Call of Duty: Modern Warfare III é a sequência direta do Modern Warfare II que veio no ano passado. É o terceiro reboot da trilogia MW original que começou com Call of Duty 4: Modern Warfare em 2007. É o 19º jogo da franquia principal a ser lançado anualmente, e teve oito times de desenvolvimento atrelados ao projeto, cada um com diversos níveis de envolvimento.
Além de tudo, é importante notar que Call of Duty: MWIII foi desenvolvido em apenas 16 meses. Mesmo com os lançamenos anuais, os jogos da franquia são desenvolvidos em ciclos de aproximadamente três anos cada, divididos entre três empresas principais: Infinity Ward (que cuida da série MW), Treyarch e Sledgehammer Games. Com esse ciclo, a distribuidora Activision conseguiu manter os lançamentos atuais fortes sem sacrificar polimento, que é importante para manter a posição da franquia como um carro chefe de vendas.
Bem, parece que um grande deslize de planejamento finalmente ocorreu e desestabilizou a franquia. O MW3 de 2011 foi um projeto conjunto entre a Infinity Ward e o único grande envolvimento que a Sledgehammer teve com essa ala da franquia, ao menos até este ano — pois o estúdio principal responsável por MWIII 2023 foi a Sledgehammer. Segundo reportagem do Jason Schreier para a Bloomberg, a Activision avisou os desenvolvedores que este projeto seria uma expansão para o reboot MWII de 2022, e que este basicamente marcaria o primeiro ano sem um jogo completo da franquia COD desde 2005. Bem, esse acabou não sendo o caso.
A Sledgehammer teve que colaborar com a Infinity Ward para delinear a narrativa sem conflitos conceituais com os planos originais da Infinity Ward. Isso e muitas das novas missões da campanha teriam que cortar parte das setpieces cheias de espetáculos comumente vistas na franquia em troca de mapas abertos onde você controla um personagem em uma missão solo, se infiltrando em locais para cumprir objetivos de maneira livre — estas missões são chamadas por MWIII de “Open Combat”. Falarei sobre elas mais pra frente.
Nota: Esta análise apenas cobre a CAMPANHA de Call of Duty MWIII 2023.
Nota²: Esta análise contém spoilers de Call of Duty 4: Modern Warfare (2007), Call of Duty: Modern Warfare 2 (2009), Call of Duty: Black Ops (2010), Call of Duty: Modern Warfare 3 (2011), Call of Duty: Modern Warfare (2019), Call of Duty: Modern Warfare II (2022) e Call of Duty: Modern Warfare III (2023).
Mesmo considerando os problemas de desenvolvimento, a campanha de MWIII 2023 segue ao menos um pouco filosofia narrativa dos reboots de Modern Warfare que critiquei tanto no Modern Warfare II de 2022 e também foi dominante no primeiro reboot de 2019.
Sim, os jogos da série Call of Duty são basicamente propaganda imperialista vinda dos EUA. Isso é óbvio desde seu primeiro jogo que se passava na Segunda Guerra Mundial; principalmente na visão paródica do jogo em relação às missões soviéticas. Mas mesmo nos CODs mais diretamente imperialistas, como o primeiro Black Ops de 2010, as narrativas eram firmadas em um grau altíssimo de ficção nos moldes de thrillers políticos. É, no mundo de Black Ops 1 o projeto MKUltra foi feito pela Rússia para realizar lavagem cerebral em um soldado americano com o intuito de fazê-lo matar John F. Kennedy (lembrando que o MKUltra foi um projeto real dos EUA realizado pela CIA), mas o nível de ficcionalização era tão ridículo e longe de qualquer plausibilidade que eu entendo esta era ser vista como entretenimento de massa onde o impacto político da história poderia não ser levado tão a sério.
Este não é o caso em nenhum dos reboots de Modern Warfare, e nem o III se safa disso. O fator de choque que antes era principalmente localizado em uma ou outra missão agora é constante, se assemelha diretamente a acontecimentos reais e possui uma visão de mundo muito mais radicalizada. É curioso pensar que o Black Ops Cold War de 2020 e o Vanguard de 2021 desviaram deste problema enquanto os Modern Warfare continuam se afundando em conceitos tão absurdos.
