Baby Steps — um por mim, dois por ele | Análise

Baby Steps — um por mim, dois por ele  Análise

ou: bebê, cair, levantar

Baby Steps é a intrigante colaboração entre Gabe Cuzzillo, Maxi Boch (ambos de Ape Out), e Bennett Foddy (de QWOP, Getting Over It, Ape Out, etc!). Um walking simulator no sentido literal, onde para andar você deve colocar um pé na frente do outro. É um rage game, o gênero feito para tornar sua vida difícil de propósito. Existem diversas encarnações do gênero, mas Foddy é particularmente adepto à criação de mecânicas de movimentação idiossincráticas e não-convencionais altamente punitivas — ele segue uma filosofia arcade extrapolada, onde a maestria do jogador define quase todo aspecto da gameplay.

um breve mapa de projetos e influências 

Baby Steps funde as forças de seus três diretores tão bem que julgo importante delinearmos seus traços e disparidades antes de falarmos do jogo em si.

Getting Over It with Bennett Foddy, de 2017, virou uma sensação no mundo de streaming que gerou diversos outros jogos com a mesma estipulação: suba um monumento. A pegadinha é que não existem checkpoints. É um jogo bem curto; ir de seu menu aos créditos leva uns 10 minutos se não houverem erros. Mas, né… cair requer que você refaça enormes seções, e por vezes o jogo inteiro. 

Getting Over It with Bennett Foddy (2017)

Eu levei oito horas pra chegar ao seu fim. Caí muito, o suficiente para a narração pensativa de Foddy cessar completamente nos pontos onde tive maior dificuldade. Até peguei o final ruim inicialmente, onde você prende seu martelo do outro lado da torre de rádio. Normalmente você apenas sobe com medo de cair, mas eu me enganchei completamente até cair com meu corpo num lado e o martelo no outro. Essa parte é logo no fim do jogo. Se subir, zerou. Doeu. Tive que me contorcer loucamente enquanto minha esperança se esvaía pouco a pouco, considerando o papo online que dizia ser impossível subir a torre com o martelo preso no outro lado. Vi uns vídeos demonstrando que era de fato possível, e consegui. Terminei Getting Over It With Bennett Foddy.

A popularidade dos jogos de Foddy com streamers se deve principalmente ao vão enorme entre a frustração imensa das falhas e a euforia triunfante das pequenas vitórias. Como audiência, você vira a torcida do streamer. Quer que ele se suceda, e ri da sua desgraça. Um ótimo espetáculo pautado em repetição e uma gama de emoções genuínas representadas em tela. Entendo o apelo. Ludwig, um dos maiores streamers da atualidade, praticamente construiu sua carreira com base na versão do gênero popularizada por Foddy.

Porém, estes jogos são mais populares no mundo de livestreaming do que com jogadores assíduos de videogame. É aquele negócio: videogamers amam imaginar que todo jogo deve ser “justo”, mesmo quando difícil. Um jogo feito de pegadinhas e com esquemas de controle diferenciados é visto como artificial. Como se a quebra de algumas convenções do meio fosse o suficiente para desvalorizá-lo. Apenas uma seção de masoquismo para quem busca a glória de uma conquista de ter zerado ele na Steam.

Getting Over It with Bennett Foddy (2017) — Tirei esta print num desespero enorme

Não sou necessariamente expert no gênero, mas acredito que a minha experiência com Getting Over It não foi nada injusta. É bem mais polido e claro que sua inspiração, Sexy Hiking (também bem legal!), e atende a expectativa arcade de se tornar comicamente mais fácil e fluido assim que você entende as bases necessárias dos controles e memoriza estratégias para cada seção.

Além disso, as meditações da narração de Foddy são música para meus ouvidos. Um ensaio sobre o gosto da frustração, a natureza de jogos B e a reverência do designer escolher não te guiar, mas te acompanhar. Getting Over It me fez aceitar e amar as pequenas dores, as pegadinhas de um desenvolvedor, as dificuldades inesperadas; a sinestesia sensorial que vem após o aprendizado de controles inéditos.

Getting Over It with Bennett Foddy (2017)

QWOP fez algo similar nove anos antes, em 2008, só que com um agudo senso de ironia presente a cada meio passo quase-dado. Não existe narração, apenas uma corrida de 100 metros com controles maquiavélicos. É áspero, bem mais que Getting Over It. Ambos botam muito valor no triunfo da sua eventual vitória; afinal, você sofreu pra chegar lá.

