Super Mario 64 é um jogo que dispensa qualquer apresentação. É um dos jogos mais importantes já lançados e deixou um legado gigantesco em diferentes âmbitos. Recentemente, SM64 também foi responsável por popularizar vídeos de iceberg, dos quais você já deve ter visto um ou outro. O iceberg pouco importa hoje, mas o ressurgimento desse tipo de discussão por trás do mesmo jogo não é uma coincidência.
Desde o lançamento esse é um jogo misterioso. Toda a progressão e level design é baseado na exploração e descobrimento, mas diferente de um collectathon comum, as coisas estão escondidas de maneiras um pouco menos óbvias. Jogando pela primeira vez você vai encontrar alguns dos segredos, mas não todos, e isso naturalmente te deixa mais interessado em sempre descobrir coisas novas sobre o jogo. Isso por si só traria uma grande discussão, mas não é só isso.
Essa natureza misteriosa, desde os anos 90, gerou muitas lendas urbanas e perguntas sobre o jogo. Mas a verdade é que não foi só o que estava dentro de Super Mario 64 que fez dele tão interessante nesse tipo de assunto. SM64 também é notório por ser um dos primeiros jogos completamente em 3D em consoles, pioneiro em diversas coisas, mas também sendo a primeira experiência 3D de uma maioria avassaladora de pessoas na época e até depois, eu estou inclusa nesse grupo. Como o nome 3D sugere, é realmente uma dimensão nova na mente de todo mundo, algo inimaginável há pouco tempo atrás. Por ser uma das primeiras tentativas também, é um jogo que possui uma aura “diferente”, e tudo nele parece um sonho por um milhão de razões.
O fato de ter sido um dos primeiros jogos 3D para muita gente, ou até o primeiro jogo em geral, significa que suas memórias sobre ele são bem… antigas. E é natural que suas memórias de infância ou da pré-adolescência se “modifiquem” com o tempo. Enquanto a mente de uma criança é formada, tudo à sua volta contribui para a construção do seu cérebro, e por conta disso lembranças podem se misturar com acontecimentos paralelos, com sentimentos ou histórias. Um fenômeno bastante conhecido é a possibilidade de um dos seus amigos de escola ter desbloqueado um personagem secreto em um jogo que mais ninguém viu, ou coletar uma estrela a mais em SM64 que nenhum outro do grupo achou (talvez esse até seja verdade, tem 120 no jogo mas nem toda criança sabia disso, só precisa de 70 pra zerar). As histórias de como jogar com Luigi datam da época do lançamento de Super Mario 64, e muitas das pessoas que contavam essas histórias de fato acreditavam no que diziam. Essa parte misteriosa do nosso cérebro é muito interessante.
Não só suas memórias reais se misturam com outras, mas sonhos também influenciam nossa visão sobre algo. Eu tenho fé que 90% das pessoas que jogaram Super Mario 64 no passado tiveram algum sonho relacionado ao jogo. Eu já expliquei o porquê disso então não vou me repetir pra não deixar vocês entediados, mas isso é algo extremamente comum e por vezes recorrente. Eu mesma tive muitos e muito sonhos com esse jogo, afinal, é uma parte muito importante da minha infância e da minha vida atual também. O mundo dos sonhos é muito pouco explicado pela ciência, o que é até bizarro, mas todos sabemos como nossos sentimentos se tornam conturbados dentro deles. Usando coisas que conhecemos, vimos ou lembramos (as vezes que até esquecemos), a nossa cabeça cria pequenos filmes que vivenciamos como se fosse a vida real, mesmo que eles não tenham sentido lógico. É óbvio que o primeiro jogo 3D da sua vida e toda a magia bizarra dos seus mistérios entram na sua cabeça, e as músicas, lugares e acontecimentos em geral podem se distorcer para te trazer essas novas imagens que você ainda acha familiar. Com o tempo, mesmo que você esqueça um sonho, ele pode ficar no seu subconsciente, e se fundir com as suas memórias que já podem estar meio embaralhadas.
