Amid Evil: The Black Labyrinth  —  em portais equidistantes | Análise

Amid Evil The Black Labyrinth  —  em portais equidistantes  Análise

Após anos de desenvolvimento, Amid Evil: The Black Labyrinth foi lançado em 17 de agosto de 2023. É a expansão do FPS retrô titular de 2018 que lida com magia e civilizações anciãs guerreiras. The Black Labyrinth veio do mesmo time do jogo original, Indefatigable, e também foi publicado pela NewBlood, que é notável por trabalhar com jogos do estilo.

Como eu não falei sobre o jogo original antes no Recanto, vou contextualizar o jogo por si próprio enquanto falo de The Black Labyrinth pra não deixar as coisas confusas. Vamos lá!

Em meio ao gênero de FPS old school (ou boomer shooter, como também é chamado), Amid Evil veio voando como um machado. A estrutura de clássicos do gênero é reaproveitada quase que por completo num FPS desse estilo, a ponto de acabar valorizando a forma mecânica acima da sistêmica ou narrativa. Se em Call of Duty você passa por cenários feitos do zero para fornecerem uma experiência tangível e específica, em Quake as fases segmentadas e quase atonais narrativamente abrem espaço para um engajamento flexível; você pode jogar para passar o tempo, se desafiar mecanicamente ou explorar em busca de segredos sem necessariamente se atrelar ao mundo do jogo.

Amid Evil: The Black Labyrinth
Boa sorte em não se atrelar a essa lindeza

Mesmo assim, isso não impede um jogo como Quake de formar sua própria atmosfera e exploração temática em cada uma de suas fases, mas sim torna esse exercício opcional e abstracionado. É esta a base que muitos dos shooters old school costumam acompanhar.

Uso Quake como exemplo por causa de seus ambientes tridimensionais com foco em verticalidade e a flûencia com qual ele transiciona entre combate em arenas opcionais (você pode ignorar os inimigos se desejar), exploração em busca de recursos e segredos, e navegação para objetivo, seja ele encontrar chaves ou a saída da fase. Acredito que é esse dinamismo que atrai desenvolvedores independentes atuais de formularem seus jogos de maneira similar ao original Quake e não outros jogos notáveis como Turok ou Hexen. Como um exemplo contrário: em um DOOM clássico a experiência é propensa a entrar em assimetria pelo foco que o jogo põe em exploração e movimentação acima do combate, o que não é algo ruim! Mas é uma diferença que abre menos espaço para o intuito da nova leva indie.

Amid Evil: The Black Labyrinth piscina

Achei importante delinear essa interpretação do conceito de forma em shooters old school porque acredito que Amid Evil traça um caminho bizarro em meio aos seus colegas de gênero. Ao mesmo tempo que as fases são abstratas e formuladas em volta de traversias abertas mas semi guiadas, os temas de ancestralidade e misticismo inerentes ao jogo dão uma forma única aos locais.

Um exemplo de como isso funciona está na estrutura que todos os sete capítulos do jogo base seguem: três fases normais e uma de chefe. São muitos capítulos mas poucas fases para cada. Porém, toda fase é bem maior do que o comum para o gênero. São megaestruturas absolutamente lotadas de pequenas compexidades arquiteturais que as dão formas distintamente mágicas. Até o capítulo que se passa em fábricas tem um ar ancestral devido aos tipos de inimigos contidos nele e o layout dos locais. Você tem tempo e espaço para respirar os gigantes templos, castelos, fábricas, fendas espaço-temporais; todo tipo de monumento possível. O Campeão dos Deuses, que é o protagonista do jogo, caça o “mal” com seu Axe of the Black Labyrinth (Machado do Labirinto Negro). O Campeão usa o machado para guiá-lo aos locais “corrompidos” que os deuses julgam necessários, e isso contextualiza os pulos enormes de espaço entre cada um dos mapas. Mesmo assim, ele tirou aquele machado de algum lugar, não?

