Eu amo Sonic. A maioria das pessoas que me conhecem sabem disso. Mas eu amo ainda mais os jogos esquecidos, negligenciados e subestimados dessa franquia. Não por buscar “originalidade”, mas porque estes costumam ser os jogos mais experimentais e inovadores da série. Por esquecidos, eu não falo que precisam ser tão pouco conhecidos como SegaSonic ou o jogo de escola estranho. Como essa é uma franquia grande e conhecida, eu já considero Sonic Rush (que é bem amado) esquecido o suficiente, mas isso não importa.
A questão é que muitos jogos dessa franquia não recebem tanto amor quanto merecem por não vender tanto ou não atrair muito as pessoas, ou porque muito provavelmente estão em um console que ninguém tem, o que é o caso do jogo que vamos falar sobre hoje. Eu me sinto confortável falando de um jogo que não tem tanto amor porque parece mais “seguro”, e é divertido apresentar eles, além deles normalmente serem os jogos mais interessantes na franquia. Ainda assim eu sou fã de Sonic há muito tempo pra não simplesmente chegar e dizer que vocês deveriam jogar Sonic Advance ao invés de Unleashed (que é muito melhor), joguem apenas o que acharem que vai divertir vocês. Mas faz parte do meu cotidiano encontrar esses jogos levemente pouco reconhecidos e gastar muito tempo com eles.
O jogo de hoje é Knuckles Chaotix, que é relativamente desconhecido por ter sido lançado pro 32x, que é meio que um acessório do Mega Drive que ninguém tinha então, ninguém jogava esse jogo e ele foi um fracasso de vendas. E, mesmo assim, os críticos que o jogaram não veem ele com bons olhos, o que eu até entendo. Eu não acho que vou mudar o que vocês pensam sobre esse jogo (se o conhecem) mas eu quero atentar ao carinho e beleza que ele possui, embora não seja um jogo tão bom. Algumas coisas que esse jogo apresentou voltaram em muitos jogos futuros, e ele ainda tem conceitos muito interessantes que não foram explorados muito bem nessa franquia ainda. Vamos parar de enrolar e falar desse jogo de uma vez.
Knuckles Chaotix é quase uma continuação de Sonic CD, puxando muitos conceitos e a personalidade de CD para um ambiente novo. O jogo funciona com um sistema de gameplay muito diferente e inovador em que você controla dois personagens ligados por uma corrente, que funciona como um elástico. No jogo você vai usar esse elástico seguindo uma lógica básica, para alcançar lugares mais altos, impulsionar seus personagens ou puxar seu aliado que ficou para trás. Esse sistema é maravilhoso.
O sistema de tether foi muito criticado na época por apenas atrapalhar a gameplay e ser complicado demais, ou não muito funcional, mas eu digo que esse jogo só diverte você por causa desse sistema. Eu diria que esse jogo tem um dos melhores sistemas de multiplayer do mundo simplesmente pelo tanto de possibilidades que essa mecânica simples proporciona. Você pode, por exemplo, voar infinitamente enquanto um personagem se estica e solta o elástico para impulsionar os dois para cima se tiver bastante coordenação com seu colega.
O que faz esse sistema tão insano é a possibilidade dos personagens de se movimentarem no ar, algo que acontece em qualquer jogo de plataforma. Aqui você, além de poder se movimentar para os lados, pode forçar seu peso para baixo, e toda vez que o elástico se estica, ele obviamente vai ter que voltar a sua posição normal e quando isso acontecer os personagens vão ser arremessados para uma direção. Isso, por um lado, faz com que coisas muito absurdas aconteçam sem você saber como fez, mas por outro, cria um sistema sem limites que você pode passar dias, semanas, ou até meses brincando sem cansar, ou ao menos poderia se o jogo tivesse o design para acompanhar o sistema, só que isso é pra mais tarde.
Esse é um sistema que, embora não seja perfeitamente funcional, não precisa ser, e principalmente no multiplayer não tem como você não se divertir e dar risadas do tanto de coisa bizarra que acontece por essas regras simples da mecânica. Eu vou defender ela até o fim porque o motivo de eu ter zerado esse jogo três vezes é simplesmente porque essa mecânica é fantástica e mesmo quando algo dá errado ela não deixa de ser divertida. Parte disso é ironicamente aliada a um problema do jogo que facilita você nunca se irritar com essa mecânica. Eu acho que esse poderia ter sido o jogo perfeito para brincar em speedruns, se ao menos ele fosse mais desafiador.