Uma creepypasta popular é a clássica “todas as cópias de Super Mario 64 são personalizadas”, que surge para dar uma razão fictícia do porquê tantas pessoas tem memórias diferentes sobre o mesmo jogo. Segundo a lenda, a Nintendo implementou no jogo uma inteligência artificial, que adiciona ou remove conteúdo, além de alterar o que está no jogo, personalizando cada cópia para seu jogador. Esse tipo de coisa de fato existe e atualmente seria muito interessante ver um jogo baseado apenas nesse conceito, mas os Resident Evils atuais, por exemplo, possuem uma mecânica de balanceamento de dificuldade usando esse mesmo conceito. A questão é que esse nível de tecnologia seria impossível para a época e sabemos que não existe essa AI dentro do jogo, embora seja uma explicação realista para tudo isso.
Mas o que isso tudo tem a ver? Esse um monte de coisa que eu falei se relaciona de maneiras direta ou indireta, mas tudo isso faz parte do enorme legado de Super Mario 64 e da percepção das pessoas quanto à ele. É justamente por essas coisas que os vídeos de iceberg são tão populares, e muitos outros jogos sofrem de fenômenos similares. O jogo que mais me trouxe esse tipo de sentimento nem sequer foi Mario, mas Shadow of the Colossus, provavelmente o primeiro hiperfoco que eu tive. É só que SM64 afetou mais pessoas, por sua popularidade, influência e por ser o primeiro em muita coisa.
Em 2020, ocorreu um evento nomeado “Gigaleak”. Um vazamento de informações gigantesco de diferentes jogos da Nintendo, e, é claro, Super Mario 64 estava no meio. Não só temos acesso ao código inteiro do jogo, mas informações absurdas que respondem mistérios de décadas enquanto criam novos. Inimigos deletados ou que ainda estão nos arquivos, fases, builds antigas, músicas, Luigi!!! Foi um momento histórico na minha vida… e, uhh, acho que pra comunidade inteira também. Uma curiosidade muito foda: Luigi foi encontrado 24 anos e um mês após o lançamento de SM64. Uma das lendas mais antigas é o “L Is Real 2401”, que trata-se de uma leitura bastante precária de uma textura do jogo. 24 anos, e um mês! É claro que não é coincidência, mas uma ideia incrível. Não dá pra saber quanto tempo essas informações estão guardadas esperando para serem lançadas, agora que temos certeza de que a data foi selecionada à dedo. O que nos leva ao assunto de hoje: Build 3313.
Progressão baseada em segredos, memórias falsas, sonhos, personalização, conteúdo beta… B3313 é o resultado de tudo isso. Uma carta de amor para uma das partes mais enigmáticas de Super Mario 64, mas, ao mesmo tempo, uma experiência única e incomparável, algo que você não vai achar em outro lugar. Para esse mês de outubro e o Recanto do Sustão, não tinha nada melhor para falar sobre.
Essa introdução foi bem difícil de escrever. É complicado falar sobre todos esses assuntos em tão pouco tempo, sem entrar a fundo em nenhum deles, mas tudo era necessário. B3313 é um hack de Super Mario 64 que consegue cumprir inúmeras coisas de uma vez só, e todas elas se conectam. Tudo que eu expliquei até agora é importante para esse jogo.
Primeiramente, B3313 conta com todo o conteúdo beta conhecido de Super Mario 64 e muitas reimaginações de alguns que não temos total conhecimento. Algumas fases beta nunca foram vistas, mas nós temos parâmetros de programação da fase e daria pra ter uma ideia de certas coisas sobre ela. Seguindo esse tipo de informação, esse é o maior hack baseado em builds antigas que SM64 já teve, mas não é só isso.
Acontece que nesse jogo também foi implementada a tal “AI” de personalização. Ela de fato existe, mas nem tudo no jogo é controlado por ela. Na verdade, a progressão baseada em segredos do jogo original não só retorna aqui, mas é expandida ao extremo. Tem tantos segredos em B3313 que é muito difícil acreditar que esse jogo existe em primeiro lugar. Não só possui um mapa absurdamente gigante, como se movimentar por ele é uma experiência confusa e nada intuitiva, de propósito. Eu vou explicar isso melhor com o tempo, mas você de fato tem a sensação de que o jogo muda toda vez que você abre ele, de que salas estão sendo adicionadas, estrelas novas aparecem, e que tudo muda a cada segundo jogando. E isso é verdade, mas nem tudo é por causa da AI.