É essa brecha que a DLC The Black Labyrinth pega para abrigar seus dois novos capítulos inéditos. Sim, uma prequel! Ao invés do machado como sua arma corpo a corpo, o Campeão usa manoplas que são uma clara referência ao Star Platinum de JoJo. O negócio chama “Gauntlets of the Platinum Star”. Eu ri muito quando logo no começo de The Black Labyrinth já deu pra perceber que os Gauntlets são muito mais fortes que o machado que o coitado do Campeão tá buscando… pelo menos pros inimigos da DLC.

Digo isso pois uma característica distinta de Amid Evil é a sua variedade enorme de inimigos. Cada capítulo possui uma seleção única, o que deixa cada umas das sete armas mágicas do Campeão flutuarem em questão de utilidade dependendo dos inimigos presentes em cada capítulo. Por atirar lentamente em uma área focada mas possuir alto potencial de dano por tiro, a arma Star of Torment é bem útil em capítulos com inimigos com muita vida mas que vêm em pouca quantidade, enquanto é bem menos útil em um onde você enfrenta vários fracos ao mesmo tempo. No caso da expansão, os dois capítulos compartilham o mesmo elenco de inimigos novos, então acredito que os Gauntlets acabam só sendo tão fortes por serem feitos especificamente para lidar com os inimigos específicos da DLC.

Amid Evil: The Black Labyrinth Gauntlets of the Platinum Star

Isso é relevante até para a estrutura de The Black Labyrinth, pois no jogo original apenas os dois primeiros (e o último) capítulos devem ser completados em ordem, enquanto os do meio podem ser jogados na ordem que o jogador quiser. A expansão consegue passar mais tempo explorando um único conceito, o labirinto (e os locais que levam um desafiante a ele).

No mundo de Amid Evil, fazem eras desde que alguém tentou desafiar o Black Labyrinth e muito mais desde que alguém conseguiu o conquistar. Ao tomar o desafio, o Campeão é seguido pelos olhos do The Watcher, que acompanha a jornada e o fornece o Void Splitter, uma foice que derrete o espaço tempo vinda de um guerreiro passado que foi derrotado pelo labirinto. O primeiro capítulo da DLC lembra algumas áreas do jogo base já que o Campeão está passando por locais de cunho parecido, mas ao chegar no labirinto em si, toda a atmosfera e estrutura de fase é virada de cabeça para baixo.

Até se comparados à campanha original de Amid Evil, os locais próximos ao labirinto que você explora na DLC são maiores em escala e de certa forma ainda mais abertos. As arenas são absolutamente enormes e nem os mais simples corredores são poupados do tamanho extra. Você tem muito espaço para navegar e desviar.

Amid Evil: The Black Labyrinth uau

Gigantescas cavernas que dão caminho a torres maiores ainda; um pântano em meio a um templo quase inteiramente tomado pela natureza; a entrada desolada do Black Labyrinth; o buraco que te leva às profundezas do labirinto tão distantes da superfície que o sol se torna apenas uma decoração… Em meio a sua jornada para buscar o machado, estes são apenas alguns dos locais que o Campeão encontra.

O que não falta é atmosfera e um senso de lugar em cada fase, o que julgo ser essencial para o Amid Evil. Os encontros contra inimigos são remixados para te surpreender e mostrarem o domínio que eles têm do espaço. Se na campanha original de Amid Evil o Campeão estava surpreendendo os inimigos ao caçar eles com o seu machado, em The Black Labyrinth ele já é esperado pelos guardiões. O jogo não deixa isso tão explícito assim, mas as armadilhas constantes encontradas nos layouts de fase e o posicionamento malandrinho de inimigos é o suficiente pra passar o sentimento. É algo mais enfatizado ainda no segundo capítulo da expansão onde você está dentro do labirinto.