Ape Out, de 2019, pega os moldes de ação vista por cima de um jogo como Hotline Miami e maximiza tudo que afeta seus sensos. Os sons, as cores, a brutalidade, e o peso. Os controles são diretos. Não há segredo. As fases são semi-aleatórias. Não tem como desenvolver uma estratégia constante. A cacofonia sensorial é a única barreira que deve ser compreendida. Não precisa nem ser quebrada. O macaco escapou. Destrua tudo e todos e vá mais longe.

Cuzillo forja um ritmo agnóstico ao conceito de flow e aderente ao completo caos. Para mim é até difícil desenvolver qualquer pensamento alheio ao seu singular foco. É um jogo onde cada aspecto é atado inseparavelmente. 

Ape Out (2019)
Ape Out (2019)

A trilha sonora de Maxi Boch simultaneamente rouba a cena e a acompanha. O jazz percussivo da compositora é ditado pelo ritmo de sua gameplay, e soa sempre perfeito por conta da imprevisibilidade de cada ação sua e de seus inimigos. O jogo não precisa de nenhum som ambiente, pois eles já são a música. Os tiros dados por seus inimigos são tão importantes para o ritmo quanto suas porradas. Que jogo, hein.

60000 + 15000 passos

Baby Steps é comicamente aderente aos prévios sucessos de seu trio principal de desenvolvedores. O rage game e a comédia paródica de Foddy, a sinestesia abrangente de Cuzzillo, e a percussão porradeira de Boch. Os controles te tornam um com o mundo, e o mundo é praticamente regido por seus pés. O destruidor de lares que chega pra botar fogo nesse relacionamento é o “mundo aberto AAA”. Tipo, o gênero mesmo.

Baby Steps análise

Baby Steps é um jogo de platforming e aventura em mundo aberto desenvolvido principalmente por Gabe Cuzzillo, Maxi Boch e Bennett Foddy (tem vários outros nomes nos créditos também) e publicado pela Devolver Digital em 29 de setembro de 2025 para PC e Playstation 5.

Em Baby Steps, andar envolve um processo bem mais tortuoso do que pressionar o analógico para frente ou a tecla W. Fazer isso pende nosso protagonista Nathan para frente, mas seus pés continuam imóveis. Para mexê-los e aproveitar a inércia aplicada ao personagem, você deve levantar uma de suas pernas com um gatilho ou botão do mouse e então puxar o analógico na direção que deseja os colocar. No futuro, quando estiver adaptado, passos regulares serão realizados no inverso: primeiro o analógico, que será mantido para frente, e então pressionadas rítmicas e longas o suficiente de cada gatilho. É bem mais simples e aprendível que QWOP, mas segue a mesma lógica de complicar algo que videogames costumam abstracionar por completo.

Nota: Joguei no controle (como recomendado pelos avisos do jogo), mas o mouse e teclado são completamente viáveis também, porém bem mais trabalhosos pela necessidade de puxar e levantar seu mouse constantemente.

O andar de ponto A ao B é uma das partes mal vistas de um videogame AAA de mundo aberto moderno. A caminhada é vista como uma pausa entre pontos de interesse, que por sua vez se tornam o foco da exploração. Os momentos do jogo são definidos pelas atividades presentes em cada local, e não o caminho entre elas.

Esta falácia é uma colaboração entre jogadores e desenvolvedores. Muita gente fica sem paciência para a relativa falta de estímulo vinda do ato de segurar o analógico para frente. Assim, desenvolvedores reduzem o tempo de caminhada entre outras atividades. Jogos com veículos como Grand Theft Auto conseguem aproveitar a movimentação mais complicada, veloz e imprevisível de um carro, que bota valor de volta na movimentação entre pontos de interesse; mas a caminhada continua supérflua.

Acredito que este seja um dos motivos do gênero walking simulator ser nichado o suficiente para ser utilizado como insulto quando etiquetado por um jogador à algum videogame. Andar é tão descomplicado num jogo que a dependência neste verbo é mal vista por padrão. É diferente do combate, do quebra-cabeça, ou mesmo do platforming (mesmo que também envolva movimentação), que requerem combinações de botões e boas rotações das engrenagens mentais para serem compreendidos e masterizados.

