Em 2003, a franquia Castlevania estava começando a tomar forma de verdade após a grande reestruturação que foi Symphony of the Night. Já haviam sido lançados três novos jogos nesse estilo para o GBA, e parecia claro que a série seguiria por esse caminho. No entanto, Castlevania sempre teve espaço para experimentos estranhos. Mesmo após a humilhação crítica que Castlevania 64 recebeu, Konami ainda queria arriscar no 3D. Com o recente crescimento do gênero hack ’n slash no PS2, parecia o caminho correto.
Lament of Innocence foi o novo grande lançamento da franquia em um console tão drasticamente poderoso comparado com seu antecessor. Era um jogo que não poupava seus esforços para se vender como um big deal na franquia: ele tinha os gráficos, música, personagens e história perfeitos para um dos melhores Castlevanias de todos os tempos, mas a gameplay era preocupante.
Fugindo do âmbito de exploração de plataforma 2D que a série estava se consagrando em dominar, Lament se voltou quase completamente para o combate. Devil May Cry mudou a indústria quando influenciou dezenas de franquias a transicionarem para o gênero do momento, e com Castlevania não foi diferente.
Mas, apesar da alteração extrema na sua abordagem mecânica, Lament of Innocence buscava o interesse dos fãs de longa data também. A história do jogo retomou as origens da franquia, antes do Vampire Killer, antes do Dracula, antes do Simon, Trevor ou Alucard. Leon Belmont é o patriarca do clã de caçadores, e essa é a história de como tudo começou.
A Noite Sem Fim

Leon Belmont e Mathias Cronqvist eram parceiros de guerra durante as cruzadas. Em nome de deus, eles venceram muitas lutas e perderam muitos amigos. Com o sucesso de mais um confronto, os dois retornaram vitoriosos para casa, para serem recebidos com a notícia de que a esposa de Mathias foi morta, acusada de bruxaria.
Cronqvist adoeceu em luto, enquanto Leon liderou os soldados em batalha sozinho. Um dia, monstros começaram a aparecer, e um Mathias ainda doente era o único que sabia a causa dessas aparições. Na floresta “Eternal Night” residia um vampiro que comandava essas criaturas, e que também havia sequestrado Sara, a amada de Leon.

Leon fez uma prece à igreja para que o permitisse ir atrás de Sara, mas foi negado. A igreja abandonou Leon em prol das suas preciosas cruzadas, e isso fez com que Leon desertasse seu título e tudo que ele tinha pertencente à igreja. De mãos vazias, o Belmont entrou na floresta onde a noite não tem fim.
Ali, ele conhece Rinaldo Gandolfi, um homem que é permitido viver na floresta. Walter Bernhard enfrenta caçadores como se fosse um jogo, e deixa Rinaldo ajudá-los. Leon recebe de Rinaldo um chicote criado com alquimia que possui o poder de destruir os monstros.

O castelo de Walter é bastante parecido com o do Dracula, mas não é o mesmo. Apesar de Lament of Innocence ter muitos dos aspectos predominantes dos metroidvanias da franquia, as áreas do castelo não se conectam. Um portal leva Leon para uma das cinco áreas, e depois da primeira, você pode escolher em qual ordem explorar. Como o jogo não tem sistema de Level Up, qualquer uma pode ser a sua próxima, mas no bom e velho estilo Mega Man, você pode adquirir um equipamento, poder ou magia em um lugar que te ajude em outro.

Isso é o suficiente para uma introdução. Esse texto vai ser formatado de uma forma um pouco… diferente, então gostaria de já seguir para os tópicos principais!
A primeira impressão de um novo lar

Uma coisa que passei com Lament e já ouvi dizerem algo parecido para mim, é que o início do jogo não é muito envolvente. Ele começa bastante lento e desinteressante, te fazendo olhar para suas falhas e não encontrar muitos acertos que as justifiquem.
A separação entre áreas começa bem esquisita para um jogo tão focado na exploração metroidvania que a franquia passou a ter. Os níveis são contidos, e feitos para serem terminados em qualquer ordem sem pedir visitas a outras áreas. Realmente parecem estágios de um classicvania nessa forma de progressão.

