A polêmica atualização de Skullgirls

Em 26 de junho 2023, a equipe de Skullgirls anunciou e efetivou uma atualização no jogo (contando com a versão mobile). O intuito dessa mudança era corrigir algumas questões morais do passado que não condizem com a opinião do time atual de desenvolvimento. Começo esse texto dizendo que apoio essa decisão, mas esse assunto vai bem mais fundo que isso.

Skullgirls sempre foi um… “produto do passado”. Suas partes mais controversas (por vezes, criminosas) retratam ideias do passado — de uma época que essas coisas eram erroneamente aceitas. Adicionado à isso, muitas dessas coisas eram o motivo de jogadores buscarem Skullgirls em seus primeiros anos de vida, e até financiarem uma campanha para ajudar com seu lançamento em 2012. Isso levanta diferentes questões.

Se você caiu de paraquedas e não sabe do que estou falando, aqui vão alguns links confiáveis:
Fórum que anuncia as mudanças.
Lista de todas as mudanças.
Mas como essas duas fontes estão em inglês, também deixarei dois vídeos que mostram as mudanças visualmente, de forma mais direta.
Skullgirls censorship update (PART 1/2) – June 26th 2023
Skullgirls censorship update (PART 2/2) – June 26th 2023

Pra começar, tinham outras maneiras de resolver esse problema. Sempre tem, mas essa acabou sendo a mais viável. No início do jogo poderia ter um aviso dizendo que muitas dessas coisas são de fato retratos do passado e não representam a sociedade ou a equipe de desenvolvedores atuais. Essa é a maneira que muitas empresas optam quando trazem uma peça de arte antiga ou desafiadora, o que faz sentido. O problema é que embora Skullgirls seja de 2012, ele foi revivido recentemente com não um, nem dois, mas quatro novos personagens que muito provavelmente não serão os últimos (um deles ainda nem lançou, também). Skullgirls é reintroduzido na sociedade atual em um contexto completamente diferente do seu lançamento.

Skullgirls

Eu não concordo com as pessoas que dizem que Skullgirls está tentando agradar a quem não se importa com o jogo — eu mesma sou uma fã de longuíssima data dele. Conheço Skullgirls desde 2014, e naquela época eu também não via problema em diversas dessas coisas. Não só pela sociedade mas por ser mais nova. Mas tanto eu quanto grande parte da comunidade cresceram. A sociedade mudou, e também mudamos como pessoas. Essas coisas em Skullgirls de fato me incomodam e dificultam retornar para um jogo que eu amava tanto por outros motivos, como a gameplay e arte. Mais do que isso, é um problema para a equipe que desenvolve o jogo, porque eles também querem que mais pessoas joguem Skullgirls e vão continuar trazendo conteúdo novo pra manter o jogo vivo.

Nisso, a questão de preservação da arte é levantada. Em primeiro lugar, qualquer jogo atual, que você tem digitalmente, está suscetível à alterações. Isso é real para jogos como Smash ou Guilty Gear. Remover, adicionar ou alterar algo pode e vai acontecer nesses casos. Mas Skullgirls é diferente. É um jogo que existe há quase uma década e foi criado para um público que, concordando ou não com as decisões atuais, pediu por ele. Skullgirls 2nd Encore, como vocês conhecem, ainda existe. Preservação de arte é muito mais profunda do que se pode imaginar.

Não preciso dizer que existem maneiras de conseguir versões anteriores de SG na internet, assim como um mod provavelmente vai recuperar muitas das coisas que foram alteradas. Isso é inevitável, e uma maneira viável de preservar jogos. Por que a equipe de Skullgirls não fez dessa alteração algo selecionável, ou não relançou como, sei lá… 3rd Encore pra manter a forma original intacta? Bem… pra essa última, não sei, concordo que realmente seria melhor um jogo novo. Apesar disso, Skullgirls não é mais um jogo do passado, e o time por trás quer empurrá-lo para o futuro. E essas coisas não condizem com a visão da empresa atualmente, ou com a sociedade atual, e talvez até com pessoas que buscavam esse tipo de coisa no passado e mudaram de opinião.

Eu concordo, algumas mudanças são desnecessárias. Coisas como a remoção de violência podem ser boas para abaixar a faixa etária mínima do jogo ou algo assim, mas provavelmente não vai já que Skullgirls é… adulto, de certa forma. Mas você não vai me olhar no rosto e dizer que a calcinha de uma menor de idade ou um personagem dizer a N Word não são mudanças justas, e eu sei que muitos concordam comigo mesmo. Essa não é exatamente a preocupação.