Quando penso nesta crença comum, só consigo ver os múltiplos passos que ela pula em busca de sua conclusão. É, a caminhada poderia ser mais mecanizada para se tornar mais apetitosa ao jogador geral, mas isso não resolveria nada. Baby Steps mecaniza suas caminhadas, mas qualquer cético que chegar em suas seções mais focadas na pura e direta trilha vai continuar se entediando no caminho — e provavelmente se irritar por ter que fazer isso com centenas de pressionadas de gatilhos ao invés de uma simples puxada do analógico.

Se mover num videogame te permite olhar além. Seguir o caminho que bem desejar. Escolher. Parar. Desviar (olhos e corpo, separadamente). Cair. Pairar. Enrolar. Apressar. Chegar o mais próximo de “cutucar” algo num videogame que é possível sem a inclusão deste verbo. Segurar seu analógico abrange um leque de possibilidades enorme, mas é uma das primeiras coisas que aprendemos a internalizar quando jogamos um videogame, seja ele 2D ou 3D. É difícil valorizar algo que você já tem dentro de ti como se fosse inseparável de sua existência.

Baby Steps te coloca nos pés de Nathan, um homem de 35 anos que, após múltiplas falhas e dificuldades de adaptação ao mundo externo, escolhe passar seus dias sentado no sofá, assistindo One Piece e comendo pizza. Ele vive com seu macacão como se fosse um bebê. Bem quando seus pais o chamam para uma reunião familiar (presumidamente para conversarem sobre sua falta de emprego), Nathan desaparece de nosso mundo para adentrar um completamente novo com suas próprias regras. Bem no estilo isekai mesmo.

Imediatamente, os modelos de personagem deste jogo parecem assets padronizados comprados na loja da Unity… mas talvez não sejam. Não importa, na real. Mas o visual que eles (e boa parte dos outros modelos 3D do jogo) encarnam é o da colagem amadora, retratada também em Getting Over It. Aqui, em específico, os vejo como uma tentativa de emular os visuais de um jogo de mundo aberto sem o orçamento necessário para vender o look por completo. Baby Steps consegue ser bem lindo, especialmente quando brinca com mudanças repentinas do dia para noite e de uma área à outra — mas sua estética é deliberadamente visada ao desagradável. O suor e sujeira que se acumulam no macacão colado de Nathan deixam isso claro também.

Nathan cai ao tentar descer de uma pequena inclinação e encontra Jim, um de múltiplos personagens dublados por Bennett Foddy. Ele tenta te explicar como este novo mundo funciona. Nathan não está interessado. Ele vergonhosamente se esquiva da conversa só pra cair múltiplas vezes logo em seguida por ainda não saber andar direito (presumindo que esta é sua primeira vez com o jogo); Jim retorna para oferecer ao menos uma bota aos pés despidos do nosso grande bebê, e ele também se recusa. O cara só quer ajudar.

Estamos num campo de reabilitação gamer. Nathan foi parar num mundo aberto AAA e não sabe fazer nada direito. Assim, ele possui toda desvantagem imaginável com uma notável exceção: toda superfície importa.

Sabe aqueles pedaços onde você não sabe se consegue subir num jogo de mundo aberto desse tipo? Onde a inclinação muda sua textura da grama à pedra para sinalizar que você vai deslizar se tentar subir? Por vezes você consegue, mesmo que seja mais fácil num jogo como Oblivion do que num como Red Dead Redemption.

Em Baby Steps, toda sutileza desta fresta do gênero ganha protagonismo. Nathan te força a apreciar cada momento, cada pequena vitória, cada grande derrota, cada pequenina alteração de elevação e textura. Nunca antes você teve que prestar tanta atenção no chão de um mundo aberto. 

Seus passos de bebê ecoam a experiência de aprender um jogo pela primeira vez. De não levar sua caminhada como um meio à um fim. Como uma pausa entre gameplay. Eles sempre foram gameplay, mas agora são inevitáveis.

Nesse quesito, as ambições de walking simulator do jogo tomam forma. Os caminhos principais que você cruza são relativamente simples e fáceis de se adaptar, mas são bem longos. Nathan está completamente sem direção. Ele só pensa em ir embora e em fazer xixi. Ele chegou nesse mundo apertado. O caminho principal deve ser tortuoso para ele.

