãs começaram.

Não apareci aqui para dizer o contrário, eu concordo com muito do que é dito sobre Sonic 2. Porém, eu… me sinto dividida quanto a esse jogo. É um título que eu tenho a tendência de gostar menos toda vez que revisito, e isso é meio frustrante.

Como uma rápida introdução, vamos falar das mudanças em relação ao jogo anterior. Agora nós temos Tails acompanhando nosso herói, e Tails pode, além de coletar rings, ajudar a lutar contra chefes. A raposa não pode perder rings como Sonic pode, então acaba sendo uma hitbox a mais que é apenas benéfica.

Sonic também recebeu o novo spindash, e fica difícil realmente aproveitar a física de um Sonic 2D sem acesso a ele! O spindash permite não só velocidade instantânea quando você mais precisa, como também atua em sinergia com rampas. Qualquer inclinação pode ser usada para elevar Sonic aos céus se o jogador utilizar o spindash antes. Essa habilidade te dá mais liberdade e espaço para experimentação, e o jogo foi desenhado pensando nesse golpe único.

Sonic 2 trocou quantidade por qualidade, e as zonas possuem menos atos agora. Dois atos, com um chefe no fim do segundo, para então dar mais níveis únicos para a aventura com novas zonas. O tempo de jogo é quase o mesmo de Sonic 1, só bem mais agradável por sempre estar mudando.

Por grande parte do jogo, o design desses níveis entrega consistência e liberdade, com desafios majoritariamente justos e ideias criativas. Como se toda a piada de mal gosto que são os atos de Sonic 1 tivessem sido reimaginados de forma mais acolhedora ou, no mínimo, balanceada.

Me divirto muito com essas primeiras fases, adoro a movimentação do Sonic e acho os bosses interessantes. O problema começa na reta final do jogo, e depois do jogador conhecer essa reta final, morrer e resetar o jogo, cada jogatina consecutiva fica manchada.

Esse estilo de balanceamento é… estranho, pra dizer o mínimo. Jogos antigos tinham esse sistema de vidas e continues bem arcade em que, depois de todas as vidas e continues terminarem, você retorna para o início do jogo. Isso, em Sonic 2, essencialmente pede que você economize suas tentativas extras, não para permitir que você cometa erros de vez em quando, mas para que você sobreviva as quatro fases finais demoníacas.

Na sua primeira vez jogando, é uma aventura bastante divertida. Quase todas as sete fases são únicas e possuem avanços notáveis em comparação com o jogo anterior: Emerald Hill é a Green Hill com exploração mais recompensadora, Chemical Plant e Aquatic Ruins são fases de água infinitamente melhores que Labyrinth Zone, Hill Top é minha fase favorita do jogo e usa muitas mecânicas de Marble Zone, a fase que eu mais odeio no anterior. Eu falo sério quando digo que, apesar das minhas muitas críticas em relação a esse jogo, eu gosto de TODAS as fases antes de Metropolis. Sim! Oil Ocean também!

Consigo encontrar uma ideia única e divertida em todas as sete, e toda vez que eu rejogo Sonic 2 pensando em apenas me divertir com elas sem pensar em zerar o jogo, tenho algumas das melhores experiências com Sonic 2D da minha vida. Uma coisa ou outra aqui e ali podem te fazer revirar os olhos, como os inimigos nas paredes de Aquatic Ruin, as armadilhas extremamente mortais de Mystic Cave surgindo do nada, ou as bocas de fogão espalhadas pela Oil Ocean que podem te matar de pelo menos três formas diferentes, mas nada disso monopoliza o level design de Sonic 2 até então.

Emerald Hill é uma zona rápida e divertida de explorar, com segredos em todo canto, o que é bem inesperado da primeira fase. Chemical Plant possui rotas bem variadas e todas as seções de água são… legais? Especialmente gosto de como o Spin Dash interage com o level design dessa fase, pois permite alguns bons atalhos que são úteis para quem não gosta da parte mais lenta da fase.

Aquatic Ruin é parecida com Chemical Plant, mas o level design dessa, por mais que tenha mais água, faz dela algo quase opcional. Se você jogar bem o suficiente, não precisará molhar os pés passando pela parte de cima do lugar. É estranho que uma fase com água no nome seja estruturada dessa forma!

Casino Night é a fase mais fácil do jogo, e acaba sendo apenas uma visita agradável. Aqui você pode conseguir pontos e rings além dos seus maiores sonhos, e é um bom lugar para acumular algumas vidas. Já Hill Top é um pouco mais difícil, mas dá certo espaço para o jogador se expressar. Um nível baseado em hazards simples sem muitas armadilhas, com maior foco em platforming não muito complicado.