Em MW (2019) você vê terroristas do país fictício Uzbekistão abrindo fogo em locais populosos e reais de países do norte global, o que na visão do jogo justifica o uso de força desenfreado que a Task Force 141 busca ter permissão para fazer. Toda situação onde há morte de civis poderia ter sido evitada com um número menor de casualidades se o esquadrão tivesse carta branca para abrir fogo e executar grandes terroristas sem a necessidade de um mandato.
Enquanto consigo ver uma visão mais empática à situações difíceis passadas por soldados em combate no Modern Warfare 1 de 2007, o reboot de 2019 passa uma visão ao mesmo tempo individualista e nacionalista do conceito de soldado. O senso moral do Capitão Price como indivíduo é colocado acima das ordens recebidas por qualquer organização. Ele é justificado pela narrativa pelo simples fato de estar ativo em campo. Já que ele está se arriscando para tomar estas decisões complexas, MW (2019) acredita que Price e seu esquadrão tem o direito de agir além das regras de engajamento.
Se você quiser ver mais exemplos específicos disso, eu os menciono no meu texto de MWII 2022. Não quero perder tanto tempo com algo que se manteve similar neste novo jogo, mas senti ser importante mencionar que o MWIII 2023 continua esta tendência. Para isso terei que me aprofundar em uma missão em específico.
Muitos jogadores engajados nas notícias de videogames em 2009 se lembram da missão “No Russian” do MW2 original, onde você joga como um agente da CIA disfarçado num grupo de terroristas liderado por Makarov. Makarov e companhia, acompanhados do jogador, abrem fogo em civis num aeroporto de Moscou.
Por desviar muito do delineamento dos jogos originais, o MWII 2022 não conteve nenhum equivalente à esta missão, mas terminou com um teaser logo na cena pós créditos do jogo, que dava a entender que um equivalente de “No Russian” aconteceria em um avião no próximo jogo.
Agora, um ano depois, o equivalente de “No Russian” está aqui. Na missão “Passenger” você joga com a Samara Jalal, uma ex-membra da Urzikstan Liberation Force (ULF), um grupo de resistência liderado por uma das protagonistas da nova trilogia, Farah Karim. A missão de poucos minutos de duração mostra Samara sendo coagida por Vladmir Makarov e o Grupo Konni, que é liberado por ele. Makarov planeja explodir o avião e colocar a culpa na ULF. Para isso, ele coloca um colete com bomba em Samara, ativa o temporizador com um celular, entrega o aparelho para um de seus comparsas, e pula de paraquedas do avião.
Neste momento Samara é levada de volta aos corredores do avião por este comparsa de Makarov, que pergunta se a Samara é uma terrorista. Samara responde que não. O homem então dá à ela uma pistola, olha para seu rosto, e diz: “você parece uma terrorista”.
Após jogar o aparelho com o poder de desativar a bomba no meio dos passageiros confusos (que sabem que estão sendo atacados por algum grupo terrorista, mas nada além disso), o homem também arremessa Samara, que agora deve lutar contra hordas de civis para chegar no celular e desativar a bomba. Ela falha. O avião explode. Todos morrem. A próxima missão vê Farah limpando o local onde o avião caiu e destruindo as evidências falsas deixadas pelo ato de Makarov.
Em cada um dos poucos segundos que passa em “Passenger“, você sente o desespero de Samara em tentar convencer os passageiros russos do avião a deixarem ela agir. Eles simplesmente assumem que ela é uma terrorista e a impedem de parar a bomba. É uma cena agonizante, mas é profundamente irônico que os desenvolvedores americanos colocam todo o ônus do preconceito à pessoas árabes como terroristas nos atos dos russos da ficção do jogo.