Baby Steps Análise

Esta montanha não possui uma circunferência de 360 graus completa, pois loopa e se repete em uma linha reta. Em múltiplos pontos do jogo, é possível ver o momento em que o loop acontece. Olha para um lado, vê uma torre brilhando com uma chama. Olha para o lado oposto, e a mesma está bem ali.

Eu não percebi isso na minha primeira jogatina inteira. Ela durou 16 horas. Simplesmente segui os caminhos imaginando uma vastidão esmagadora de situações e locais que estava deixando de ir. Trilhar por esta montanha como um explorador requer que você desça um pouco de vez em quando para checar locais que deixou passar ou que estavam de difícil acesso na subida. Pra isso, você explicitamente está jogando fora seu “progresso” em troca da visita à um local que julgou merecedor de tal sacrifício. O tipo de coisa que teria menos peso caso você estivesse em outro jogo, mas aqui pode significar ter que refazer uma seção difícil, retraçar uma longa caminhada, ou perder um dos chapéus ou item de side quest que carrega consigo.

Não existe morte neste universo, então a caída apenas te deixa miserável onde caiu. Nada mais, nada menos. É tanto uma ferramenta quanto uma punição, por mais que o Nathan dê uma reclamada e se recuse a levantar automaticamente quando cai de uma distância grande. O coitado já precisa ir ao banheiro, e você só está piorando as coisas.

Baby Steps Análise

Baby Steps possui uma progressão semi-permanente onde áreas inteiras da montanha possuem uma seção relativamente plana por uma distância considerável, à ponto de tornar quedas para áreas anteriores algo que tecnicamente pode acontecer, mas só vai se você se jogar ou tentar fazer alguma brincadeira bem na beirada da área onde está. Mesmo assim, este é um jogo muito mais longo que a maioria dos rage games estilo Foddy, então as pequenas quedas nele podem te tirar mais tempo que as grandes de outro jogo do gênero.

A execução mais direta dos mini rage games de Baby Steps está em suas side quests. Este é um mundo aberto de um AAA, afinal. Você pode ir atrás de itens mencionados em placas pedindo ajuda para recuperá-los, o que sempre será um processo laborioso. Aqui, o jogo realmente tira suas rodinhas.

Começa simples: você vê um pedido de retornar um troféu à uma torre de observação. A maior parte pede que a entrega seja em diferentes torres, inclusive. O troféu está em cima de uma carruagem próxima de um parque abandonado; para chegar nele é só subir umas pedras deslizantes e estender bastante uma de suas pernas no topo para transferir seu corpo ao topo da carruagem. Fiquei mais de 30 minutos só nisso.

Na minha segunda jogatina, peguei a taça quase imediatamente, pois as habilidades necessárias para subir as pedras escorregadias é abordada de forma mais didática e menos punitiva mais para frente — mas o intuito inicial é assustar o jogador iniciante que mal aprendeu a andar e já deve realizar técnicas avançadas de movimentação para fazer uma mísera side quest.

Baby Steps Análise

É um pedido e tanto, e provavelmente vai te ensinar que olhar para baixo faz com que Nathan entre em uma espécie de modo de precisão onde seus pés se tornam especialmente controláveis. Acredito que você não precisa entrar nesse modo em nenhuma parte do jogo, mas é muito útil para aprender os detalhes que regem a movimentação das suas pernas e andar com cautela quando necessário. No geral, a posição da câmera também influencia a forma que a parte de cima do corpo de Nathan irá ajustar com relação aos pés. Ele irá automaticamente tentar orientar seus pés para ficarem paralelos com a câmera.

Este conhecimento é importantíssimo para não perder o troféu que recuperou. Nathan solta qualquer coisa que estiver em suas mãos ou cabeça ao cair, o que pode acarretar numa queda pequena para ti, e uma gigante para o item que tanto lutou para adquirir. Isso tornará todo momento de entrega de uma side quest em uma batalha de tensão constante, ainda mais se você ainda não achou onde deve entregar o item. Tudo que você ganha na maioria delas é uma cutscene engraçadinha e uma conquista na Steam ou troféu da PSN. Nesta primeira o Nathan só fala “ ahh, that’s given me a real sense of trophy” (“ah, isso me deu um real senso de troféu”). Muitos momentos difíceis de Baby Steps não te entregam conquistas; nem zerar o jogo te confere uma. Ou seja, boa parte da motivação associada a fazê-las é a pura diversão e curiosidade. Ou teimosia, se você quiser aproximar seus sentimentos do Nathan.