Ainda assim, a essência do jogo não exatamente mudou. Essas pequenas alterações não constituem 1% de Skullgirls; se você quer ver peitos e bunda… aí estão. Ainda tem temas mais sérios (embora tenham removido algo importante da campanha do personagem Big Band), o combate continua sendo um dos melhores de todo o gênero, e a arte da obra ainda é detalhada ao extremo com bastante cuidado. Se você gostava de Skullgirls por essas coisas, elas ainda estão lá, mesmo que você não concorde com algumas alterações. Mas a mudança não é sobre manter uma imagem — os criadores estavam insatisfeitos com a representação de coisas que não eram moralmente corretas. Na visão deles, o jogo foi melhorado sem tirar nada do que faz Skullgirls especial… mas isso é debatível.

Muita gente de fato jogava Skullgirls pela sexualização, e o jogo foi inclusive pensado com isso em mente. Não acredito que essas pessoas são inerentemente ruins, embora não tenha como defender sexualização de menores nem em ficção, mas para essas pessoas eu digo — sua versão de Skullgirls ainda existe. Sim, poderia ser de maneira oficial, mas você precisa entender o lado da equipe também, que visa continuar o desenvolvimento de SG por mais tempo. Não é correto na visão deles e também não seria efetivo se eles deixassem você desligar esse conteúdo (como eu disse, uma solução melhor era lançar outro jogo), porque não faz sentido dizer que algo não é certo mas ao mesmo tempo deixar o conteúdo ainda disponível, mesmo que de forma opcional. Tudo sempre volta pra um fato — se você buscava em Skullgirls o que foi removido, o jogo atual não é pra você. Mas não é como se tivessem arrancado o Skullgirls que você gosta das suas mãos, você AINDA pode ter ele. Seja por um mod ou por outros meios. A arte foi preservada, embora não pelos seus criadores. Isso vem apenas da posição moral deles, é saudável respeitar essa decisão.

O fato dessas mudanças terem ocorrido pode não ter feito uma diferença gritante, mas ajuda a apagar ou diminuir problemas reais na sociedade, e também fazem desse jogo mais confortável para que outras pessoas se aproximem dele como um jogo de luta. O que Skullgirls é mudou com o tempo, e também mudou na cabeça das pessoas. Skullgirls não é mais o “jogo hentai”, e se você quer que ele seja, você sabe em que sites ir. Mas explodir a Steam com reviews negativas não é a solução ou a coisa certa. O que o time de Skullgirls fez foi um passo na direção certa, e não é muito diferente de um patch que muda parte da gameplay. Na verdade, é até menos impactante historicamente.

Você pode realmente não gostar mais de Skullgirls, e tudo bem. Você pode não querer apoiar o projeto daqui pra frente e isso também é okay. Mas não é justo dizer que o jogo foi arrancado de sua comunidade, porque o contéudo removido ainda existe e vai continuar existindo. A identidade antiga de Skullgirls ainda está aí, se você entrar em alguns lugares da internet você vai ver essa parte que hoje em dia não é o que o jogo representa. Todos nós temos a capacidade de mudar e crescer, então em um jogo recente essas mudanças serão refletidas. Não, não acho certo que retornem em jogos antigos e mudem as partes ruins dele do nada, também prefiro que façam algo novo ou deixem um aviso. Mas Skullgirls, atualmente, não é mais um jogo antigo. Essas mudanças não vão agradar todo mundo (isso ficou bem claro), mas elas merecem respeito pelo que representam.

Ainda assim é possível que, na sua visão, esse último patch represente algo ruim para a preservação de arte, mas se você quer o jogo exatamente como era também não seria certo lançar personagens novos ou fazer mudanças de mecânicas radicais, não acha? Já que não é a imagem original de anos atrás. Eu concordo com isso em partes. Como eu disse, seria melhor se o Skullgirls atual fosse outro jogo mesmo que tenha a mesma gameplay e história. Mas eu não concordo com esse “boicote” contra o jogo. É até irônico que isso esteja acontecendo, como as pessoas se mobilizam para certos assuntos e para outros não… mas isso não é um assunto pra esse texto.

