Spider-Man: Into the Spider-Verse desde que foi lançado mudou completamente o rumo das animações no cinema, além de ter impactado muitas outras coisas. Notoriamente é um dos filmes mais amados dos últimos anos, e por bons motivos, mas a primeira vez que eu o assisti em 2019 ele não tinha causado o impacto em mim que causou nos outros… bem, até agora. Você provavelmente já viu trezentas análises sobre esse filme e sobre sua continuação. Talvez eu não traga nada de novo na discussão, mas essa é uma obra especial demais pra só assistir e não falar nada.
Tirando o óbvio da frente: essa é de longe uma das, senão a animação mais bonita da história. O real motivo para esse filme ser tão bonito é o porquê dele ser feito assim: a animação não é incrível só pra ser bonita. Cada cena conta uma história nos seus visuais e ambienta sentimentos e personagens, pegando um pouco da caracterização e escrita e adicionando na animação. As inspirações em hip hop e cultura de grafitti são provavelmente a parte mais notável do filme, por bons motivos, mas todos os personagens trazem seu próprio estilo e personalidade, enquanto tudo se engloba no que eles têm em comum: o Homem-Aranha. Isso é especialmente óbvio com o uso de detalhes característicos de histórias em quadrinho do personagem, sempre usadas para enfatizar algo específico enquanto mantém o estilo do filme sempre novo. Nenhum frame em Spiderverse é passado sem contar uma história e sem se diferenciar dos anteriores.
A música não é um adendo para a animação, mas faz parte dela. Todos os âmbitos do filme são usados em conjunto, e não funcionariam totalmente sozinhos. A seleção de músicas tanto licenciadas quanto originais não só contam a história do filme mas também tudo sobre os seus personagens, especialmente Miles Morales.
Miles se tornou um dos meus personagens favoritos em qualquer tipo de ficção, e embora o filme possa te enganar dizendo que é sobre um multiverso, ele é na verdade sobre o Miles Morales e a mensagem principal do Homem-Aranha como herói. Na verdade a inclusão de muitos super-heróis aranha não é utilizada com um mero fanservice, mas uma ferramenta extremamente importante do enredo de Into the Spider-Verse que também criou todos os pilares para sua eventual continuação.
A direção da obra como um todo é impressionante para o tanto que tem em mãos. Não dá para olhar para Aranhaverso como apenas mais um filme de super-herói, não que isso seja ruim. Mesmo que o enredo possa ser bastante comum (o que não é o caso para sua continuação) a maneira que ele é contado entra mais profundamente nas pessoas que precisam dele. Ele faz isso enquanto entende tudo sobre o que o Homem-Aranha representa, e mostrando como esse simples personagem pode ser usado como um símbolo no nosso próprio mundo. O herói sempre teve um lado assim, sendo apenas uma pessoa normal de um bairro pobre (majoritariamente) que sofre perdas e luta do seu próprio jeito para mudar o mundo. Parece algo rotineiro para obras desse tipo, mas é mais que isso.
A maneira perfeita de contar essa história é seu protagonista: Miles Morales. Um garoto que vive no Brooklyn, parte de uma família latina comum, e com problemas de um adolescente normal. Na verdade, seus problemas se estendem para pessoas de todas as idades. Miles não consegue enxergar seu futuro, mas ao mesmo tempo não quer mais decepcionar todas as pessoas à sua volta. Ele também se sente sozinho, e só consegue ter seus sentimentos compreendidos pelo seu tio, que é o contrário do pai do garoto. É importante deixar claro que antes mesmo do enredo de super-heróis entrar em cena, a vida do Miles não estava toda resolvida, e a picada da aranha radioativa transformou uma vida complicada em algo praticamente impossível de lidar para um adolescente comum. Embora todo Homem-Aranha comece sua história de maneira parecida, Miles presencia a morte do herói do seu universo, e também promete à ele que salvaria o mundo no seu lugar. Ele não tem escolha, justamente por ter esse poder. É óbvio, com grandes poderes vem… você sabe.
Miles tenta e tenta, mas não consegue. Não consegue usar seus poderes, não tem confiança em si mesmo e acha que nunca vai poder, até que ele conhece outro Homem-Aranha… e outro, e outro. Somos apresentados à Peter B. Parker, Gwen Stacy, Peter Parker (Noir), Peni Parker e Peter Porker. Miles não está mais sozinho, mas tem algo errado ainda. Miles… não consegue usar seus poderes.