Peço perdão pelo possível jumpscare

Outra forma de fazer isso é pegando os chapéus espalhados por cada uma das áreas. A montanha é dividida em níveis verticais indicados por fogueiras incandescentes com leite quente que Nathan nunca se recusa a experimentar. Se você chegar numa fogueira vestindo um chapéu, um flashback jogável relacionado a ele e parecido com um jogo de Bitsy irá tocar.

Eles retratam a vida e frustrações de Nathan; desde seus empregos passados até momentos de sua infância. É aqui que o lado mais caridoso e sincero de Baby Steps dá as caras pela primeira vez. Os chapéus são essencialmente descartáveis após liberarem um flashback, mas a presença de cada um ata este mundo ao passado de Nathan no nosso.

Mike, em contraste, nos joga de volta à videogamelândia. Ele é um cara muito de boa e tão novato quanto Nathan que o encontra na montanha. Como Jim, ele também é dublado pelo Foddy! A diferença é que ele seguiu os conselhos de Jim e acabou com o kit padrão de mecânicas, interfaces, marcadores de objetivo e conteudismo do AAA que o mundo de Baby Steps ofereceu ao nosso protagonista teimoso. Ele é gente boa, mas não entende o porquê da resistência de Nathan às regras do mundo.

A presença de Mike e seus questionamentos às ações de Nathan chamam atenção às sensibilidades diferentes de nós: jogadores de videogame. Talvez você realmente prefira a filosofia do Mike. O Nathan consegue ser arrogante demais para um cara tão desajeitado. O orgulho #gamer, sabe? Onde tudo que ele faz é para atingir algum tipo de glória individual? Ele não é de se gabar do nada, mas é o primeiro a aumentar a temperatura da conversa quando é atingido por uma mera pergunta: por que ele prefere jogar assim?

Acredito que esta indagação proposta por Baby Steps quer questionar a filosofia por trás da veneração da dificuldade como senso estético — Getting Over It era bem reverente aos jogadores que conseguiam vencer seus desafios e chamadas à frustração. Ele tinha algo a provar: videogames difíceis e punitivos também são válidos. Concordo! Ainda mais quando consideramos a contínua entropia dos videogames pop da 7ª e 8ª geração de consoles, onde a lista de desafios considerados “justos” para um videogame vendido por 60 dólares diminuía cada vez mais. Getting Over It se encaixa muito bem no contexto onde foi lançado.

Porém, muito desta linha de pensamento é baseada em autocongratulação. O cara que zera um Dark Souls sem usar summons começa a se achar o maioral e chamar os outros de lixo à troco de nada. Não é nem uma vertente de elitismo artístico, só uma vaga e pomposa declaração de superioridade, muitas vezes atada às habilidades motoras que videogames tanto amam testar.

Nota²: Baby Steps, assim como outro indie de alto orçamento lançado em setembro e liderado por três desenvolvedores (Hollow Knight: Silksong), não possui opções de acessibilidade voltadas à pessoas com diferentes experiências motoras — por mais que existam algumas para deficientes auditivos e visuais. Para elas, tais opções não irão deixar o jogo mais fácil até perder sua autoria, mas sim tornar possível jogá-lo. Pessoas com tendinite, túnel do carpo, apenas uma mão, dor crônica ou qualquer outra característica terão muito mais dificuldade em tentar a experiência de Baby Steps do que outras pessoas. Isso me entristece.

Amo videogames difíceis e do mal. Os sádicos como Hydlide; os que duram 100 horas e pedem sua alma para liberar o final real como Labyrinth of Galleria; os que mal funcionam como aquela DLC com zero análises da Steam do jogo Ezerath’s Last Hope. Amo a picância de um videogame feito pra doer. Não vejo motivo para isso ser algo a se orgulhar.

