Castlevania (Netflix) — a maldição de dracula

Castlevania: Nocturne lançou. Ela é a sequência muito esperada da série de Castlevania que começou em 2017, agora contando a história de Richter Belmont. Eu não assisti. Pelo que eu escuto as pessoas falarem, parece muito ruim. Eu tenho muito interesse na maneira como eles pretendem usar diferentes etnias e culturas, isso é de fato muito legal, mas parece que os problemas de escrita da série anterior permanecem intactos. É claro, como eu disse, eu não assisti. Mas, para assisti-la, decidi retornar às origens e assistir tudo desde o começo. Analisar tudo depois do hype e agora como a nova pessoa que sou hoje. Quem sabe, talvez eu até aprenda a gostar de algumas coisas. Mas por agora, estaremos apenas falando das primeiras duas. Eu pretendia analisar elas separadamente e o texto da primeira tava até pronto mas… bem, eu sinto que elas ficam melhores juntas.

A primeira temporada lançou dia 7 de julho de 2017. Eu tenho esse dia decorado, porque desde que foi anunciada eu não parava de me falar quanto tempo faltava pra lançar. Eu estava no ensino fundamental naquela época, e me acordei excessivamente cedo, no horário que me falaram que ela seria lançada no Brasil (no meio da madrugada). Eu não me lembro a hora exata porque, pelo amor de Deus, foi 2017. Mas eu sei que fui pra escola logo após terminar o terceiro episódio e tudo que eu queria era voltar e assistir o último. Naquela época eu havia simplesmente adorado essa adaptação e apesar de alguns problemas, me animou de verdade. Isso… não mudou, na verdade.

Eu acompanhei a série sempre no lançamento e posso dizer que não gostar dela foi algo que só veio na terceira e na quarta temporada. Reassistindo agora, eu consigo entender melhor os motivos. Naturalmente, essas duas primeiras temporadas marcam o arco de Dracula como o vilão principal. Boa parte da diferença de qualidade entre as duas metades da série é por causa dele. Com duas metades eu digo que… bem, tem quatro temporadas, mas as duas primeiras são as mais curtas. Na verdade ficamos mais tempo sem o lorde Vlad do que com ele, e ainda assim parece que avançamos muito mais nesses doze episódios que tivemos a sua presença.

O resto da série é amaldiçoada por escrita terrível, que apenas posso atribuir a Warren Ellis, seu escritor (é claro). Eu odeio como esse homem escreve mas… esse é um assunto para o próximo texto. Como adaptação, essas duas primeiras temporadas são muito boas, mas não é isso que importa pra mim. Até o final dela as referências à franquia são muitas, e mesmo que mudem algumas coisas, é difícil dizer que é tão diferente da sua inspiração porque… Castlevania nunca foi sobre história, afinal. Mas o que me faz gostar desses primeiros doze episódios é, na verdade, seus personagens e emoção.

Também é fácil de notar que os maiores problemas da produção não estavam tão aparentes aqui. Os diálogos possuem seus baixos, mas em maior parte são bem feitos. O desenvolvimento da história é consistente e na maior parte do tempo, interessante. Pequenos deslizes aqui e ali não são nada para esse início, afinal tudo que tem de bom nele cobre seus buracos.

Eu até tenho um pouco de dificuldade pra comentar sobre esse assunto. Quer dizer, meu texto sobre a primeira temporada era bem mais… padronizado. Eu falei dos personagens principais, da animação, das lutas, da trilha sonora, da representação de fatos históricos… mas quando eu fiz aquele texto eu também estava bem mais triste porque ficava comparando ele com as seguintes. Eu não tinha terminado de reassistir a segunda então naturalmente meus sentimentos eram um pouco diferentes. Agora eu… me sinto um tanto feliz. Mas para não perder o esforço que eu tive com o texto original, também vou tocar um pouco nos assuntos dele.

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O fundamento de toda essa série é Dracula. Nas temporadas seguintes a escrita casualmente esquece da importância do personagem, mas esse é um dos vilões mais bem escritos que eu conheço, enquanto se mantém simples. Vlad Dracula Tepes é um homem cruel, não tenham dúvida disso, mas seus sentimentos são… humanos. É claro, ele não é humano, mas vocês entenderam. Eu não tenho certeza desde quando isso é um fato na lore de Castlevania, mas até onde eu sei recebemos a informação da história de Dracula com profundidade em Symphony of the Night. Sua amada esposa foi morta pela igreja, chamada de bruxa. Esse é um assunto interessante por si só, mas o fato é que a motivação vingativa de Dracula não foi inventada para a série mas… aqui, não foi deixada apenas nisso.