Os corredores e salas, por mais que às vezes possam variar o visual, são sempre muito simples e repetitivos. Você vai andar, quebrar umas velas e entrar em uma sala em formato de arena para derrotar alguns inimigos.
Para Castlevania, toda sala costuma ser única e bastante distinta. Diferentes formatos, tamanhos, desafios, plataformas… mas Lament faz com que todas as salas sejam efetivamente iguais. Você poderia dizer que isso é fruto do 3D, mas não é.

Devil May Cry tinha salas de todos os tipos em um castelo bem elaborado e detalhado. Tudo é interessante de olhar, e também de explorar. O motivo das áreas de Lament serem tão idealisticamente limitadas está no estilo mais arcade de Castlevania, em que muitas salas são apenas means to an end, ou seja, um caminho até outro lugar.

Os gráficos e músicas são algo que costumam capturar os jogadores de primeira, mas admito que na primeira vez que joguei Lament no meu PS2 há uns anos, eu estranhei o teor mais mórbido das composições. A ambientação é a parte mais importante da trilha sonora de Lament of Innocence, e eu estava esperando algo mais “clássico”, com melodias energéticas e fortes.

A história, por mais interessante que seja, com certeza iniciou estranhando uma pessoa ou outra pela falta de diversas tradições da franquia, como a falta do Dracula. Mas, como esse jogo sempre deixou claro que estava contando as origens de tudo, duvido que seja uma maioria.
Porém, o que mais faz os jogadores de Lament of Innocence desistirem do jogo é o seu combate. As lutas dele começam tão monótonas e sem graça que te fazem duvidar se sequer vale a pena investir seu tempo.

Quadrado faz um golpe fraco, triângulo faz um forte, você pode desviar e defender, usar sub-armas e uma única magia pouco interessante (no início). Tudo parece sem vida e genérico; nem interessante o suficiente para fãs de hack ‘n slash, nem estiloso o suficiente para fãs de God of War.

Golpes de chicote simples que não se ligam bem e nenhum espaço para criatividade fazem o início de Lament bem repetitivo e desinteressante. Você não liga para as lutas, para a exploração, talvez a história não tenha te interessado ainda, e você consegue músicas boas em todo Castlevania. O que tem de especial em Lament of Innocence? Bem, a noite é uma criança; se você perambular pelo castelo por uma hora a mais, vai encontrar o tesouro de verdade…
Prelúdio da Maldição

Agora, vamos finalmente abrir o jogo. Lament of Innocence é impressionante. Eu realmente não esperava o quanto ia me divertir nessa experiência porque, na minha visão, Lament era só mais um hack ‘n slash aleatório e sem criatividade. É muito fácil fazer um jogo em que tudo que você precisa fazer é bater em monstros! E eu imaginava que seria apenas uma tentativa preguiçosa de replicar o gênero popular do momento.

Dito isso, eu ainda achei que ia me divertir. Eu sabia que ia encontrar algo para gostar, e ia me esforçar para ver o valor de Lament nos mínimos detalhes. Acabou que não foi necessário, eu não conseguiria tirar os olhos da tela nem se eu quisesse.

A Lottie (namorada) disse que achou fofo assistir eu jogando e me divertindo com ele, até porque eu não consigo conter minha energia nesses momentos. Deixei bem claro o quanto ele superou minhas expectativas enquanto jogava! E, pouco a pouco, todos os aspectos dele se tornaram atraentes para mim.

A história dele é uma das mais interessantes da franquia, pois acaba sendo bastante trágica sem dar muita felicidade para nosso protagonista. O enredo toma algumas decisões perigosas e até inesperadas nas suas reviravoltas. Por mais que o vilão verdadeiro seja um pouco óbvio, o caminho até lá é repleto de sofrimento.

Você começa a se importar com esses personagens que você acabou de conhecer. Leon Belmont é mais interessante do que inicialmente esperado, Rinaldo é um aliado cheio de segredos até se tornar seu amigo e confidente, talvez o único que você tenha. O vampiro Walter, Mathias, Sara e até o ridículo do Joachim são personagens estilosos e narrativamente interessantes (principalmente Mathias). Por mais simples que sejam, seus propósitos no enredo são bem utilizados e desenvolvidos, de forma que fique difícil não se comover com os finais de cada um.