O uso de assets beta não só ambienta perfeitamente a experiência de um jogo “protótipo”, mas recupera o sentimento de sonho que Super Mario 64 tem. Você vai ver muitas coisas que de fato estão no jogo original, mas diferentes de alguma forma. São familiares, mas não é a mesma coisa e você sabe disso. Ok, acho que chega de introduções.
Essa porra de jogo conta com mais de 400 estrelas e mais de 200 áreas. Com áreas eu digo absolutamente qualquer lugar separado por um loading. Contando os Hubs, as pequenas fases secretas com uma estrela e as Courses principais, Super Mario 64 tem em torno de 30 áreas. B3313 tem 200, e o esforço absurdo em cada uma é fácil de notar. O castelo vai te teletransportar entre áreas de maneira aparentemente “aleatória” (nem sempre é, é comum que tenha uma lógica bizarra por trás que o jogador não compreenderia sozinho), milhares de portas levam para áreas cada vez mais estranhas, e o absurdo número de fases não só traz level design divertido mas o constante sentimento de que tem algo errado.
A verdade é que B3313 não é um jogo de terror, mas ao mesmo tempo, é isso que você experiencia. O tipo de horror psicológico que Build emprega não é gerado apenas pelo que você vê, mas o que você lembra. B3313 puxa memórias antigas e pensamentos que você já esqueceu, e te causa medo e desconforto usando apenas sua própria cabeça. Naturalmente alguém que nunca jogou SM64 não entenderia o medo, apenas seria um jogo estranho. Só que, tudo isso, ainda parece uma creepypasta comum, né?
O que diferencia B3313 é a aplicação das suas ideias, que não só é criativa, mas extremamente inesperada. Todo esforço foi feito para fazer dessa experiência o pesadelo mais bizarro da sua vida, sem essencialmente fugir da sua ideia principal. Acho que fica mais fácil começar com um pouquinho de narração…
Assim que você abre o jogo e vê a cabeça gigante do Mario já consegue dar uma olhada na sua “nova” voz, que é bem mais Rayman do que Mario. Iniciando um save, o jogador é atirado de uma vez para fora do castelo, sem cutscenes, apenas uma caixa de texto que começa com “Welcome to Mario Wonderland.”, e então convida-o para entrar no castelo.
O elemento de “Beta” de SM64 já é facilmente notável. A HUD é totalmente diferente, com letras coloridas (e feias), uma barra de vida bizarra e um ícone de vida diferente pro Mario. O exterior do castelo também tem texturas diferentes e até uma geometria mais rudimentar. Você pode notar também que falta o buraco do canhão perto do lago. Também dá pra escutar melhor a voz do Mario, agora que você tem controle sobre ele. Essa voz é terrível, não traz personalidade pro personagem e não é nada original mas… é muito engraçada. Não é a dublagem do Martinet mas eu passei a gostar dessa voz bizarra com o tempo. Fico feliz que não tivemos ela no jogo final — puta merda o mundo seria diferente se Mario falasse como Rayman, né? Mas ainda dá pra se divertir.
Se você explorar o exterior do castelo antes de entrar nele, talvez note algo muito peculiar. Os fundos agora são uma área, e não só uma parede. De fato tem algo atrás do castelo! Mas se você jogou Super Mario 64 deve saber que nos fundos do castelo tem a fonte e os fantasmas, certo? Então isso não existe mais? Já falo sobre. A questão é que tem uma espécie de “praça” aqui atrás, com uma estátua de Toad dourada no meio. Tem uma porta dos fundos para o castelo e no fim dessa área um corredor com mais uma porta. Yoshi também está aqui! Ele te dá boas vindas mas pede pra que você não cheque o buraco do lado dele, um túnel escuro que aparentemente não vai à lugar algum. A placa do lado do seu amigo diz “Mas não adianta te avisar, né?”. Nesse momento no jogo a porta dos fundos do castelo, a porta no fim do corredor e esse túnel são inacessíveis. Você não pode usá-los por algum motivo, e quando você eventualmente puder, o jogo não vai te avisar. Você só… vai.
