A cidade de Raccoon City é rodeada de montanhas e densas florestas. O que antes era um lindo ambiente natural para trilhas, acampamentos ou mesmo meras visitas turísticas, se tornou o berço de muitos horrores quando diversos rumores começaram sobre o lugar. Cães caindo aos pedaços e andando pelas árvores como se fossem cadáveres, ursos deformados que parecem ter vindo de um filme de terror… desaparecimentos…
O lugar foi finalmente interditado quando corpos canibalizados foram encontrados. Pessoas devoradas vivas, pelo o que pareciam ser outros seres humanos. Seria um ritual para algum demônio? Um grupo de assassinos em série? Seja como for, isso precisava parar, e a força tarefa da S.T.A.R.S. foi enviada ao local.
A S.T.A.R.S. foi separada em duas divisões: Bravo e Alpha. O primeiro grupo foi enviado para as montanhas antes, mas com o contato sendo bruscamente interrompido sem qualquer sinal do time, a equipe Alpha foi então enviada também. Logo após o pouso na floresta, a equipe foi abordada por bestas similares a lobos que estavam completamente famintas. O oficial Joseph Frost foi pego por eles, e os demais membros da S.T.A.R.S. precisaram correr em direção ao único lugar seguro à vista: uma grande mansão no meio do nada. Mal sabiam eles que estavam fechando as portas do inferno atrás de si.


Resident Evil foi a grande tentativa da Capcom no gênero de terror, mas não exatamente sua primeira. Trazendo muito de um título anterior da empresa, Sweet Home, Resident Evil iniciava de vez o gênero do survival horror que hoje sequer pode ser mencionado sem o próprio RE. As pessoas que estavam nesse projeto são hoje grandes nomes da indústria por conta dele, e a influência de Resident Evil sequer pode ser registrada em um artigo como esse. Até a minha mãe gosta de Resident Evil!
Quanto a minha história com o jogo, ela é bem simples de explicar: conheço desde que era um bebê, evito desde então. Minha primeira vez de fato passando do primeiro quinto do jogo foi nesse ano de 2025, e também foi a primeira vez que zerei. Esse é o jogo que mais me deu medo a vida toda, e talvez o motivo de eu não gostar de terror.


A única razão para eu ter jogado é o meu canal do YouTube com um amigo. Todo mundo gosta de uma gameplay de jogo de terror! É um clássico estilo de vídeo na plataforma desde que ela nasceu e, por isso, decidi enfrentar meus medos. O que eu recebi foram as mais aterrorizantes horas que eu tive com videogames na vida, e também as mais estressantes, miseráveis e degradantes.
Você provavelmente sabe como funciona Resident Evil, mas ainda é importante reiterar. Como o pai do survival horror, Resident Evil estabeleceu a fórmula clássica do gênero com seus puzzles, backtracking e manutenção de recursos. Além da misteriosa mansão Spencer, o cenário também inclui um jardim, um dormitório, algumas áreas no subsolo e um laboratório. A exploração das áreas é baseada em encontrar itens-chave, resolver um quebra-cabeça e abrir novos caminhos principais e secundários.


Durante o percurso, você encontrará inimigos. Por isso, seu inventário já limitado precisa comportar mais do que chaves: armas, munição, ervas e sprays… Jill Valentine (ou Chris Redfield) precisa sobreviver não importa o quê. Algumas salas seguras possuem baús para guardar seus itens (que podem ser acessados em outros baús), e também máquinas de escrever. Essas máquinas, quando inspecionadas usando Ink Ribbon (tinta!), salvam seu jogo.
Esse é o ciclo básico de Resident Evil. O foco é sempre ir de sala a sala, mas os demais itens são vitais para que você consiga. As armas e munições matam seus inimigos, que nem sempre serão facilmente ignoráveis. Os consumíveis curativos vão salvar sua vida em um jogo que quase não tem combate, praticamente garantindo que uma hora ou outra você irá precisar se curar. Não existem checkpoints, e cada morte te leva para o último save. A questão é que, para salvar, Jill precisa de Ink Ribbons que também são um recurso limitado. Combine todos esses ingredientes e temos a receita de um jogo lotado de tensão.


Porém, a tese de todo esse ensaio é outra: o meu respeito por Resident Evil é proporcional ao meu ódio por ele. Esse é um jogo diabólico na sua primeira vez. Os oito espaços no seu inventário são muito pequenos para levar os itens que você precisa, o padrão de alguns inimigos é quase incompreensível (Hunter…), a movimentação limitada garante que você não possa desviar de muitos dos adversários na maioria dos corredores do jogo, o sistema de Ink Ribbons me fez perder (literalmente) três horas da minha vida refazendo a mesma longa seção sem ter qualquer maneira de encontrar outro desses itens para diminuir meu sofrimento, e o número de armas no jogo é praticamente incompatível com os espaços livres no inventário.
Mais de dez episódios de 20 minutos foram gastos na nossa série na boss fight com a Yawn, não por que não conseguíamos matar ela, mas por não ter Ink Ribbon nenhum para salvar esse progresso e morrer para os Hunters espalhados por uma mansão, que já varremos inteira anteriormente (o que significa que não há mais itens para pegar).