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O plano é esse: para que todos voltem para casa, alguém precisa ficar para destruir o portal, ou milhões vão morrer no mundo do Miles. Ninguém de outro universo pode ficar muito tempo na dimensão errada, eles vão morrer aos poucos. Então, só Miles pode fazer isso, porque ele é desse mundo mas… ele não consegue. O Homem-Aranha sempre se levanta, mas Miles não consegue. Ele não é como os outros… e decepcionou mesmo os que eram como ele.
Ele também enfrenta algo que todo Homem-Aranha precisa passar — a perda. Seu tio, o único que o entendia, é morto pelo Rei do Crime. Antes disso, tio Aaron era Gatuno, um dos vilões mais poderosos apresentados no filme que foi parcialmente responsável pela morte do Peter Parker dessa dimensão. Agora, Miles está completamente sozinho de novo, com a maior responsabilidade da sua vida adicionada nos seus problemas normais de adolescente que vão ficar de lado por um tempo. Sua relação com sua família, a perda do seu tio, o seu mundo pesando seus ombros, e as expectativas de muitas pessoas. Tudo isso faz Miles entrar em colapso, e como se não bastasse, ele é deixado para trás pelos outros Aranhas, para ser protegido. Seu amigo Peter B. Parker vai ficar para trás e, por isso, morrer para salvar o mundo do Miles. E ele não pode fazer nada… ele nunca pode.
É quando seu pai fala com ele através da porta do seu quarto no dormitório da sua escola. A relação de Miles com seu pai não é perfeita. Eles divergem em muitas coisas, e a maior parte dos problemas do Miles são complicados demais para contar ao seu pai… principalmente seus novos poderes. Mas independente, eles se amam. São família, mesmo que não 100% perfeita. O pai do menino diz que confia nele, e sabe que ele pode fazer coisas maravilhosas sendo quem é, e só ele pode. Só Miles pode.
Isso nos faz voltar para a mensagem principal do filme — todos podem vestir a máscara. Qualquer um pode ser o Homem-Aranha, com ou sem poderes, e o mundo precisa disso. Todos, únicos como são, são dádivas maravilhosas para o mundo. Todo ser humano é especial, e fica mais fácil entender isso com um personagem como Miles. Quando ele entende quem é, tudo fica mais fácil… e esse é o momento que ele pula, confiando plenamente que ele é o Homem-Aranha.
Ele não é o mais habilidoso Homem-Aranha, com certeza não é o mais experiente nem entre os que ele conheceu, mas ele é único. Só existe um Miles Morales como ele, um Homem-Aranha como ele, mesmo em um mundo com milhares de dimensões com milhares de Miles e zilhões de heróis-aranha… só existe uma pessoa como ele, e de alguma forma isso também retira sua solidão — ele é único, mas ele não é o único. E os outros precisam dele para salvar o mundo. O Homem-Aranha pode ser qualquer um, não precisa sequer ser um homem, muito menos um ser humano, mas esse tipo de analogia não funciona pro mundo real. Qualquer pessoa pode estar atrás da máscara, qualquer pessoa pode mudar o mundo.
A resolução do Miles e todo o desenvolvimento do enredo influencia cada um dos personagens, mesmo os que tem menos tempo na tela. Gwen Stacy perdeu a vontade de fazer amigos, por medo de perdê-los, e isso a levou para solidão. Mas, agora, ela sabe que não é a única, e tem um novo amigo mesmo que seja de outra dimensão. O pai do protagonista aceita não só a morte do seu irmão, como os dons únicos do seu filho, e o Homem-Aranha como um herói, mesmo que seja diferente dos seus ideais. Peter B. Parker é enviado de volta para sua dimensão com esperança — fé que as coisas podem mudar. Que ele pode consertar sua vida, e que não precisa ter medo de errar mais uma vez. As pessoas também precisam dele. Assim como precisam de você.
Gostaria de dar a esse filme a conclusão que ele merece, mas não estou em um bom momento da minha vida agora. Eventualmente, também vou falar sobre o segundo, e se houver algo importante pra ser dito lá sobre esse aqui, eu vou dizer. No mais, obrigada por terem lido.