Isso não é um conceito novo para um COD; uma das manias da franquia é querer abordar assuntos atrelados à ações que na vida real seriam associadas aos próprios americanos, só que na ficção retratá-los como atos russos. Mas precisamos considerar que, na situação atual e real na faixa de Gaza, a culpa de muitas das mortes de civis palestinas pela mão de Israel está sendo colocada num senso geral de que o povo de Gaza é “a favor dos atos terroristas do grupo Hamas”, que perpetua o mesmo estereótipo de “árabes terroristas” que MWIII aborda e culpa nos russos. Agora, por que mencionei isso? Pois o governo dos EUA está neste momento reforçando a mesma visão de Israel sobre a situação em Gaza. Lembra a cena do MW 2019 onde você invade um hospital no oriente médio cheio de civis e muitos dos pacientes são terroristas disfarçados, te forçando a matá-los e justificando o ataque da Task Force 141 ao hospital? Israel está usando de desculpas similares para justificar o ataque ao hospital Qatari em Gaza.
É por isso que reforço que o nível de propaganda militar imperialista em que os Call of Duty modernos operam com a série reboot de Modern Warfare é especialmente perigosa. As missões não se limitam à abstrações de conceitos reais — elas criam situações que podem ser diretamente comparadas com acontecimentos vistos no mundo de hoje. Uma cena como a que mencionei do hospital de MW 2019 serve para gerar uma visão empática do público às ações cruéis e imperialistas do norte global; quando algo similar acontece na vida real, o precedente fictício de uma franquia tão popular quanto CoD funciona como propaganda.
Voltando para a missão “Passenger”. Call of Duty MWIII utiliza da etnia árabe de Samara como um atalho narrativo para fazê-la ser vista imediatamente como terrorista pelos outros viajantes no avião. O jogo tenta fazer uma crítica à esta visão de mundo, mas como a situação acontece no contexto narrativo do plano ultranacionalista do Makarov que busca fabricar informações para radicalizar o povo russo, qualquer ponto que o MWIII queira fazer sobre isso não vale nada. Ele tenta casar coesão e avanço narrativo com outro assunto em que está desinteressado em interrogar (nesse caso a situação de Samara).
Fora esta missão, existe apenas mais uma que lida com fator de choque e representa o assassinato em massa de civis (por isso considero MWIII 2023 o menos chocante da nova trilogia, mas isso não diz quase nada): “Flashpoint”, um flashback jogável do Soap e Capitão Price que os vê quatro anos antes dos eventos do jogo tentando capturar Makarov. O problema é que Makarov está ocupado cometendo uma chacina em um estádio de futebol. Enquanto “Passenger” reimagina a situação do personagem controlável ter que cometer um ato de terrorismo contra sua vontade vista em “No Russian”, “Flashpoint” parece demonstrar uma visão inversa dos acontecimentos da missão chocante do MW2 2009. Soap e Price lutam contra os terroristas russos e tentam impedir o já elevado número de vítimas de aumentar enquanto caçam Makarov.
O ponto dessa missão, além do fator de choque, é demonstrar o arrependimento que Soap teve de não ter executado Makarov quando conseguiu capturá-lo naquela missão. À esta altura da trilogia, isso só acaba no jogo querendo reestabelecer que quebrar as regras de engajamento é sempre a melhor opção para estes soldados. Soap pensa que, se ele tivesse ido contra suas ordens de capturar e prender Makarov para matá-lo no lugar, ele teria impedido o ataque ao avião visto em “Passenger” e o retorno em grande escala dos ultranacionalistas russos, entre outras coisas que mencionarei em breve.
Ah, agora é um bom momento pra mencionar uma missão que gostei bastante em execução e conceito. A primeira do jogo, “Operation 627”. Nela, os ultranacionalistas do grupo mercenário Konni resgatam seu líder Makarov da mesma prisão em que Soap e Price o colocaram após os eventos de “Flashpoint”. Esta missão é diretamente inspirada na “The Gulag” do MW2 2009, onde a Task Force 141 resgata o Capitão Price de uma maldita Gulag ativa. O jogo se passa em 2016. É um conceito muito engraçado, e executado com o flair absurdista que MW2 2009 estabeleceu como padrão para a franquia.
