O culto ao Super Mario como um ídolo irreverente da cultura pop foi algo construído ao longo das décadas. Porém, não parecia afetar os jogos da linha tridimensional além de algumas pequenas referências, ao menos até agora…
Super Mario Odyssey é um jogo lançado em 2017 (são muitos anos atrás!) para Nintendo Switch. Nele você passa pela odisseia do Mario, e que não tem nada a ver com o filme de 1968; 2001 — Uma Odisseia no Espaço, mesmo compartilhando da palavra Odisseia! Apesar disso ele meio que tem a ver com o clássico poema “Odisseia” de Homero, pelo menos no sentido etimológico da coisa, já que o Herói que dá nome ao conto, Odysseus, realmente viveu poucas e boas em seus contos. Apesar disso, dele nunca ter sido um encanador ou ter enfrentado um dinossauro com o poder da impulsão de sua perna com a ajuda de um fantasminha camarada em seu chapéu. Então parabéns ao Super Mario!
A ideia de transformar uma aventura do Mário em odisseia pode soar como algo de uma magnitude sem tamanhos ao mesmo tempo que uma celebração ao Mario e sua história como um mascote. Todavia, Super Mario Odyssey é uma celebração à máxima do mítico senso do que um jogo de vídeo game deveria ser e obviamente o Super Mario representa essa simbologia messiânica.
Aqui não existe a dor, o sofrimento; a morte soa como uma pequena pedra no caminho e não como uma punição. O próprio ato de andar pra lá e pra cá é oprimido pela presença exponencial das luas, moedas e itens a coletar.
Esse jogo é gostoso de jogar e isso é inegável, tem uma movimentação extremamente fluida e você está constantemente recebendo cargas de serotonina no cérebro já que a única maneira que Super Mario Odyssey consegue trazer expressão para o jogador é com suas pequenas e fragmentadas luazinhas.
Claro, é possível argumentar que isso é manda no design dos Super Mario tridimensionais e que sempre foi isso, e meio que é. Mas existe uma razoável diferença entre o ato de coletar 120 estrelas separadas entre pausas e respiros de uma intenção do próprio design do jogo, e o turbilhão de coletáveis que são 880 Luas se esfregando o tempo inteiro na sua cara.
Mas qual é o propósito disso? Apesar do ato de transitar e interagir ser inegavelmente satisfatório, não é só isso que compõe um jogo de videogame. Falta em Mario Odyssey o carinho pelo simples ato de andar por aí, da inércia que um vídeo game se propõe a ter e até os literais sofrimentos ou tédios que jogos são capazes de provocar, e Super Mario Odyssey renega tudo isso para soar “perfeito”.
A fricção tem uma importância inerente na linguagem dos videogames, aquele simples conceito de como se transita do ponto A até enfim, o ponto B. Pense em GTA (Grand Theft Auto) por exemplo: as missões se fundamentam completamente na ciclicidade da travessia dos espaços. Como você faz isso? Andando, a pé, de carro, moto, bicicleta, avião, helicóptero! A escolha é sua. Existe um trabalho árduo destes jogos de balancear e transformar todos esses meios de transporte em algum interessante, até com pequenos sabores de gimmicks como aquelas manobras radicais espalhadas pelo mapa ou a habilidade especial do Franklin em GTA 5 de ter uma espécie de bullet time para veículos.
O próprio Death Stranding de Hideo Kojima tem como sua proposta e estrela-guia o conceito de andar pra lá e para cá e se desenvolve derivando-se disso. The Legend of Zelda Breath of the Wild e sua sequencia Tears of the Kingdom (da própria Nintendo) são jogos em que se passa mais tempo se movendo entre os pontos do que de fato interagindo com seus micro desafios e objetivos.
Meio que todos esses jogos e quiçá maioria, tem como sua bússola a dispersão do caminho do jogador ao objetivo principal. E isso tem um valor idiossincrático — afinal, são justamente nesses momentos de travessia que o jogador tem seus momentos para pensar no que os olhos não veem, mas o coração sente.
Obviamente em Super Mario Odyssey você anda, mas diferente dos jogos anteriores da franquia sua fricção se baseia em ir de Ponto A a o ponto A.1, ponto A.2, ponto A.3… e enfim terminar uma fase e novamente fazer o ponto A.1 e o ponto A.2…
A cada pequena caminhada uma lua, sem tempo para pensar ou sentir, apenas coletar e coletar até enfim concluir a quantidade mínima de luas, ou até elas se se esvaírem por completo do mapa.
Essa completa inoportunidade de soltar a mão do jogador não é algo que eu esperaria de um jogo tridimensional de Mario baseado em exploração; mesmo Super Mario Galaxy, um quase não-collectathon, se da o benefício de permitir o jogador a coletar as estrelas em seu próprio ritmo sem desrespeitar sua natureza ritualística, enquanto vai escondendo outros coletáveis, deixando essa decisão para o jogador.
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O problema também não é a quantidade de forma geral, Sonic Frontiers tem um número de coletáveis que não tem sentido com a própria proposta do jogo, afinal. Todavia, ele respeita essa proposta e respeita o espaço do jogador para soltá-lo naquele mundo, sem determinar uma noção truncada de como interagir com os seus próprios objetivos.
Mas se fosse tudo isso, eu ainda consideraria Super Mario Odyssey um jogo “bom” no meu senso mais cínico de vídeo games. Mas ainda existe algo que me incomoda nele. um falso senso de “uncanny” que ele busca evocar em sua estética, com seus personagens humanos e sua representação estereotipada das culturas ao redor do mundo.
Mesmo buscando um aperfeiçoamento do conceito de videogame, Super Mario Odyssey tenta provocar uma noção estética de que ele pode ser imperfeito e com suas próprias esquisitices, mas ele não se assume em nada nisso.
Como por exemplo o Metro Kingdom, o dinossauro Unreal Engine e o dragão Dark Souls 3 do final do jogo. Essas coisas seriam extremamente interessantes se não se aderissem tanto às estruturas e burocracias da jogabilidade de Super Mario Odyssey.
A própria cidade de New Donk City não faz questão alguma de ramificar algo de relevante na maneira que o jogador brinca de Mario, nem pelo menos tentar se desprender das estruturas de mapa ou de interação. São todas as mesmas interações que o jogo constantemente te limita a brincar, naquela pequena caixinha de um kit lego com pecinhas microscópicas do que você consideraria uma “recompensa”.
Aqui no Brasil existe aquele ditado que diz que “cada um carrega sua cruz”. Desde que eu comecei minha maratona de Super Mario 3Ds eu sempre me senti carregando a minha própria “cruz gamer” junto do Mario, o filho do deus (gamer).
Agora em Super Mario Odyssey, eu meio que sinto que minha cruz foi estilhaçada em pequenos pedacinhos de balinhas sabor tutti-frutti, ao ponto que em algum momento eu realmente acho que vou morrer de glicemia.