Baby Steps vê a dificuldade como um tempero à gosto. Nathan tem sempre a opção de ir pelo caminho principal enrolado e paciente. Porém, existem caminhos alternativos mais velozes e bem mais complicados que podem ser tomados à qualquer momento; neles, o risco de cair é bem maior, e podem eventualmente acarretar em quedas maiores que o normal. Por que você faria eles ao invés do principal? Hmm… pra ir mais rápido, pra testar uma superfície nova, pra ver se acaba em um lugar único… ou pra se divertir mesmo.

Baby Steps análise

O Mike é completamente alheio à mente orgulhosa de Nathan. Ele nem sente a presença do que sua UI não o deixa ver. Ele só mete sua grappling hook onde quiser e vai embora quando checa algo de sua lista. Não é o jeito mais abrangente de abordar um jogo de mundo aberto contemporâneo, mas certamente é o que você é guiado a fazer. O que mais faz estes mundos se destacarem são seus inúmeros cantinhos; as frestas que seguram a tentativa de alcançar a verisimilitude comum no gênero. O resto; o que o Nathan se obriga a ver.

Em uma cutscene opcional, Mike paira sob uma grande queda. Ele está ali há cinco horas. O sol está se pondo. Ele pondera sobre sua falta de mortalidade naquele mundo, e o significado da queda. Nathan só o avisa do progresso que perderia; do quanto ele teria que refazer para voltar ali. Do esforço.

Como já mencionei, acredito que cair em Baby Steps significa bem mais que apenas perder progresso. Nenhum dos dois vê isso. Mike nem teria um motivo explícito para cair, já que presumidamente está fazendo uma jogatina 100% e assim visitando todos os locais de uma área antes de ir para a próxima. Para Mike, cair é uma perda de tempo. Para Nathan, cair é uma perda de tempo. Você pode discordar e jogar Nathan daquele penhasco logo após o fim da cutscene.

Baby Steps análise

Um elemento bizarro no mundo de Baby Steps é a presença de pessoas-cavalo e pessoas-burro, que parecem estar ali há bem mais tempo que os outros poucos habitantes da montanha. Eles andam só de camiseta. Não vestem mais nada. Pênis para fora e tudo. O Nathan vai se acostumar com isso já já.

A maior parte deles vive como membros de fraternidade americana: fazem bullying com o Nathan, festejam sem parar e diminuem tudo que não os interessa casualmente. Ethan, o homem-cavalo mais próximo de Nathan nesse grupo, quer convencê-lo a gastar seu único desejo do castelo daquele mundo pedindo uma montanha de cigarros. É, depois de passar no castelo de areia da montanha qualquer pessoa tem direito à um pedido, qualquer que seja. Nathan quer mil outras coisas, mas vemos em suas interações que ele valoriza muito o sentimento de querer se encaixar com um grupo. Ele segue mentindo para eles sem parar.

Aprendemos pouco depois que vários habitantes da montanha desejaram obras de arte, estas que populam uma das áreas mais idealizadas de toda a subida. E os caras queriam desperdiçar o pedido de Nathan com um cigarro… não vou revelar o que acontece nessa parte… Vamos seguir em frente. 

Nathan vê a mentira como uma ferramenta de socialização. Ele fala o que julga necessário para tirar alguém do seu pé, e então cabe ao jogador dar valor à pomposidade que ele exubera em relação à sua proeza como escalador de montanhas. A autenticidade de Nathan com Mike, e Ethan já foi quebrada. Seja honesto com a forma que joga — seja ela calma ou apressada, desafiante ou segura, pensativa ou intuitiva.

O único personagem com quem ele tenta ser honesto é o Moose, que não é um homem-alce mas sim um homem-burro. Ele não se encaixa no grupo de Ethan e tem seu próprio objetivo. Ele ouve Nathan sem precisar questioná-lo. Para ele, a subida é só uma jornada. É o único com o qual Nathan não precisa provar nada. Moose quer construir uma cabaninha próxima do ápice da montanha.