Em “The Gulag”, Price é o prisioneiro 627. A missão “Operation 627” de Call of Duty MWIII 2023, então, dá a entender que é uma reimaginação do resgate de Price, mas dessa vez representada como uma operação mais tática (e menos bombástica) para seguir a temática estabelecida pela franquia de reboots. Mesmo com toda a obsessão que os reboots de Modern Warfare têm com ressignificar personagens e acontecimentos nostálgicos para a fanbase dos jogos originais, nesta missão isso é feito com o cuidado necessário. O momento a momento da missão é diferente, mas familiar. O mesmo vale para o layout da gulag. Mas MWIII 2023 brinca com suas expectativas ao fazer a missão ser um resgate do Makarov, e não do Price. Ao encontrar Makarov, você descobre que está jogando com um membro respeitado do Konni Group, Andrei Nolan.
Mesmo quando o jogo revela este pequeno twist na segunda metade da missão, ela ainda não deixa a tensão para trás. Makarov basicamente organiza uma revolução armada dos prisioneiros enquanto vocês escapam com ele, mas parte do plano dá errado devido à um deslize vindo de um dos membros do Konni Group, Ivan Alexxeve. Neste momento, é fácil criar um pouco de medo do que vai acontecer com ambos Ivan e Andrei no fim da missão. Afinal, você não tem contexto nenhum da operação ou do passado do personagem com que você está jogando, Andrei (ao menos que você tenha jogado os eventos do Warzone, que estragam a surpresa dessa parte).
Naquele momento dá pra pensar que talvez o Andrei seja uma reimaginação do Yuri do MW3 2011, que era um ex-aliado do Makarov que mudou de lado para a Task Force 141. Talvez o Makarov traia Andrei e só dê um tiro em sua cabeça como punição, de forma parecida com o final de “No Russian” de MW2 2009. Existem muitas possibilidades, e imaginar elas como alguém experiente com a franquia é um exercício muito divertido. Parece que MWIII 2023 sabe disso, pois no final da missão Makarov estende sua mão para ajudar Andrei e, ao invés de dar um tiro na sua cara, apenas agradece sua lealdade. Pouco depois, Makarov faz Andrei executar Ivan em uma cutscene como punição por não ter seguido ordens à risca.
Esta é a primeira missão do jogo, e mesmo assim um momento impressionante que lembra as ambições narrativas mais imprevisíveis dos antigos CoDs. Os reboots tendem a tratam seus antagonistas e principalmente seus protagonistas como símbolos de um ideal. Os “grandes soldados” que fazem além do que o necessário para protegerem seus países de origem. Os que se arriscam em campo para tomar as decisões complicadas e salvar o povo. Enquanto a trilogia original de Modern Warfare não tinha medo algum de matar seus protagonistas a rodo para passar a sensação de que ninguém está a salvo das consequências de uma guerra, os reboots possuem um receio gigantesco de mudar o status quo.
Um exemplo notável disso é o caso do Alex Keller, que parecia ter morrido no final de MW 2019 mas aparece apenas machucado na sequência. Enquanto a Task Force 141 se encontra com apenas um membro vivo no final da trilogia original (o Capitão Price), no final de MWIII 2023 só um membro do esquadrão está morto. Price é poupado. Gaz é poupado. Ghost é poupado. Alex. Laswell. Farah. Alejandro. Até o Shepherd continua vivo na nova trilogia.
Isso remove quase que inteiramente a tensão dos novos jogos e a troca pelo dano que os vilões podem causar à população civil. Muitas das cutscenes de MWIII 2023 apenas envolvem um grupo de personagens simbólicos em uma sala discutindo estratégias sem muito drama além de xingar o Makarov e o Shepherd.
Olha, eu não quero que os jogos novos se assemelhem tanto com os originais. Acredito que, em muitos âmbitos, as leves homenagens e reimaginações soltas de missões e situações dos Modern Warfare antigos são feitas com muita habilidade nos reboots. Mas realmente acredito que a maneira com que os protagonistas são reverenciados como símbolos machuca profundamente a minha disposição de me engajar na ficção destes jogos.