O problema do jogo é o design dos seus níveis, que são fases sem qualquer desafio, onde é quase impossível você morrer. Não tem quase nenhum espinho, lava e nenhum buraco, além de ter pouquíssimos inimigos que são muito fáceis de matar (e você provavelmente vai matar todos sem querer enquanto voa na velocidade da luz pela fase toda). Isso faz do jogo… chato. Eu me diverti bastante pelo sistema da correntinha, e de certa forma, você só não se irrita com esse sistema quando ele faz algo muito estranho que te prejudica porque não existe uma perda de verdade nesse jogo. Mas acontece que o jogo todo, que tem muitas fases, vira só correr. Eu não posso dizer que esse jogo é ruim, e é até estranho eu falar meu problema principal com ele tão cedo, mas é muito decepcionante pra mim que ele seja desse jeito, e vou falar mais disso.
Esse jogo acerta em tudo, exceto no design dos seus níveis. A arte, a música, os personagens, toda a estética sem exceção é maravilhosa. As mecânicas do jogo são muito bem feitas no sentido de serem muito divertidas e interessantes, além de ser um jogo muito estúpido que faz você rir de qualquer coisa boba. O problema dele é que, objetivamente, ele não oferece nenhum desafio exceto achar a saída da fase, o que não é difícil. Você raramente leva dano, e quando leva, tem grandes chances de você não perder absolutamente nada com isso, porque para morrer nesse jogo você tem que primeiro perder seus anéis, daí seu parceiro, e então só aí você pode morrer. É claro, o processo se torna maior se você estiver com um escudo, e se você tiver o power up dos Anéis Azuis você pode recuperar 100% dos seus anéis no momento que levar o hit, o que faz com que você não perca nada em geral.
Isso também é aliado com o posicionamento meio burro de inimigos e a falta dos mesmos. Eles nunca estão em lugares que você vai passar com frequência, você pode correr um minuto todo sem achar um inimigo sequer e normalmente quando você os acha não é desafiador enfrentá-los. Na primeira vez que eu joguei, eu demorei até metade do jogo pra sequer perceber que eu tinha matado inimigos no caminho, de tão insignificantes que eles são. A única dificuldade que esse jogo apresenta é um pouquinho de resolução de “puzzles” em que você precisa pensar em maneiras inteligentes de usar os poderes dos seus personagens e os elásticos, mas isso nem sequer é difícil. Acontece que nesse jogo todos os personagens ou escalam paredes ou voam, eles apenas fazem isso de maneiras diferentes. Todo mundo é super desgraçado e invalida todo o desafio de plataforma que o jogo poderia ter, além do platforming ser extremamente fácil em um jogo que tem o sistema de elásticos que te ajuda a passar por qualquer coisa sem preocupação. Algo que ele fez, além de não adicionar nenhum desafio, é esquecer o tanto de coisa que o protagonista pode fazer.
A parte triste desse jogo é que ele tem absolutamente tudo para ser completamente perfeito, principalmente um sistema de gameplay maravilhoso e muito divertido, mas ele não tem fases que acomodam esses sistemas. A dificuldade é de certa forma encontrar seu caminho, o que eu admiraria nele, se também não fosse estupidamente fácil. Eu me pergunto se não tem uns quatro finais em cada fase porque não importa pra onde você corra, você sempre acha o caminho. O caminho nunca é óbvio, você que tem que escolher pra onde ir, e até agora eu só errei o caminho umas cinco vezes em um jogo que tem umas 25 fases que eu joguei três vezes. Como eu disse, a diversão está no sistema dele, que, infelizmente, tem um problema.
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Embora eu tenha falado que ele tem alguns problemas em ser difícil de controlar o tempo todo (causando coisas como você simplesmente sair voando sem querer), essa parte é ainda divertida. O problema do jogo é que você não vai se divertir quase nada se não estiver jogando ele no multiplayer. O jogo é de longe muito mais responsivo quando você joga singleplayer, porque a IA é na verdade muito útil e você pode pedir pra ela ficar parada com um botão, o que ajuda muito você a conseguir impulsos de várias maneiras, mas isso tá longe de ser divertido.