Com uma frequência nunca antes vista, me senti à beira de um colapso ansioso pensando que jamais iria terminar o jogo, o que agora acho que era um exagero dramático. Mesmo no nosso esforço para economizar Ink Ribbons, itens de cura e munições, logo tudo estava acabando e estávamos apenas na metade da jornada, sem esperança de chegar ao final. Até que, em determinado momento, conseguimos. Avançamos sem morrer o suficiente para achar dois Ink Ribbons e finalmente dar adeus a esse ciclo que durou tanto na nossa cabeça.
E, mesmo depois disso, muitos dos sistemas menos importantes passaram a me irritar. Nunca ter o item chave certo por ter guardado no baú, ter que usar minhas melhores armas em inimigos comuns por ficar sem munição nas mais fracas, assistir cutscene atrás de cutscene pela vigésima vez só para fazer mais uma tentativa em um chefe estúpido que eu só não matei ainda por estar com a vida no vermelho antes mesmo de entrar na luta… todos esses detalhes pesaram na minha experiência, que parecia jogar mais sal na ferida a cada minuto.


Talvez eu não me importasse tanto com refazer partes gigantes do meu progresso perdido se fosse um jogo mais rápido, com loadings menores, mais movimentação, cutscenes puláveis… mas isso nos traz ao que realmente importa. Todas essas coisas, do inventário ao Ink Ribbon, do Hunter ao Tyrant, da mansão ao laboratório… são propositais. Não foram um erro, nem um deslize, nem falta de testes ou mal balanceamento. Isso É Resident Evil, e mudar alguma dessas coisas faz dele outro jogo completamente.
Nenhum jogo na minha vida me deixou tão assustada. Eu não estou acostumada a me sentir tão tensa ou ansiosa com um videogame. Esse ódio que eu senti veio logo depois do medo que eu tive para tentar evitá-lo. Resident Evil tem a atmosfera, os sons, os gráficos e a história de um bom jogo de terror, mas ele também tem o risco.
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Eu não teria tanto medo de cada zumbi do jogo, até os mais fracos, se não tivesse algo para apostar. Horas refazendo meu progresso pode não parecer uma forma legal de balancear o jogo, e pode apostar que o sentimento é enfurecedor, mas é efetivo para me dar medo. Eu TENHO medo dos zumbis. Eu tenho fobia de aranhas como muita gente no mundo. Eu odeio cobras, e morro de medo da boss fight com a Yawn. Mas o que realmente manteve o sentimento intacto mesmo após enfrentar esses inimigos de novo e de novo e de novo e… de novo… é que se eu morrer eu VOU sofrer as consequências. E quando isso começa a pesar para o jogador, você entende todo o sistema.


Tudo se torna precioso. Você não está tentando tomar escolhas difíceis para perfeição, mas sim para sobreviver. Usar uma arma ao invés de outra para manter Jill viva. Não salvar agora para economizar Ink Ribbons ajuda você no futuro quando eventualmente precisar refazer seções. Tudo se torna uma forma de sobreviver sequer mais uma hora, e você começa a pensar realisticamente nas suas estratégias. Se você sabe que vai tomar dano, como consegue minimizar para usar menos ervas? Se você sabe que vai ter um chefe agora, talvez valha a pena sacrificar preciosas munições fortes a fim de não usar demais outros recursos vitais.
Eu usei a Magnum contra Hunters, um inimigo que eu tecnicamente consigo vencer de outras formas, porque não podia me dar ao luxo de tomar dano de um dos saltos dele. É interessante pensar que Resident Evil te faz tomar riscos para continuar vivo, e o foco é sempre dar um jeito de não morrer. Mas, às vezes, saber quando morrer e voltar em um save com nada mais do que INFORMAÇÕES vai te ajudar a tentar de novo gastando menos recursos. Por mais forte que a Jill ficasse, eu nunca deixei de ter medo de um simples zumbi, pois eu sei que, no momento errado, esse zumbi poderia ser o primeiro passo de um efeito borboleta que levaria à minha morte. Tudo tem peso em Resident Evil.


Por mais que eu tenha odiado minha experiência e que não queira retornar para a mansão Spencer tão cedo, eu não consigo cuspir em Resident Evil de nenhuma forma. Esse jogo não é só influente, ele é criativo, esperto e ousado. As muitas ideias de design que hoje consideramos retrógradas e estúpidas foram escolhidas a dedo para dar uma experiência que não precisa de mais qualquer incremento. Resident Evil é o melhor jogo de terror que eu joguei na minha vida e até hoje ele é um marco no gênero por priorizar todos os sentimentos mais impactantes que vem com o medo, e de formas tão absurdas que me fazem desprezá-lo.
Apesar da minha tenebrosa experiência, eu tenho um respeito gigantesco por esse jogo e não mudaria nada nele no fim das contas. Ainda vou visitar os demais jogos dessa franquia futuramente (e não só RE4 de novo) mas, por enquanto, vou para a cama sabendo que não preciso mais jogar Resident Evil 1 e posso respeitá-lo de longe. Boa noite!