Debaixo da ponte principal também tem mais algumas coisas. Um buraco no chão e outro na parede, também inacessíveis, e no lugar onde fica a saída da fase do Vanish Cap também está aberta, mas não leva a lugar algum. Todas essas entradas logo vão estar disponíveis, e quero que prestem atenção o tanto de maneiras diferentes que você tem de entrar no castelo. Três portas, três buracos, um túnel… e por agora você não deve descobrir isso, mas tem uma fase do outro lado do rio e uma passagem secreta entrando na imagem gigante na frente da construção (que não é a Peach, e sim um relógio nada a ver).
O interior do castelo é todo diferente. De fato tem quatro portas que levam para quatro quadros diferentes, mas não só o visual mudou absurdamente mas falta muita coisa aqui. A escada não é bem uma escada, mas uma série de plataformas pra subir saltando. Não tem uma porta de estrela na esquerda nem o Slide na direita, e a porta do meio não está bloqueada por uma chave. De resto, tudo ainda está aqui mas mudou de lugar. O quadro da esquerda te leva para “Cool, Cool Mountain” (entre aspas, óbvio), ao lado dessa tem uma porta que leva para “Whomp’s Fortress”. No canto direito ainda tem “Jolly Roger Bay”, e ao lado dessa… Lethal Lava Land? Lembrem-se disso: são quatro portas e o que vai ter dentro delas é meio fixo. Fase de gelo, fase de grama, fase de fogo e fase de água. Isso significa que as fases vão mudar? Bem… esperem um pouco.
Obviamente todas as fases são “Beta”, mesmo que não temos informações de como seria a fase completa tudo aqui é baseado em informações reais e vende perfeitamente bem o sentimento de níveis inacabados. Eu poderia falar um pouco sobre cada um desses quatro quadros aqui, mas não vou. Não ia demorar muito mas não é por isso. A porta do meio, em cima da “escada” te leva para a sala do Bowser, que como de costume, é um quadro dele com um chão falso na frente. O chão falso te leva direto para a arena com o chefão, e embora ela seja um pouco diferente, a batalha continua igual. Ao vencer, você ganha uma estrela vermelha, e quando você pega, é teletransportado pra puta que pariu.
Daqui pra frente, você vai ficar bem confuso. A estrela vermelha não conta no seu contador, ela é, na verdade, uma espécie de “chave”. Pegar uma estrela vermelha aqui te dá um novo movimento para o Mario (detalhe: você começa com quase nada, só soco, dive e triple jump), mas também libera muitas entradas do castelo… como quase todas que estavam barradas até agora! Mas em nenhum momento o jogo te diz isso. B3313 não te explica nada e essa é a melhor parte dele.
Se você conseguir encontrar o Lobby principal de novo, talvez se sinta aliviado, mas existe uma grande chance de, ao entrar em um quadro, ir parar em outro lugar nada a ver. Se não pesquisar você não vai entender nada, mas o que acontece é que tem mais de cinco versões do Lobby principal, quatro delas podem ser acessadas já no início. Lobby A até D possuem fases diferentes e cada porta leva pra outro lugar. Se não me engano, sair do castelo no Lobby D deixa o exterior à noite. Você pode descobrir que Lobby você tá pela segunda porta da esquerda pra direita, que vai ter um número diferente em cada Lobby (de 1 a 3). Mas no Lobby D não, isso é porque pra chegar nele você precisa entrar no C e então abrir a porta da fase de gelo à esquerda, o que vai te dar a impressão de que você deu a volta na sala e apareceu no mesmo lugar mas não é verdade, embora pareça a mesma sala, você acabou de entrar em outro Lobby principal.
Pra mudar entre os Lobbies você pode usar a opção de Fast Travel do menu de pause, ou só entrar e sair do castelo. Também dá pra fazer isso olhando para o telhado em alguns dos Lobbies (mas não no A). Lembra quando eu disse que tinha mais de 200 áreas diferentes? Legal! Você acabou de ver… quase 20! Contando com as fases que jogou também. Cada sala no castelo conta com um número absurdo de portas e passagens secretas, com muitas pinturas que levam para diferentes fases, paredes invisíveis, teleportes escondidos e etc. Também é extremamente comum que uma entrada possa te levar para mais de um ou dois lugares diferentes, pra te confundir ainda mais.