Mystic Cave é um cenário recheado de armadilhas, mas quase todas te dão tempo de reação o suficiente. Por mais que seja uma área mais fechada, a caverna ainda tem muitos segredos e caminhos alternativos que são mais baseados em exploração e criatividade do que habilidade. Por fim, Oil Ocean é um nível vertical sem buracos, e a ideia é estar sempre subindo. Por mais que seja polarizante, Oil Ocean sempre me agradou pela variedade. É uma abordagem diferente das fases anteriores em level design.

Todas as sete zonas até então são ótimas e, por mim, podia acabar aqui. Infelizmente, esse não é o caso. Conheçam Metropolis Zone!

Metropolis Zone é como um resumo de tudo que tem de pior em Sonic 1. Todos os inimigos são mal posicionados, nenhum obstáculo oferece qualquer tempo de reação, e o level design inteiro só pode ser descrito como sádico. É o tipo de coisa que você precisa ver para crer.

Enquanto algumas coisas podem ser vencidas com decoreba, nem isso te salva em Metropolis Zone. De que adianta saber do caranguejo no corredor, se você ainda não tem como desviar do golpe dele?

Os grandes obstáculos de Metropolis podem todos ser facilmente explicados aqui. Eu lembro de todos eles, e todo mundo que jogou também lembra. O primeiro é o já mencionado caranguejo, que tem apenas uma garra. A garra dele é grande e é lançada presa numa corrente, como uma espécie de chicote. Apesar do golpe simples, ele tem hitboxes de dano no corpo todo, exceto pela pata de trás. Como a garra se estende, saltar por cima e golpeá-lo nas costas é uma tarefa bem difícil que não só precisa de precisão mas é arriscada por si só. O sprite dele não denota de nenhuma forma o tamanho dessa hitbox, então você se entrega à sorte ao enfrentá-lo.

O problema não é o inimigo em si, no entanto, mas como ele é atirado nas fases. Sempre após uma seção de plataforma, ou em um corredor estreito, ou completamente fora da sua visão. Quando ele aparece na tela, ele já te atacou, pois ele ativa às vezes até DE FORA da câmera. É! Antes de você saber que ele EXISTE a garra dele já foi lançada na sua direção. É por isso que a hitbox terrível faz diferença, porque na chance de você ter memorizado ou mesmo que tenha reagido e pulado (eu… duvido muito), você ainda não vai conseguir vencê-lo de primeira, segunda, terceira ou de quarta. E ele nem é o pior inimigo.

Junto dele também tem as estrelas do mar espalhadas pelas paredes, e elas ativam se Sonic (OU TAILS) meramente respirarem perto delas. Elas então se movem e lançam espinhos em cinco direções. Elas costumam vir em grandes números, e o movimento inicial delas não é sempre o mesmo. Se posicionar entre os tiros fica difícil quando você não tem certeza de onde eles vão estar, e pode piorar quando você leva em conta onde essas estrelas normalmente estão.

Coincidentemente, elas também são posicionadas em lugares onde se torna quase impossível reagir. Frequentemente estão juntas de roscas e parafusos, uma espécie de elevador que pede que Sonic corra na rosca para que ela suba pelo parafuso. É nesse momento que as estrelas surgem, quando Sonic não tem controle total dos seus movimentos e NO MÁXIMO consegue pular para frente. Vale mencionar que os espinhos se mantém renderizados por um tempo, mesmo se sumirem da tela, então ainda que uma estrela seja ativada fora do alcance da câmera ela ainda pode te acertar mas… por que isso aconteceria? Por causa do Tails.

Em quase todo o jogo, Tails foi seu companheiro. Coleta rings, destrói robôs e causa dano a chefes sem nunca interferir na sua gameplay. Não mais. Agora, a IA dele decide se os inimigos vão atacar O SONIC. Se Tails surgir voando na tela, por mais que nesse estado ele não possa coletar rings, ser danificado ou bater em inimigos, ele AINDA vai ativar todos os seus adversários, um por um.

Mas não se compara ao Louva-Deus, um inimigo traiçoeiro e versátil. Enquanto o caranguejo só lança sua garra para frente, o Louva-Deus joga a sua como um bumerangue para um grande número de direções, e inclusive te persegue! Esse bumerangue é grande e, de novo, está colado a um inimigo que é sempre posicionado nos piores lugares.

No topo de uma longa subida, em um estreito corredor que não te dá espaço para fugir, logo após uma parede de molas que lança Sonic AUTOMATICAMENTE, acompanhado de mais de si mesmo, no meio de um elevador onde Sonic só pode ficar esperando… lembrem, isso é Sonic. Quando Sonic corre, ele corre. Um inimigo desses até na porra de uma área 100% aberta já é um problema, porque ele não atira aleatoriamente como os macaquinhos ou caranguejos das primeiras fases. Ele atira quando te vê, e é acionado pelo Sonic ESTAR onde ele pode te acertar. Ele foi feito para golpeá-lo com mira precisa.

