Anunciado no The Game Awards de 2022, Armored Core VI: Fires of Rubicon é um jogo desenvolvido pela From Software, publicado pela Bandai Namco e lançado no dia 25 de agosto de 2023. Ele é… um jogo de robô gigante.
Eu carregava a pretensão de me tornar um grande de um fã de Armored Core até o lançamento do decimo sétimo jogo da franquia, mas não deu tempo. eu joguei Armored Core 1, Project Phantasma, Master of Arena, dois terços do 2, um terço do 3 e metade do 4. Eu não encostei no 5 (ainda) mas ao menos finalizei o Frame Gride, sem piada alguma um dos jogos mais importantes pra entender a mentalidade da From Software.
Portanto foi meio confuso aguardar o lançamento composto por um ciclo de marketing maternal de nove meses de pura crença deste bebê biomecânico assassino que tem como seus pais o queridinho repertório “cult” da indústria de vídeo games que são os Elden Ring’s, Sekiro Shadow’s Die Twice’s, Dark Souls 3’s, Bloodborne’s, Dark Souls 2’s, Dark Souls 1’s e enfim Demon’s Souls’s.
Qualquer outra peça midiática que envolva Armored Core’s, Echo Night’s, King’s Field’s e Evergrace’s não importam pra essa história, ao menos não no imaginário diagético de como a From Software deu “a volta por cima” como uma empresa que só fazia jogos “esquisitinhos”.
Eu vou ser sincero, essa também não é a proposta da história que eu vou contar no dia de hoje, pois hoje é um dia de cão (ou corvo).
O termo “dias de cão” ou “dia do cão” vem de quando o seu dia está tão ruim que você se sente tal qual um cachorro. Na roma antiga os “dies caniculares” vinham durante o fim de julho até agosto e consigo era a chegada dos dias mais calorentos e terríveis daquele ano. O cachorro estava justamente no presságio de tais momentos, pois quem anunciava tudo era Sirius, a estrela mais brilhante à olho nu e, acima de tudo, a estrela do cão.
No jogo de video game eletrônico Armored Core VI, as suas relações como protagonista são na maior parte do tempo pautadas em ser um cachorrinho de estimação. Canis lupus familiaris é o nome que a humanidade usou para cunhar o que entendemos como um cachorro; você provavelmente conhece um cachorro. No meu caso conheço e “tenho” cachorros desde que eu me entendo por gente.
Cachorros são bichinhos amáveis, que comem, dormem, praticam necessidades básicas a céu aberto, ladram, latem; enfim, se expressam de sua própria maneira.
Cuidamos deles desde o momento que começam a nos pertencer até a eminência do fim de suas e nossas vidas e os tratamos como um complemento da nossa individualidade e alma. Quando eles tão tristinhos, ficamos tristinhos juntos. Quando eles estão irritados com alguma coisa, nós também ficamos, já que um latido de cachorro as três horas da madrugada nunca é uma coisa muito agradável de se ouvir. Quando estão doentes, adoecemos juntos. E, quando eles vão embora do nosso mundo, um pedaço da nossa alma parte e nunca mais volta, e não existe substitutos pra essas emoções.
Todavia, não temos uma relação completamente igualitária, ainda somos “mestres” deles, ensinamos o que é errado e o certo, aonde comer, que horas comer, como se portar, dar a patinha pra ganhar biscoitinho. Basicamente ensinamos eles a se submeterem.
O que eu quero dizer com tudo isso é que ser um cachorro metafórico em Armored Core não se trata simplesmente de ser um animalzinho de estimação de grandes corporações malvadas e pessoas com intenções cinzas que utilizam você apenas com um complemento de seus grandes planos conspiracionistas, mas sim uma emoção um tanto diferente e pessoal.
Criando um preâmbulo com Armored Core, e principalmente aqueles que eu joguei em sua plenitude que foram os três primeiros para Playstation 1, você ser um Raven era quase como o pressuposto máximo de liberdade dentro dum mundo corporativista neoliberal. Suas únicas obrigações e sentidos eram as de cumprir qualquer missão que te fosse oferecida apenas para manter seu ganha-pão e continuar aprimorando o complemento corpóreo que é o seu Mecha.
Em Fires of Rubicon você é o “Augmented Human C4–621” um humano sem uma grande história exposta e que passou por diversos procedimentos cirúrgicos. Você não se expressa através de uma comunicação vocal e nem é capaz disso, todavia você recebe ordens do seu Treinador, Walter. É esse cara que te botou nessa missão no planeta de Rubicon e você é só mais um dos cães dele.
Não se existe uma linha do tempo bem concretizada de quando os cachorros começaram a andar com os seres humanos e construir essa mutualidade de tal submissão, fato é que a cultura do cão de caça foi se constituindo em meio a isso, e com o passar dos séculos as raças foram se “aprimorando” para o propósito da caçada ao mesmo tempo que aprenderam a ser cada vez mais fofinhos.
Agora, eu não sou um biólogo, veterinário, e tão pouco o Cesar Millan, mas eu posso afirmar que a ideia de ser um cãozinho é o que estrutura a maioria, senão todas as relações do mundo de Armored Core VI.