Quando se fala de preservação, você obrigatoriamente vai entrar em zonas morais mais obscuras, normalmente em relação à palavra que começa com P e termina com A, então isso não é nenhuma novidade. Não foi a melhor maneira de lidar com a situação, mas não foi uma ruim. Me sinto muito mais confortável jogando e recomendando Skullgirls para meus amigos, porque tudo que eu amo nele ainda está lá e, embora algumas pessoas não queiram admitir isso, as coisas que você gosta no jogo talvez ainda estejam lá (a não ser que seja roupas íntimas de menores de idade, isso eles tiraram). Em suma, o Skullgirls atual é um jogo diferente, para um público tanto novo quanto antigo que concordam com as decisões atuais. Ainda é possível ver o que SG era antes, mas seguindo em frente a equipe da Future Club (nome muito bem pensado para essa situação) vai continuar fazendo do seu ÓTIMO jogo de luta uma experiência ainda melhor e que represente as pessoas por trás da obra.

E… isso seria tudo que eu teria para dizer, mas tem mais um lado. Skullgirls não é apenas um jogo de luta tradicional, ele também tem uma versão mobile. Por que ela seria relevante? Pois é, ela muda bastante sobre a discussão. Pra começar, a versão mobile de Skullgirls sempre teve censura. Muitas das coisas que estão na Steam atualmente estavam na versão mobile antes mesmo da troca de estúdios (já falo mais sobre). Você pode argumentar que essa não é a versão real de Skullgirls, e eu concordo, mas a popularidade da versão para celular é exponencialmente maior do que a dos consoles e computadores. Essa versão também faria o ótimo trabalho de apresentar pessoas ao Skullgirls original, o jogo de luta estilo Marvel VS Capcom que nós conhecemos. Mas tanto eu quanto meus amigos já vimos pessoas que reclamam do conteúdo que foi retirado no último patch quando ainda estava lá.

Pode ser difícil acreditar, mas um número gritante de pessoas conhece Skullgirls pelo celular e sempre viu o jogo de outra forma. Tem muita gente que não conheceu Skullgirls pelas coisas que foram removidas, isso é óbvio, mas que também não gostam da sexualização de menores ou o conforto em mostrar símbolos nazistas em personagens principais que estava presente na versão “definitiva”. Tudo que eu disse até então se mantém, mas uma coisa precisa estar clara: essa atualização é algo que muitas pessoas queriam. Pessoas que amaram o jogo pelo celular e queriam amar ele ainda mais pela versão dos consoles e PCs, mas que se sentiam desconfortáveis com ela. A imagem do que é Skullgirls na mente de seus fãs já mudou há muito tempo, não só pelo crescimento do público com o tempo mas também pelas novas pessoas que vieram dos mais de 10 milhões de downloads na Google Play. O argumento de que o time tá “tentando agradar a cultura woke que nem liga pro jogo” é uma grande mentira.

Skullgirls

Mas a retaliação absurda na Steam não veio só disso. Skullgirls agora é desenvolvido pela Future Club, que consiste de muitos membros da antiga Lab Zero. Por que o nome mudou? Porque o antigo diretor Mike Z fez merda, simplificando. Houveram muitos problemas internos na troca dos direitos da propriedade intelectual do jogo, não dá nem pra imaginar o tipo de perrengue que o time enfrentou desde as acusações de assédio pelo ex-CEO da Lab Zero, e é um milagre que Skullgirls ainda exista atualmente. Mas quando houve essa troca, uma parte pequena da comunidade (mas bastante ativa) não tinha muita fé no grupo. Todo mundo provavelmente teve motivos diferentes, mas as suas “suspeitas” foram confirmadas quando a personagem Annie foi anunciada e tivemos que esperar mais de um ano pra sequer ter notícia sobre o jogo.

Isso provavelmente teve a ver com a troca de empresas, porque a Future Club ainda é um estúdio indie e não uma empresa multi-milionária. Quando um abalo tão forte na estrutura acontece, eles vão precisar de tempo para se reajustar e o desenvolvimento fica conturbado. Muita gente culpa o time novo e desvaloriza o trabalho deles por conta disso, e essa última atualização acabou por agravar mais a revolta desse público (e de algumas outras pessoas também).

Mas atualmente o desenvolvimento de Skullgirls é saudável, constante e sempre próximo à comunidade. Muitas streams sobre a produção do jogo são feitas, normalmente desenhando personagens e esse tipo de coisa, assim como a Future Club é bastante ativa nas redes sociais quando o assunto é SG. É muito triste ver o que alterações tão supérfluas acabaram causando na comunidade, mas isso aconteceu em um mau momento pra piorar a situação.

Um dos tweets recentes

No fim, espero que esse texto tenha trazido alguma informação nova ou uma perspectiva interessante sobre a situação. Skullgirls por agora está 5 reais na promoção de verão da Steam. Se tiverem interesse no jogo eu o recomendo de verdade. Não leve as reviews ruins como regra, todas elas são sobre mudanças minúsculas que não alteram a gameplay de nenhuma forma. Boa noite.