Agora você imagina que todos esses estão espalhados juntos por três atos longos. Sim, três atos. Para a pior fase do jogo, decidiram dar um ato a mais! E isso sem mencionar os perigos clássicos de todo nível, como lava, MUITOS espinhos (alguns escondidos por todo o chão de áreas específicas), lanças, engrenagens rodando, elevadores levando a espinhos, bombas de ar que lançam vapor quente no Sonic de fora da tela, entre outras muitas coisas. Essa fase é maligna e diabólica.

Mas sabe, ela fica pior por não ser a única. Sky Chase vem logo após, uma fase auto-scroller em cima do avião do Tails, onde você pode morrer se correr de mais, pular demais ou usar um spindash (por mais que alguns desafios pareçam feitos pra ele). Sonic precisa lentamente atravessar os céus desviando de tiros e robôs voadores. Só que essa fase não é tão difícil, só é chata e ruim, a próxima é outra história.

Wing Fortress, uma fase com buracos em todas as suas seções, com platforming preciso em um jogo de velocidade variável por natureza e uma boss fight difícil no final. E aí Death Egg, um boss de duas fases com mais de 20 hits para morrer. E sem rings.

Não quis entrar muito a fundo nessas fases porque eu quero que entendam algo: essa reta final inteira acontece em sequência, e o menor dos desafios conta agora. Metropolis Zone liquidou seu contador de vidas e continues, e nem sequer era a última fase. Tinha mais, e cada pequeno erro vai tirando mais e mais do que sobrou do seu estoque de tentativas até que não sobre nada pro boss final onde você literalmente não pode tomar um único dano sem voltar do Silver Sonic mais uma vez.

Essa longa sequência de níveis infernais é o motivo de eu não gostar de Sonic 2. Sim! Tivemos sete zonas ótimas, mas e aí? Esse jogo não tem saves. A ideia de zerar ele é baseada no quão bem você joga as últimas fases, ou de quantas vidas e continues você tem. Essas vidas e continues precisam ser conquistadas nas fases boas, nas fases justas e legais. Essas fases justas ainda vão te fazer morrer, ainda vão ter desafios, ainda vão ter uma armadilha ou outra que vai pegar no seu pé mas, no contexto dessas fases, não tinha problema. No contexto geral, é uma tentativa a menos nas últimas.

Isso estragou minha experiência, apodreceu ela. Não é minha primeira, nem segunda, nem terceira vez jogando Sonic 2, e de alguma forma continuo tendo terríveis experiências com ele. Antes de chegar no final, quando você tem um resquício de ego e confiança de que consegue zerar, não tem como deixar de se divertir. Aí, depois do primeiro reset, tudo desanda. O sistema de vidas de Sonic 2 nem é ruim, são as últimas fases que são o problema.

Fases com desafios injustos, inimigos que te acertam antes de aparecer na sua visão, posicionamento maldito de danos iminentes e chefes bem complicados vão pouco a pouco drenando sua esperança. Claro, para veteranos que jogaram dezenas de vezes, nada disso parece um problema. Mas antes da minha quinta vez zerando, essas coisas ainda me faziam ter pesadelos. Ok, por mais ridículo que seja, eu de fato tive ao menos um pesadelo com esse jogo, mas tem muito a ver com ele ter fodido a agenda do meu canal AMONG GAMERS, o que me forçou a gravar mais de 20 episódios de um jogo que no máximo merecia seis.

Honestamente, parece até que lá pro final os devs desistiram do jogo. Os sprites dos inimigos de Sky Chase são muito feios e sem graça, as músicas perdem o brilho e parecem só… sons, e a fase final esbanja de assets de Chemical Plant que é, sabe, uma das fases boas. Isso é insano porque Sonic 2 é LINDO, não decepciona em quase nenhuma trilha e do nada fica tão… pobre, sabe?

No final, só posso imaginar que a aventura toda é como uma grande mensagem anticapitalista. Metropolis, Sky Chase, Wing Fortress e Death Egg são fases majoritariamente mecânicas e robotizadas, e sua presença diabólica e rançosa suga os nutrientes da natureza, destruindo o jogo todo quanto mais você precisa resetá-lo. É como se Sonic fosse lançado de volta ao início do mapa após sua derrota, e precise rejogar pelo que sobrou da sua mística jornada pelos ecossistemas de West Side Island

Faz até um tempo que não escrevo um texto revoltada assim. Me lembra de um passado distante. Se eu não estivesse gravando pro meu canal e jogando multiplayer (divertido pra caramba, tá?), talvez eu nem estivesse falando sobre esse jogo agora. Acho ao menos interessante como um jogo pode deixar até as melhores fases sem graça por um sistema de vidas incompatível com as fases ruins no final. Enfim, acho que já me estendi demais. Espero trazer memórias mais positivas para compartilhar depois da minha visita à Angel Island. Até lá, boa noite!