E como você se localiza nesse castelo? Bem, é isso mesmo, B3313 NÃO QUER que você se localize. Esse jogo tem tantos lugares diferentes que qualquer coisa que você faça te leva para algo novo, e talvez você nunca mais encontre certas salas enquanto estiver jogando por essa natureza. Tem tipo uns cinco labirintos só no castelo (talvez até mais), isso sem contar as fases que são labirintos também. É extremamente comum uma mesma área levar para dez outras (sem exagero), e até pegar uma estrela ou morrer em determinado lugar te leva a outra área nada a ver. Nada é aleatório, tudo foi programado pra acontecer assim, mas não é isso que o jogador pensa.
Cada segundo em B3313 realmente te faz pensar que o jogo está sendo gerado aleatoriamente, que existe uma inteligência artificial mexendo os pauzinhos e mudando tudo. Existem muitas maneiras diferentes de mudar o mapa em B3313 e todos estão escondidos do jogador. De fato existe uma AI mas a maior parte das diferenças acabam acontecendo no seu progresso, como quando você pega determinada estrela, vê algo diferente, ou… espera 35 segundos no menu principal e muda o jogo de ACT0 pra ACT1 efetivamente adicionando umas 15 estrelas e mudando diálogos dispersos por aí. Quanto mais você joga é até normal que você PERCA FEATURES como recuperar HP automaticamente ou DIMINUIR A ALTURA DO MARIO, só porque você tá jogando de alguma maneira que a AI não gosta. No meu save atual, sem perceber, eu acabei entrando no Hard Mode. Eu nem sabia disso e só descobri quando pesquisei algo nada a ver e vi que o Hard Mode existia, e que eu tava nele. Você sequer nota essas coisas mas quando notar, não vai fazer ideia do porquê aconteceu. Parece que eu to destruindo a diversão nesse texto mas eu não falei nem 5% das coisas que tem em B3313 pra ver.
Todas essas coisas contribuem para que não só o jogo pareça um sonho, como traga diversas memórias falsas e pensamentos obscuros do seu passado, enquanto te dá uma experiência como nenhuma outra em qualquer jogo. O mapa do castelo é insano e cada descoberta é muito divertida, mas a música assustadora e a atmosfera de que tem algo errado brincam com seus sentimentos o tempo todo. Tem até alguns jumpscares por aí, mas eles são extremamente raros por conta do mapa ser tão gigantesco.
Em B3313 você vai encontrar um quadro que pode te levar até seus piores pesadelos, um cemitério de enguias, uma Bob-Omb Battlefield coberta de neve, cidades inteiras que você pode inundar por pura crueldade (e uma estrela), salas com texturas aleatórias jogadas pra te confundir, uma versão fucked up do quadro de Jolly Roger Bay que simplesmente te leva pra uma fase de água normal e family friendly, diversos personagens e placas que falam as merdas mais absurdas, faces familiares em pessoas desconhecidas, aquela viagem à praia de quando você tinha seis anos e achou que ia morrer afogado quando na verdade a água nem dava no seu pescoço, aquela vez que o vento soou por um objeto de um jeito um pouquinho estranho e parecia uma voz, e também da manhã que você olhou pra janela e a cortina fez a sombra de um lobo demoníaco e sua mãe tinha certeza de que você presenciou o diabo… está tudo aqui. Esse jogo te conhece.
Essa é uma daquelas experiências que você não vai entender até ver com os próprios olhos, mas ao menos você vai notar tudo em poucos minutos jogando. Então acho que fiz tudo que podia pra explicar o porquê dessa ser uma obra tão única, mas eu ainda quero falar sobre algo nada importante que eu só quero dizer porque é meu trabalho. Gameplay!
No início da história, Mario não tem muita coisa. Ele tem um pulo, Double Jump, Spin Jump, Ground Pound e soco. Ele pode usar o sideflip mas ele começa horroroso. Todos os movimentos dedicados ao Z Button exceto Ground Pound não existem, mas a verdade é que apenas dois movimentos realmente importantes estão barrados, o Long Jump e uma adição de B3313: Somersault Slide. Ao invés de usar o Slide Kick pressionando Z e B, Mario vai dar um salto mortal baixo e quando cair no chão, cairá sentado. Não parece muito bom de primeira, mas isso anula qualquer dano de queda que você poderia tomar. Dá pra se jogar de qualquer altura; se tiver chão, você tá seguro.