Curiosamente, MWIII é de longe o jogo que mais reflete esta mudança de visão dos personagens em sua gameplay. Chegou a hora de falar das missões em estilo Open Combat! São seis dessas presentes no jogo, espalhadas de maneira desigual pela campanha super curtinha de 14 missões no total. Elas pegam múltiplas mecânicas emprestadas do spinoff battle royale da franquia, o Warzone. Você controla um dos protagonistas entrando em um mapa completamente aberto (dentro dos confins da missão) com múltiplos objetivos delineados em marcadores vagos enquanto procura equipamento e proteção. Ele segue uma filosofia parecida com a dos outposts dos Far Cry e Ghost Recon modernos, mas com duas diferenças principais: em MWIII 2023 o loot que você adquire só serve para aquela missão e, se você for visto, uma onda de inimigos novos aparece infinitamente até você despistá-los (enquanto nos outros jogos que citei os reforços são chamados de forma controlada).
A filosofia de design das missões de Call of Duty, ao menos para mim, proporcionava uma sensação de improviso planejado. Mesmo dentro dos confins lineares de uma das missões tradicionais cheias de ação dos jogos, você conseguia criar seu próprio espaço. Escolher as armas que ia usar, gerenciar a própria munição, avançar com seu esquadrão em meio à multidão de inimigos. Até quando os jogos se tornaram mais lotados de ação desenfreada, o seu esquadrão ainda era uma ferramenta importante por ajudar a atrair o fogo inimigo à eles para criar aberturas. Além disso, eles realmente conseguiam matar uma quantia significativa de inimigos sem sua ajuda. Você criava uma sensação de dependência deles, o que eu acho um ótimo toque. Sempre apreciei os caminhos improvisados e ângulos estranhos que você conseguia achar navegando as missões. Call of Duty quase nunca precisa te guiar ativamente, ele deixa seus instintos serem o suficiente para a campanha fluir.
Quase tudo que citei no último parágrafo é drasticamente alterado nas missões Open Combat do Modern Warfare III 2023. Você entra nelas a sós como o equivalente de um supersoldado, matando centenas de combatentes inimigos sem a ajuda de ninguém e pulando de paraquedas/escalando prédios como se não fosse nada. Para esclarecer: não acho o conceito desagradável. Ele representa bem a maneira que a nova trilogia de reboots de Modern Warfare vê seus protagonistas. Eles não precisam de um esquadrão junto deles. Eles são símbolos de suas nações. Seus erros em campo são retratados como inconsequentes.
As missões Open Combat abrem espaço para muitas estratégias bizarras e um caos quase impossível de controlar se você estiver em uma das dificuldades mais elevadas. Os mapas são tão abertos que você não precisa nem explorar metade deles para completar seus objetivos. Eles, de certa forma, tornam aqueles cenários super detalhados com orçamentos ridículos de Call of Duty lugares que podem ser apreciados com calma. Eu tenho um certo desgosto por jogos de grande orçamento que desmerecem seus locais para preservar o ritmo narrativo. O primeiro exemplo que vem à minha mente agora é Uncharted 2, onde se você passar alguns segundos olhando o cenário trabalhosamente construído pelos desenvolvedores, o jogo te reprime e zoa que você está perdendo seu tempo.
A liberdade de explorar e agir em cima de minha curiosidade é uma das coisas que mais me faz considerar aquele mundo como algo tangível, e isso é tirado de minhas mãos quando um jogo faz algo como Uncharted 2. Os CoDs ao menos não costumam fazer piadas com você. Simplesmente não dá tempo de ficar olhando os cenários considerando o perigo e ritmo das missões, então muitas vezes você acaba morrendo ao tentar. Nas missões Open Combat esta liberdade está em suas mãos de maneira raramente vista na franquia, que é um toque interessante.
Infelizmente, elas ainda são meio deprimentes. Devido ao tempo de desenvolvimento curto, muitas das missões Open Combat parecem apenas maneiras dos desenvolvedores da Sledgehammer criarem situações de gameplay onde eles não precisam programar uma pancada de partes scriptadas complexas e pathfinding inimigo normais, além de poderem reutilizar assets dos modos multiplayer. Não vejo o reuso de assets como algo ruim, mas estas missões muitas vezes passam reto sem deixar uma impressão forte por perderem parte do espetáculo visual, que é uma das forças de Call of Duty.