Lisa deu à Dracula uma vida, abriu seu coração para o mundo, e até teve um filho junto dele. O cruel conde Dracula se tornou uma pessoa mais carinhosa e empática ao lado da sua esposa. Até que ela foi brutalmente assassinada pelos humanos. Naquele dia, Dracula morreu também. O vampiro nasceu no dia que Lisa bateu à sua porta, e morreu quando suas cinzas se espalharam pelo ar. O que é interessante no personagem como vilão é como ele lida com luto e depressão. Dracula não vê qualquer prazer na destruição de todos os humanos, e sua vingança levada por ódio e pelo que ele diz ser amor não traz à ele paz. A morte de todos os humanos é o objetivo da sua “vida”, e ele morrerá quando estiver cumprido. Limpar o mundo da infestação de humanos é algo que ele diz fazer e na visão de alguns isso seria uma motivação quase nobre, mas no final, como Alucard diz, o genocídio é apenas uma longa carta de suicídio.

Dracula é um personagem que também é aprofundado quando comparado ao seu filho. Os dois sofreram a mesma perda, e ambos têm seus objetivos fundados em amor. Mas Dracula vai matar todos os humanos, mesmo os incontáveis inocentes, por vingança e ódio. E Alucard protegerá os humanos e impedirá seu pai, porque essa é a vontade de sua mãe. Existe tanta tristeza em ambos os lados quanto as suas determinações também.

Na primeira temporada também somos apresentados a mais dois dos protagonistas. Trevor Belmont e Sypha Belnades. Trevor é rude, desleixado e triste. Mas, ao mesmo tempo, ainda tem o coração de um Belmont que o faz tomar as rédeas do destino do mundo. Sypha é a pedra angular do grupo inteiro, e enquanto desenvolve a si mesma consegue destravar os sentimentos dos outros dois protagonistas por si só. O time, que também inclui Alucard, se completa perfeitamente e por vezes colide entre si, mas isso apenas alimenta a construção do companheirismo e amizade de seus membros. O que faz dessas primeiras duas temporadas tão especiais é o cuidado com esses três personagens principais e o vilão que eles perseguem.

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Mas desde a segunda temporada também somos apresentados a mais alguns personagens. A corte de Dracula conta com muitos vampiros e dois humanos: Hector e Isaac, forjadores demoníacos… só que “Devil Forgemaster” realmente soa melhor e, bem, Curse of Darkness é meu Castlevania favorito. São os únicos humanos que Dracula confia, e não vai matá-los no fim da guerra. Na verdade, são as únicas pessoas confiáveis para o lorde.

Hector é… estranho. É um personagem interessante e é legal ver que ele tem um lado bom, mas eu diria que a ingenuidade dele foi extremamente forçada. Hector é levado a trair Dracula e seguir os planos de Carmilla (já falo dela), mas toda essa história não encaixa muito bem. Carmilla nunca foi confiável enquanto Dracula sempre foi bom pra ele. As palavras usadas por ela para convencer Hector não foram bem “convincentes”, realmente parece que ele caiu nessa apenas para seguir o roteiro. É difícil falar sobre isso sem explicar a cena inteira, mas digamos que Hector é tirado pra otário desde o início e até o final e… bem, o personagem que conhecemos no início da segunda temporada não teria caído na conversinha da Carmilla tão facilmente. Eu acredito que eles poderiam ter se esforçado mais para que Carmilla o convencesse, mas o final seria o mesmo então pouco importa. Eu acho Hector como personagem meio… mal pensado, e o potencial dele é jogado no lixo. Aqui nessa temporada não sabemos disso já que é só o início da sua história, mas depois de ver tudo ele foi realmente uma história que eu não precisava ter visto.

No entanto, Isaac é diferente. Além da sua história tocar em racismo e dar motivações mais profundas para seu ódio contra a humanidade, ele é mais realista e… honestamente, mais legal. Desde sua lealdade ao Dracula até suas convicções e o eventual final do seu arco na quarta temporada… esse é um ótimo personagem, de verdade. Quando eu terminei a série eu meio que precisei admitir que é, Warren Ellis, dessa vez você conseguiu. Ao menos um dos personagens da série foi bem escrito do início ao fim. Muito disso é pelo fato da história dele focar muito apenas em sua própria narrativa… quem diria que focar em apenas um personagem por vez ao invés de dez faria o enredo fluir melhor? Enfim…

Carmilla é o último personagem importante apresentado, infelizmente. Quer dizer, tudo que faz ela ser legal pra mim é ela ser uma mulher, honestamente. Eu não gosto do personagem, mas acho interessante. A vida dela sempre foi um inferno por conta de homens e os homens são os que governam tudo à sua volta. É uma personagem ativamente feminista e continua sendo nas temporadas futuras quando descobrimos que todos que compartilham os seus ideais são mulheres também. Mas… é meio que isso. Eu acho que gostaria mais dela se a série continuasse sendo boa quando ela assume as rédeas do enredo, mas ir do Dracula pra ela é um salto no precipício, o que é bem triste. Quer dizer, quando eu vi a segunda temporada pela primeira vez eu de fato estava animada pra ver como as coisas seguiriam sem Dracula e com uma nova vilã, o que deixa as coisas mais decepcionantes.