É claro que a música nunca deixa a desejar também e, além de muito variada, é sempre bem atmosférica tanto em relação aos cenários do jogo quanto em história. Todo mundo ama o tema do Leon Belmont, mas tem música boa em todo lugar de Lament!
Eu também me divirto bastante explorando o castelo, por mais… burra que eu seja. O castelo de Walter valoriza a sua criatividade até demais, de forma que pessoas mais inocentes como eu vão tender a não encontrar as respostas enquanto as mais inteligentes vão se encontrar rapidinho.

Coisas como usar um inimigo para quebrar uma parede, causar choque térmico em uma estátua, usar plantas carnívoras como plataformas… tudo isso pode nunca passar na mente de uma pessoa e ser a coisa mais natural do mundo para outra! Por sorte, tudo isso é secundário, mas também saibam que as coisas secundárias de Lament of Innocence são muito divertidas de usar.

Me surpreendeu bastante o quanto os cenários pedem que sejam reexplorados com habilidades futuras. Você pode zerar o jogo todo de uma vez, área por área, mas todas as suas recompensas opcionais valem a pena o esforço do backtracking. Novos chicotes, magias, orbes elementais ou equipamentos podem alterar completamente o jogo!

Lament of Innocence é um ótimo Castlevania em exploração, puzzles, apresentação e enredo. Porém, o aspecto que mais prendeu minha atenção foi o combate, é claro.
Um detalhe importante sobre o combate de Lament é que ele evolui com o tempo. Quanto mais você luta, mais golpes aprende e, com as diferentes jóias e relics, fica um pouco mais complexo a cada confronto.

Com isso em mente, o início do jogo é esquecível e nada especial. Embora você desenvolva certos aprendizados e receba novos golpes, leva um tempinho para qualquer coisa relativamente única se mostrar no combate. Mas… em tempo, essas coisas chegam.
Os diferentes launchers, combos aéreos, divekicks e suas muitas opções fazem das lutas cada vez mais divertidas. Lament of Innocence te dá total liberdade para cancelar seus golpes em qualquer coisa, sejam eles bloqueios, saltos, dodges, outros ataques ou movimentação.

Por mais simples que seja mecanicamente, o fato de poder combar Falcon Dive em um combo aéreo, depois em Heavy no ar (que é um chute de fogo para baixo, meio que Helmbreaker de DMC) para retornar ao chão, fazer um combo que termine em um finisher que acerte múltiplos oponentes e ainda poder desviar para usar mais um finisher (com o Dodge Attack) se torna uma experiência gratificante e eletrizante. Talvez você não tenha entendido nada do que eu disse, mas entendam que o controle que você tem sobre Leon Belmont permite algumas das lutas mais divertidas que tive no gênero!

De início, nas suas primeiras habilidades desbloqueadas, Leon vai poder fazer um combo de cinco hits no quadrado e três hits no triângulo. Você pode alternar entre eles no meio do combo, mas nada muito interessante. Logo, você desbloqueia o launcher, um estralo no chão com o chicote que lança inimigos para o ar (Light > Light > Light > Heavy), então um followup pra ele que ajuda seus combos a prosseguirem no ar, e então um followup para esse followup que termina o combo em um finisher para quando você NÃO QUER (ou não pode) prosseguir em um combo aéreo.

Ao pressionar Light depois do segundo Heavy em um combo, Leon vai puxar seus inimigos mais para perto. Daí, ou você continua o combo com um Launcher, ou termina ele com uma explosão em área. Atacando após um desvio, Leon vai usar o finisher Heavy dele automaticamente, que causa danos elementais pesados caso você tenha um chicote elemental em mãos. Ao girar o analógico e usar Heavy, Leon vai girar o chicote para acertar todos os inimigos a sua volta, em um golpe que pode ser usado no meio de um combo a qualquer momento.

Ao pressionar Heavy e, antes mesmo do golpe sair, trocar para Light, Leon irá subir aos céus com uma espécie de High Time. É uma maneira de COMEÇAR seus combos no ar, sem usar o launcher básico de sempre (por mais que ele cause dano massivo).
Com o Falcon Dive e Heavy aéreo, Leon tem movimentação um pouco mais livre no ar. Falcon Dive pode ser usado múltiplas vezes no mesmo inimigo; é o melhor divekick da franquia de longe e se assemelha muito a uma técnica da Beowulf de DMC3 (um jogo que lançou depois de Lament). O Heavy Aéreo te lança ao chão rapidamente enquanto causa bons danos aos inimigos, e pode ser usado como um finisher desde o início do jogo.