Mas isso não significa que não tivemos bons exemplos de missões Open Combat em Call of Duty MWIII. As duas mais notáveis para mim foram “Reactor” e “Highrise”, que juntas da “Operation 627” foram minhas favoritas do jogo. Em “Reactor” você joga com o Capitão Price tentando explodir helicópteros e cargas do Konni Group. Ela possui um cenário bem vertical e menos arquiteturalmente quadrado do que a maior parte das outras missões, e também possui seções scriptadas. Me lembrou algumas das missões mais abertas de Soldier of Fortune e Return to Castle Wolfenstein!
“Highrise” também funciona muito bem. Ela utiliza o popular mapa multiplayer do MW2 2009 de mesmo nome como o confronto final mais linear e tradicional da missão, enquanto no começo dela você avança no prédio de 13 andares pouco a pouco, enfrentando inimigos em diversas salas e sacadas enquanto escolhe entre múltiplos ângulos de abordagem. Por ser mais fechadinha que os outros mapas Open Combat, ela consegue também manter algumas das características comuns às missões tradicionais.
No fim das contas, mesmo com as reclamações de muitos fãs da franquia, eu gostaria de ver mais missões assim caso os desenvolvedores queiram continuar neste caminho horrível de personagens quase-imortais simbólicos. Pelo menos dá pra ter algumas missões variadas em meio ao resto das ideias ruins da franquia.
Falando em ideias ruins…… Ai ai ai, a última missão. Não acontece quase nada narrativamente notável em MWIII 2023. O Makarov, que antes era apenas mencionado no fim de MWII 2022, escapa da prisão e causa caos. Tem uma missão curta de stealth onde você joga pela primeira vez com a Kate Laswell, uma aliada da Task Force 141 que comete tantas ações ilegais quanto o próprio esquadrão (vide meu texto de MWII 2022 novamente). A Task Force 141 é obrigada a se aliar novamente à Shadow Company que causou muitos problemas pra eles em MWII 2022, e… o Soap morre de maneira estúpida logo nos últimos minutos da campanha.
Eba! Finalmente resolveram largar um pouco da representação mitológica de soldados para matar um deles! E logo o mais bondoso do esquadrão!!! Ai ai ai novamente, pois me parece que o Soap só foi morto para o MWIII 2023 ter algum impacto permanente na franquia. É… a trilogia de reboots com certeza não acabou, pois Makarov escapa no final e ainda mata Soap, deixando o jogo terminar em uma dispersão das cinzas do soldado por seus aliados. Como muitas das cutscenes (tanto em primeira pessoa quanto as CGs) dos CODs modernos, ela é bem linda — mas é impossível sentir algo quando a morte do Soap ocorreu de maneira tão repentina como o último truque de MWIII para fazer você sentir que acabou de terminar um jogo AAA e não um evento de Warzone.
O Soap também morre no MW3 2011, mas lá, além de ser apenas um dos vários protagonistas mortos naquele jogo, a morte foi representada com um buildup apropriado e consequências para o psicológico da Task Force 141, que já estava cuidando do estado machucado do soldado. É um soco dramático e apropriado para as histórias mais românticas da trilogia original.
Não importa o quanto tente se manter firme como uma das maiores franquias do mundo dos jogos, Call of Duty está chegando em um ponto sem retorno. As tentativas insultantes de representações quase-verossímeis de eventos reais com twists propagandistas maliciosos, a reverência nostálgica interminável aos jogos passados, o constante crunch e o minúsculo fio onde os lançamentos anuais da franquia se seguram, os diversos estúdios responsáveis pela franquia em constante conflito e a mão influente da Activision em tudo que envolve maximizar os lucros dos jogos; tudo está deixando Call of Duty cada vez mais longe de encaixar na descrição “no fim do dia, é um videogame”. Muitos jogos de grande orçamento tomam decisões como se fossem apenas produtos, mas nenhum deles consegue se embolar tão profundamente em propaganda militar e decisões baseadas em fatores mercadológicos como Call of Duty.
Uma cópia gratuita de Call of Duty MWIII 2023 foi concedida pela Activision Blizzard para análise no Recanto do Dragão.