A movimentação do Mario, por isso, é quase igual, mas os moves normais dele mudaram um pouco. Agora ele pula mais alto, dando mais facilidade no controle do primeiro e segundo salto. O Ground Pound agora é instantâneo. Por um lado fica mais difícil acertar inimigos ao lado do Mario, mas muito mais fácil pegar qualquer coisa embaixo dele que é… como um Ground Pound deveria funcionar. Não é tão legal quanto o original, mas traz a vibe de algo “beta”. Assim como nas betas de Mario 64, o triple jump meio que não existe porque ao invés disso, Mario faz o Spin Jump. Ele pode te levar pra muitos lugares que seriam normalmente inacessíveis, sendo uma boa mão na roda, mas também é bem inconsistente em qualidade. A câmera tem dificuldade pra seguir ele, e enquanto Mario está girando é difícil controlar ele também. E quando ele chegar em algo, não pode segurar nas plataformas então você tem que realmente pisar no chão. Também não dá pra usar Wallkick com ele, mas depois que você pega estrelas vermelhas seu sideflip volta a ser foda e você pode usar ele nos Wallkicks.
O level design das fases é muito criativo e estranhamente original. Muitas fases são reimaginações dos conceitos originais, como se os desenvolvedores de Super Mario 64 estivessem fazendo mockups de possíveis fases usando temas comuns, mas ainda assim elas são muito originais. Quer dizer, nós nunca vimos o interior de Whomp’s Fortress, e se tem fases que você pode entrar lá é óbvio que o design é original. Mas mesmo lugares que já conhecemos contam com ideias diferentes que ainda remetem as originais pra dar um senso de estranheza, mas são fases originais. Também tem o caso de níveis criados completamente do zero e eles são muito fodas.
É interessante como os estágios, em gameplay, continuam trazendo a fluidez de Super Mario 64 como sempre foi. Usar a movimentação do Mario em novos ambientes que ainda remetem os antigos é bem interessante, e também é legal explorar as fases novas. Tem fases originais o suficiente pra considerar B3313 algo como Star Road ou Last Impact na ideia de dar uma campanha nova, mas ainda assim, o conceito por trás desse é completamente diferente.
Por fim, espero ter despertado interesse em alguém pra testar esse jogo. É bem viciante e tem muita lore por trás também, coisas que eu não falei sobre pra não estragar a surpresa. Se forem jogar, aqui vai uma recomendação de lugar legal: quando eventualmente ativarem a Wing Cap Switch, atrás do castelo tem uma janela falsa que, dentro, abriga um Wing Cap. Você pode usar ele para voar até o relógio na frente do castelo, entrando lá vai passar por umas três salinhas vazias (mas bizarras) e então vai parar em um labirinto. Esse labirinto é impossível de se localizar e toda vez que entrar aqui você deve sair em um lugar diferente do castelo, então é uma ótima maneira de expandir seus horizontes!
Então, o texto tinha acabado nesse exato parágrafo. Pronto pra edição, já tinha até repassado pra Lily, mas no exato dia que íamos editar eu tive um sonho. Era de tarde e eu tinha só me deitado pra dormir um pouco, por motivo nenhum eu só gosto de ver ASMR e dormir por meia hora. Isso é a parte real da história, e eu estou escrevendo isso no mesmo dia que aconteceu. Naquela hora ainda tinha sol no céu, só depois foi ficar nublado, então eu acabei dormindo. Foi aí que eu acordei, e percebi que tava jogando B3313 no meu Switch. Eu estranhei a parte do Switch mas aceitei na boa, porque tudo tava certinho. O cenário era meu quarto, o sonho se passava alguns minutos depois de eu ter me deitado, o sol ainda tava no céu. É um dos poucos sonhos sobre Mario 64 que eu vividamente sou eu mesma e estou jogando.