Além dos golpes do chicote, o Belmont tem acesso às clássicas sub-armas e algumas relíquias mágicas. As relíquias são como buffs passivos, elas usam MP. Podem fazer coisas como deixar um rastro de fogo no chão, aumentar sua velocidade, defesa ou mesmo curar sua vida! Tem diversas Relics no jogo e você precisa explorar para consegui-las.

Do outro lado, sub-armas são sua habilidade principal. Leon tem as adagas, machado, água benta, cruz e uma jóia (me lembra Castlevania 64) e, embora todas sejam bem únicas por si só, o que faz desse jogo especial é a mecânica de Orbs.
Ok, é um pouco difícil dizer especial porque essa é a mesma mecânica de Harmony of Dissonance. Os livros elementais de Harmony são exatamente iguais às Orbs — você equipa uma e muda completamente o efeito de cada sub-arma. Bem, Harmony tem mais sub-armas (sem jóia mas incluindo socos e bíblia), mas Lament tem sete orbs diferentes. Isso nos dá um total de 40 golpes diferentes usando esses itens, e trocar entre Orbs é extremamente prático!

Na verdade, todos os itens e equipáveis de Lament são customizáveis por um menu em tempo real. Ao usar o analógico direito, o menu é aberto e você pode tanto trocar seus equipamentos quanto usar itens por aqui. L1 e L2 trocam entre Orbs e Relics, respectivamente, e é tudo feito bem rápido e sem impedir você de se mexer com o outro analógico. É meio Kingdom Hearts! O jogo nem deixa que você mude algo pelo inventário pausado, pois ele quer que tudo seja resolvido durante a ação.

Essa possibilidade de customização rápida faz de todas as mecânicas mais divertidas de usar em combate. Faz o jogador ter vontade de realizar experimentos, pois tudo é acessível no meio de uma luta! Isso inclui trocar entre as várias Relics e Orbs a fim de combinar diferentes estratégias.
As spells de sub-arma vão de coisas simples como machados duplos até explosões em área, armadilhas, escudos ou mesmo técnicas curativas. É um sistema bem único, por mais que seja o mesmo de Harmony! Até porque ele já era maravilhoso lá.

Tem bastante sinergia entre cada uma dessas mecânicas, por mais que elas não se comuniquem diretamente. Essa é uma das coisas que eu não sou tão fã pois, no que se diz a recursos, MP só pode ser adquirido usando parries ou bloqueando golpes mágicos, enquanto corações só pelo cenário. Existem exceções, como certos equipamentos, mas não é uma mecânica principal.

Isso me deixa um pouco triste, pois um fator decisivo em jogos de ação baseados em certos recursos é que exista um tipo de ciclo entre eles. Em geral, são técnicas ótimas funcionando juntas, mas os recursos pedem uma certa quebra no sistema. Bem, ao menos itens podem recuperar seus corações!

Todo o sistema funciona bem e é muito divertido brincar em Lament. Leon é um ótimo personagem de controlar e, por mais que demore um tiquinho, quando o jogo engata, não tem como largar mais. Por favor, deem uma chance para Lament of Innocence!
A Estrela da Manhã

Eu joguei muito Lament of Innocence, dentro e fora de live, e ainda parece ter muito para ver nele. Mais estratégias de sub-armas, rotas diferentes pelo jogo (ao pegar itens em outra ordem), os modos adicionais como o Hard Mode (que o jogo chama de CRAZY MODE), Joachim Mode ou mesmo jogar com a abóbora esquisita. Ainda tem muito que eu quero experienciar com Lament mas, bem, acho que não me traria muito mais a dizer nesse texto.

Espero que tenham gostado e tido algum interesse por esse jogo. Os Castlevanias 3D são os que mais me interessam, e fico feliz por me divertir tanto com o precursor mecânico do meu favorito. Muito obrigada pela atenção, e uma boa noite pra vocês!

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