O questionamento mais saliente do seu playstyle em Baby Steps vem do fim da penúltima área do jogo, onde você encontra uma escadaria em espiral altíssima que pode te levar para as montanhas gélidas. Antes disso, Jim aparece para te informar que ele construiu as escadas sozinho. Seu magnum opus feito para ajudar escaladores a ignorarem o “Manbreaker”, o único outro caminho disponível. Nathan entra no modo babaca e imediatamente insulta a escadaria de Jim, que fica bem triste. Coitado. Agora eles fazem uma aposta: se Nathan conseguir conquistar o Manbreaker, Jim deverá o chamar de Lorde para sempre. Se ele desistir e resolver subir pelas escadas, Nathan chamará Jim de Lorde. Agora aquela caminhada que apenas parecia uma escolha virou mais uma chance de provar seu valor como videogamer. Tudo culpa do protagonista falastrão — muitos dos desafios de Baby Steps só são explicitamente desafios pois Nathan os contextualiza como se fossem. Este é o exemplo mais literal disso no jogo todo.

Manbreaker é uma formação de pedras naturais extremamente escorregadias, estreitas e colossais. Lembra que boa parte desse jogo torna o caminho fácil mais longo? Aqui o mais difícil é também o mais longo. É uma batalha de durabilidade. Quanto tempo você consegue escalar sem escorregar? Quantas vezes consegue repetir tudo sem perder a paciência? A escada da vergonha está logo ali.

Assim, eu pessoalmente estava morrendo de vontade de jogar uma seção como esta. Minha side quest favorita até o momento foi a do troféu invisível, onde você deve caminhar por centenas e centenas de pedras elevadas pequeninas e pontinhos esverdeados quase-iguais por uns 20 minutos. Cair em qualquer momento dói muito. Ou seja, tomei o caminho do Manbreaker. Queria um gosto parecido com desafios mais variados no meio.

Fiquei umas duas horas ali até conseguir subir na minha primeira playthrough. Alguns momentos pedem mais estratégia, outros execução e velocidade. A maioria apenas requer que você mantenha seus nervos acalmados. Levar um chapéu consigo agrava mais ainda a punição, pois você cai de tão alto que muitas vezes vai ter que buscar seu chapéu bem longe.

Amei! Nessa altura, os riscos de cada vão e pequena fresta botam o medo de Cristo em qualquer jogador — e o acúmulo de quedas quebra o espírito pouco a pouco. Mantive a calma; não tem porque se apressar. Se eu tivesse com pressa, tomaria a escada!

spoilers acentuados nos próximos quatro parágrafos!

Hm. No meio do caminho, aviso Mike na escada. Ele não entende sua escolha de ir pelo Manbreaker. Há! O Mike nunca entenderia o esforço e a glória da subida, né? Ele não jogou de verdade™.

Em minha segunda jogatina de Baby Steps, tomei as escadas. Na metade, havia Mike subindo o Manbreaker. Ele disse que o Jim recomendou o recomendou a ir por ali pois ele tinha masterizado as mecânicas. Oh… Não importa o caminho que você escolha, o Mike vai pro oposto. Parece que você não deveria se importar com a escolha do Mike, então, ainda mais se você também passou pelos dois caminhos em duas realidades diferentes. 

Toma essa, Nathan.

Se você subir pelo Manbreaker, Jim revela o que já estava claro desde o início: ele é uma figura amiga feita como um tutorial e aleviador da experiência. Ele diz que “talvez… o Jim tenha sido supérfluo” sobre si mesmo e se joga do penhasco. Ele é o cara que te tira de um bowl de skate no deserto. Que queria te dar umas botas. Uma lanterna na dungeon escura. Que te explicava o que era o monumento que você derrubou só pra ver se podia. Ele te oferece a visão do designer para uma experiência compreensiva e suave. Nesse quesito, ele realmente é supérfluo — mas ele também é um cara gente boa que eu não queria que se jogasse pra longe da narrativa.

acabaram os spoilers.

Não sei se dá pra deixar mais claro que o Manbreaker está lá pra quem quer. Você faz porque quer. O tipo de dificuldade dessa escalada é divertido pra mim. Amo o ritmo lento e as caminhadas acompanhadas por onomatopeias cadenciadas de animais (cortesia da compositora Maxi Boch) no lugar de ambiência. Baby Steps é sobre os momentos, não as conquistas.

O jogo retoca isso por uma última vez em seu final aconchegante e desafio opcional gracioso, mas não irei spoilar. Divagaremos pelo vago: Nathan teve seu final feliz, e então um final feliz.

Uma cópia de Baby Steps para PC foi concedida pela Devolver Digital para análise no Recanto do Dragão.