Entre todos estes pontos, gostaria de enfatizar que The Black Labyrinth recontextualizou muito bem minha relação com expansões para jogos de FPS old school e até com o gênero em geral. Dissecar os pedaços de algo do gênero requer uma visão mais fria do que cada jogo oferece por ter tantos elementos individuais que estão lá mais para induzir do que guiar um jogador. Dada uma arena lotada de inimigos, cada jogador vai agir de maneira completamente diferente e ir a locais igualmente distintos. Alguns vão sair pulando por aí e desviando de ataques à queima roupa usando todas as armas enquanto outros encontrarão um ponto mais seguro e vantajoso para lidar com os inimigos de longe, por exemplo. É algo aberto que busca densidade tanto nesta relação quanto no ato de mirar, enquanto se movimenta, que é um dos maiores aspectos da criação de identidade de um FPS.

Mas infelizmente é difícil descrever situações momento a momento como estas sem frieza. Não é algo ruim, mas me incomoda por ser meio incompatível com meu estilo de escrita. É mais fácil descrever as ferramentas fornecidas ao jogador e seus usos para cada situação do que entrar em outras peculiaridades do jogo. Pelo interesse que Amid Evil tem em atmosfera, eu acabei conseguindo traçar um caminho possível. Os locais, o palco sonoro, o senso de lugar.

Tudo isso faz parte do que fez o jogo original se destacar e é o que a DLC toma proveito também. É raro ver uma expansão tão conectada com o jogo original no gênero enquanto ainda passa por ideias novas. No passado, muitas das expansões de FPS eram feitas por outros estúdios com outras filosofias e visões sobre o jogo base como no caso de Quake, Shadow Warrior, Redneck Rampage, e inúmeros outros. Existiam exceções como Spear of Destiny (para Wolfenstein 3D) e Extreme Rise of the Triad, mas elas seguiam uma direção diferente focada em desafiar veteranos do jogo base. Era uma situação parecida com Super Mario Bros.: The Lost Levels.

Fireblu

Então ver uma expansão com dois capítulos extras feita pelos mesmos desenvolvedores do jogo original acabou me lembrando de Hexen II. Muitas comparações foram feitas entre Amid Evil e Hexen (e também Heretic, o irmão mais novo de Hexen, mas ele não vem ao caso agora). Hexen II foi o primeiro jogo de sua franquia completamente 3D, e… é um dos meus jogos favoritos. É meio que o que me atraiu à Amid Evil em primeiro lugar lá na época que ainda estava em Early Access. Tirando alguns conceitos de armas e sistema de mana, os dois jogos não são tão parecidos. Amid Evil se entrega completamente à escala de seus locais e um mundo tomado por magia enquanto Hexen ainda coloca um de seus pés no chão de um ambiente medieval menos colorido. De qualquer forma, quase todos os positivos que mencionei de The Black Labyrinth também podem ser aplicados à DLC Portal of Praevus do Hexen II! Dois capítulos novos, diversos inimigos novos, ambientes e estrutura consideravelmente diferentes do original; mas ainda extremamente fiéis à proposta do jogo original. As duas expansões buscam expandir o universo e os temas de cada jogo ao invés de fornecerem um nível maior de desafio, e as duas são feitas pelos mesmos desenvolvedores do jogo base!

Amid Evil: The Black Labyrinth Void Splitter

Assim, fiz essa comparação não para traçar um laço profundo entre os dois jogos ou fazer uma tese maluca — eu simplesmente queria recomendar mais uma expansão junto de The Black Labyrinth e contextualizar mais as inspirações do Amid Evil sem fugir muito do assunto. Eu consegui! Ou pelo menos espero.

Amid Evil: The Black Labyrinth é uma expansão digna do jogo original. Sua temática nova e prioridades diferentes de design são muito bem vindas, e adicionam camadas inéditas ao já variado Amid Evil. No futuro espero por mais jogos e ideias refrescantes da Indefatigable. O espaço atual dos FPS old school está mais variado que nunca e cheio de jogos que continuam me encantando, mesmo que não sejam todos. É o sinal de um gênero saudável, e algo que era inimaginável dez anos atrás. Espero que outros subgêneros acabem recebendo suas próprias cenas modernas apaixonadas que buscam novos caminhos além de apenas reiterar o passado.

Uma cópia gratuita de Amid Evil: The Black Labyrinth para PC foi concedida pela NewBlood para análise no Recanto do Dragão.