Armored Core VI se passa em Rubicon 3, um dos planetas do sistema estelar Rubicon, que depois da descoberta e uso desenfreado de uma fonte de energia denominada Coral que exponenciou o potencial dos rubiconianos, passou por uma catástrofe por decorrência deste uso e que engoliu por inteiro o planeta e as estrelas de toda a região que permeava a superfície do planeta.
Meio século depois, corporações visando lucros e resistências voltaram ao planeta para tentar tomá-lo para si mesmas. Em meio a isso, o Cão 621 (junto de seu Treinador) se infiltra nesse planeta e entra no meio de um conflito armado com dezenas de lados.
Armored Core VI é Armored Core, e se você não sabe o que é um Armored Core vai o resumo: fazer missões curtas para pessoas que você nem sempre vai concordar, tentar não perder tanto dinheiro com munição e reparos e ficar metade do jogo montando seu robozinho com as peças que você acha que seria maneiro (ou efetivo) usar.
Você anda, voa, bate, atira, explode, corre, straifa e tenta lidar com o controle de câmera quase sempre caótico da From Software. A mira ainda é aquela retícula no centro da tela que você precisa aguardar o sistema “calcular” a trajetória em constante mudança pro tiro acertar.
Ainda sim Armored Core VI não é o mesmo Armored Core de 1997; eu não sou louco de afirmar uma coisa dessas. Com o decorrer do tempo a From Software deixou de ser a empresa do Armored Core pra se tornar a empresa do Souls.
Até onde tudo isso realmente afeta Armored Core VI? Em elementos superficiais como as curas que remetem às Estus Flasks de Souls e uma intensa cinematografia nas apresentações de oponentes mais fortes, e muito provavelmente no senso do quão kinéticos são os ataques e combos em comparação à iterações antigas.
Mas no fim de tudo, não existe uma tentativa de necessariamente magnetizar fãs de outras franquias em aspectos estruturais. As missões são ainda curtas, apesar de maiores do que o padrão da franquia (cinco a 15 minutos no máximo), os checkpoints não trivializam o jogo, já que basicamente só servem pra você renovar suas builds sem precisar fazer a missão inteirinha novamente. Os tutoriais (obrigatórios e os opcionais) também são bem pacientes em tutelar cada coisinha que engloba a estrutura de um Armored Core sem desgastar completamente o jogador no caminho.
Existe uma dramaticidade em Armored Core VI que não permeava os primeiros jogos da série com tanta intensidade. Desde o começo do jogo uma das coisas que você mais vai se acostumar a ouvir é a lamúria nos rádios de seus oponentes, idealistas que só queriam ter um sonho para sonhar, aqueles que perderam seus sonhos e aqueles que os inspiravam a sonhar por conta do terror cíclico da guerra.
Se nos jogos do Armored Core de Playstation 1 assassinar dezenas de trabalhadores que nem contra-atacavam suas ofensivas parecia muito mais uma tarefa cotidiana e rotineira, o cinismo da franquia vai se tornando pouco a pouco algo muito mais pautado na emocionalidade humana.
Na própria história do jogo vão existir momentos que você precisa fazer decisões importantes que impactam completamente o destino daquele mundinho, e é nisso que a filosofia de vida que você decidiu seguir impacta os alicerces do mundo de Armored Core VI.
Logo no começo do jogo você rouba o título de um mercenário chamado “Raven” e começa a agir se intitulando como tal. Corvos podem ter muitos significados dependendo de qual cultura você recorra e, por incrível que pareça, quase nunca são coisas de teor pejorativo — muitas vezes o corvo aparece como um mensageiro e companheiro de deus(es) como Apolo, Odin, Itzamná e até Jeová.
No xintoísmo também não é diferente: o Yatagarasu, um corvo de três pernas, foi um mensageiro divino enviado pela Deusa Amaterasu para ajudar na fundação do que conhecemos como o Japão. Uma das teorias mais palpáveis é que suas três patas representem a união entre o paraíso, terra e homem, botando em pé de igualdade o homem à seu criador.
O divino vai muito além de figuras de poder em forma de homem, é a completa manifestação do imaterial que vive em sua cabeça, uma estrela guiada por suas emoções e ideais.
O corvo, mesmo trabalhando em função de um ideal divino, é dono de si por natureza, livre e sobretudo um missionário da quebra dos status quo, não necessariamente para o bem e para o mal, mas trazendo consigo a mudança como algo natural e necessário.
A decisão entre ser um cachorro ou um corvo é tênue de acordo com seus princípios, afinal ambos carregam implicações que estão além deles mesmos, mas enquanto para um o mundo se trata de seu próprio dono, para outro ele é o dono de seu próprio mundo.
E a decisão é sua, afinal, a vida é sua, você decide como reger ela, que ideias seguir, e que consequências tomar pra si mesmo.
O quão livre se sente um cachorro ou um corvo não pode ser determinado por nós, se eu perguntar pro meu cachorro isso, eu realmente não acho que ele vá me responder.
Mas é dentro dessas metáforas que o mundo de Armored Core VI: Fires of Rubicon se pauta. A força da humanidade e potencial humano não é atrelado tanto ao que é necessariamente o certo ou o errado mas o que você agarra como a constelação que te guia no mundo.
Uma cópia gratuita de Armored Core VI: Fires of Rubicon para Playstation 5 foi concedida pela Bandai Namco para análise no Recanto do Dragão.