Eu tava com muito sono (e preguiça) porque tinha acabado de acordar, provavelmente peguei no sono enquanto jogava deitada. Mario tava no lado de fora do castelo, na parte dos fundos perto da estátua do Toad. Eu fechei os olhos por alguns segundos, acho que cochilei um pouquinho, e dez segundos depois abro os olhos e Mario está em outro lugar. Eu legit pensei “caralho tinha um warp nesse lugar e eu não sabia?”. Eu consigo descrever todos os cenários que Mario vê. Esse era uma espécie de jardim, e Mario tava numa ponte de tijolos azuis. Só que em volta dele tinha só água, e paredes. Realmente uma estrutura bem B3313. Lembrando que nessa hora eu tava me esforçando pra me sentar e continuar jogando, relutando entre voltar a dormir e continuar viva, então eu só tava apertando pra frente no analógico. Mario subiu a ponte (tinha uma escada) e entrou em uma porta.
Do outro lado da porta tinha uma sala de tijolos marrons, uma textura que de fato existe no jogo. No meio da sala, flutuando no céu, um prisma pequeno. É o mesmo prisma que lança fogo em você nas fases do Bowser e em Lethal Lava Land, mas pequeno e com textura de outro objeto do jogo. De novo, B3313. Como eu já tava apertando pra frente o Mario só seguiu andando, e no fim da sala tinha uma parede de pedra. Literalmente pedra. Mario abriu a pedra como se fosse uma porta (isso tem em B3313 também, muitas paredes são portas), e acabou parando em uma outra sala muito memorável.
Essa sala começava em um corredorzinho, o corredor era uma escadaria pra baixo mas no lado direito e esquerdo tinha duas pinturas. Eu não lembro bem a pintura da esquerda porque, como eu disse, até no sonho eu tava meio que quase dormindo. Mas lembro bem da direita. Na base da escada se abria um salão bem grande com chão de grama, e lá atrás tinha outro quadro. Eu não consigo descrever esse também, mas ao menos eu lembro que é um quadro exclusivo de B3313. O quadro da direita, no entanto, é o quadro de Whomp’s Fortress do jogo original. Chegando perto dele eu noto que tem dois Toads ali. Um deles está abaixo de uma escada (a escada principal levava a outra pequena escadinha) e era só um Toad. Mas o Toad de cima era uma versão extremamente simplificada de um Toad. Ele era meio que um boneco de palito com as texturas de um Toad, parecia que tentaram fazer o personagem com balões, sabe? Assim que eu subi, o Toad me disse pra não entrar no quadro porque isso e isso lá… eu pulei o diálogo. Nessa hora eu já tinha me sentado, afinal eu tava controlando o Mario de novo (apertar pra frente fez ele bater na parede eventualmente o que é um nível de detalhe absurdo pra um sonho).
Mas como é normal em B3313 o jogo te mandar não fazer coisas que ele quer que você faça (porque sempre tem estrela envolvida), eu entrei. E quando eu entrei o Mario meio que ficou preso em um loop de ser jogado pra fora do quadro e entrar nele de novo, parecia que eu tinha softlockado. Depois de um tempo a geometria da parede no canto lançou o Mario pra fora e na hora que ele saiu, o Toad falou comigo de novo dizendo que eu não podia ter entrado no quadro porque “o quadro é dele”, aparentemente ele comprou a pintura. Tinha uma placa do lado dele que dizia isso também. Um quarto do quadro ficou preto por algum motivo, aí eu acordei de verdade.
Isso foi uma experiência surreal, porque eu devo ter dormido por uns 20 minutos enquanto sonhava isso. Esse estado de estar quase dormindo é realmente algo que eu tenho bastante, então tudo parecia certo exceto por estar jogando o hack no Switch. Quando Benjamin veio aqui eu contei tudo pra ele, com o mesmo tanto de detalhes que descrevi agora. Ele disse algo interessante. Se eu não tivesse verbalizado esse sonho e falado pra ele, futuramente, essa se tornaria uma memória falsa. É completamente plausível que se eu tivesse esquecido esse sonho sem falar pra ninguém daqui uns anos eu teria ele no meu subconsciente como um acontecimento real de B3313, e nunca mais ver ele de novo faria sentido, afinal o jogo é um labirinto gigante. Eu acho que esse é o perfeito testamento do que B3313 representa, e eu continuo impressionada que esse jogo causou um efeito assim em mim.