O multiplayer dá muito espaço para experimentação, e fazer coisas legitimamente absurdas que parecem coisas avançadas de speedrun mas são só a gameplay base do jogo. No single, a falta de uma segunda cabeça usando um controle faz do jogo extremamente monótono, muito menos caótico (que é a única coisa que diverte nele) e, somado com o design de níveis absurdamente fácil, cria uma experiência muito repetitiva e sem sal. As cinco zonas do jogo não são muito inovadoras se comparadas umas com as outras. A maior gimmick de todas as fases é ter alguma maneira de se locomover com um teletransporte, elevador ou um disco que leva você pra algum lugar (em todos você precisa esperar), e é meio que isso. É um pouquinho interessante que de vez em quando, para progredir, o jogo quer que você pegue um caminho específico (nem sempre acontece porque os personagens sabem escalar), mas em geral as fases não são muito diferentes entre si. O que faz elas não serem chatas é que no multiplayer nenhuma fase vai ser jogada da mesma forma e a gameplay inventiva vai sempre dar um jeito de criar uma experiência nova e, por isso, acaba sendo divertida. O maior controle que só um jogador tem dos dois personagens no single player tira essa variedade do jogo que, de fato, ele errou em não fazer melhor, mas corta pela metade a diversão que ele pode te dar. Não sei por que você faria isso, mas se jogar esse jogo um dia, chame um amigo para passar o sufoco com você porque senão você vai se enjoar em uma hora, ou talvez só 30 minutos.
O que me deixa muito decepcionada é que em todos os aspectos esse jogo tinha feito tudo certo, e trouxe ideias muito únicas e criativas que nenhum outro jogo poderia trazer , mas foi tudo desperdiçado. O elenco de personagens talvez seja o melhor da franquia, com cinco (ou sete) personagens muito carismáticos (a maioria pelo menos) e muito divertidos de usar que trazem muita coisa nova para gameplay de Sonic. Espio pode andar na parede e no teto, Mighty pode pular usando as paredes (que nem em Mega Man X, significa que ele pode escalar qualquer parede rapidamente), o Vector tem um airdash para qualquer direção e pode escalar paredes, enquanto o Charmy literalmente voa e diferente do Tails, ele nunca precisa parar de voar, além de poder dar dashes aéreos ilimitados, sendo bastante rápido. Além dos personagens serem estupidamente divertidos de usar, a Team Chaotix é meu grupo de personagens favoritos da franquia, eu amo os três principais de paixão e se não fosse pela Amy e a escrita impecável do Shadow (em um ou dois jogos só), eles seriam meus personagens favoritos em geral. Esse elenco é de longe o maior motivo pra eu ter me interessado por esse jogo, e nossa, eu sonhei em jogar Knuckles Chaotix por anos até conseguir achar essa ROM.
Outra questão muito importante que esse jogo aperfeiçoou foi a arte, toda a estética do jogo é maravilhosa. Os visuais são impecáveis, coloridos e com designs belíssimos. As animações são muito boas e especialmente carismáticas, enquanto o jogo traz um perfeitíssimo uso de um 3D ilusório, algo que CD e Sonic 2 tentaram fazer que não deu tão certo. A música é uma das melhores, ou talvez a melhor parte do jogo, e é o que as pessoas mais falam sobre ele. Elas contém o tipo de composição que você colocaria pra escutar no carro, ou enquanto estuda, ou até pra dançar. São músicas muito divertidas e extremamente bonitas, e mesmo em uma franquia com música tão boa quanto Sonic, Knuckles Chaotix ainda se destaca bastante.
E como eu falei do 3D, vale falar que esse jogo tem uma das melhores fases especiais da franquia que, embora tenha alguns erros, é uma das mais divertidas. São fases completas e bem feitas completamente em 3D que você vai ter que procurar por esferas azuis, e usar os anéis como sua vida (como com o Super Sonic). É nessas fases especiais que você consegue os Chaos Rings, o coletável do final bom da vez, que diferente do CD é necessário se você quiser créditos bem feitos.
E pra terminar sobre esse jogo, eu queria dizer que, embora os créditos do final bom sejam meio preguiçosos, a música é um medley de praticamente todas as composições do jogo, e é muito bonita. Sonic e Tails aparecem no final bom também em uma arte mostrando todos os Chaotix, Sonic, Tails e Knuckles.
Em resumo, esse jogo é… quase bom. Eu gosto dele, e vou jogá-lo mais vezes pelo sistema das correntes, mas ele deixa muito a desejar e qualquer pessoa acharia o mesmo. Embora correr nele seja bem divertido, é uma diversão passageira e superficial que acaba enjoando, e as maiores qualidades dele são meio que jogadas fora pela falta de design nas fases do jogo. Ainda assim, foi uma experiência agradável, e jogar ele com meu melhor amigo foi ainda melhor. Nós tivemos que zerar duas vezes porque perdemos o primeiro save, mas conseguimos tudo em um dia só.
Embora não seja tão bom, é o jogo dos meus personagens favoritos, a continuação do meu Sonic 2D favorito, que eu joguei com meu maior amigo e rimos muito de tudo que aconteceu nessa jornada. Eu vou lembrar desse jogo com bastante carinho, e por isso não xinguei ele uma única vez nessa análise embora ele seja meio duvidoso. Obrigada pela atenção.