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Outro assunto interessante que a série toca é a igreja, que foi o inimigo principal durante a primeira temporada e seus quatro episódios. Mas diferente do que uma multidão fala no Twitter essa não é uma série “anti-cristã”. Na verdade você poderia usá-la para fortalecer o evangelho se quisesse. A igreja em Castlevania é manipuladora, egoísta e ignorante. Todas as pessoas seguem o que a igreja diz cegamente e isso apenas traz crueldade e sofrimento para o mundo. Naturalmente, foi uma ação do bispo de Targoviste que despertou a fúria de Dracula desde o início, matando uma mulher inocente por ser uma “serva de satanás”. E… sabe, isso aconteceu na vida real, e continua acontecendo. Eu vivi na igreja por um bom tempo e sempre foi falado que esse tipo de coisa existe. O poder de uma religião é muito grande e diversas histórias reais ou fictícias falam sobre isso. A Bíblia foi usada como uma arma cruel diversas vezes durante a história e algumas dessas histórias estão na própria Bíblia. A palavra de Deus foi usada contra Jesus e seus discípulos no passado, então eu acho extremamente hipócrita como uma galera no Twitter cai em cima da série como se fosse contra a religião. Tudo que ela faz é mostrar um fato, assim como mostra racismo com a história do Isaac e a luta do feminismo com Carmilla. Mas ainda assim… é bem estranho que o feminismo seja representado apenas por uma vilã, mas no final ela só estava errada em querer matar e escravizar a humanidade e não na parte do mundo ser controlado por mulheres. Ela deve até estar certa nessa última coisa.

Essas primeiras duas temporadas são repletas de emoção e diversos momentos memoráveis. Toda cena de luta é especialmente incrível e muito bem executada, mas a reta final inteira é completamente magnífica. O curto embate entre o trio principal e os vampiros serve para causar o hype que vai nos levar ao Grand Finale, mas também traz Bloody Tears para tocar na série, o que é muito legal. Todo mundo na época ficou de queixo caído com essa cena, e eu também. Só que o que realmente interessa… é Dracula.

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A luta contra Dracula toma a maior parte do episódio e usa o melhor da maioria dos personagens, mas especialmente serve para mostrar o relacionamento entre pai e filho do conde e Alucard. Uma coisa incrível da coreografia desse longo confronto é como o “vencedor” muda sem parar. É algo completamente sentimental, e não só vemos Dracula sendo o fodão, como podemos presenciar a sincronia dos três principais e momentos focando em cada um deles. Mas tudo fica especialmente maravilhoso quando Alucard e Dracula brigam sozinhos, indo por diferentes cômodos do castelo e destruindo tudo no caminho. Alucard perdeu a batalha, mas ela acabou no seu antigo quarto.

Esse é…o melhor momento da série. Dracula percebe o que está fazendo. Olha para os brinquedos, para os móveis, para as pinturas… tudo isso foi feito ao lado da sua esposa por amor, e amor ao seu filho. Alucard é o resultado de tudo que Dracula teve de importante em sua vida e agora, ele está tentando matar o seu menino. Dracula já morreu há muito tempo, mas aqui, nem seu fantasma poderia continuar lutando. É o fim. Alucard, mesmo relutante, põe um fim ao seu pai e a loucura que ceifou incontáveis vidas. Para mim, esse é o verdadeiro final da série. É por isso que fico feliz de ter reassistido, porque esse sentimento e esses primeiros doze episódios são insubstituíveis. Agora, não vou deixar que o resto da obra manche o que sinto pelo que revi hoje.

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No fim, Hector se torna escravo da Carmilla, Isaac começa a vagar pelo deserto após a morte do seu mestre, Trevor e Sypha viajam juntos para resolver problemas das pessoas e fazer do mundo melhor, e Alucard… senta na cadeira do seu quarto destruído. Ao lembrar-se da sua família, ele começa a chorar. É aí que aparecem os créditos, e Castlevania termina… por agora.

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Sendo honesta eu gostaria de terminar esse texto aqui e agora mas… bem, vou tentar tocar em outras coisas que tinha falado na análise original da primeira temporada. Uhh… se você jogou Castlevania III deve ter notado a falta de Grant Danasty. É uma pena mas Warren Ellis se recusou por birra de colocar ele na história, e fez questão de provocar a comunidade com isso. Eu sou uma grande fã do Grant, mas essas primeiras duas temporadas funcionam muito bem sem ele. Não parece que falta algo, sabe?

A animação é majestosa e muito única, e mesmo que as pessoas continuem chamando de “anime” com certeza não é. Além de ser ocidental e ter a estrutura narrativa de uma série da HBO, o estilo de arte não parece nada com um anime. É único o suficiente pra ser indistinguível, mas ainda se assemelha muito à uma obra feita no ocidente, que de fato é o caso. Mas a parte mais impressionante são as lutas, e a coreografia absurda delas.

O combate em Castlevania não é só criativo, mas sempre faz questão de mostrar os personagens dando tudo de si. As lutas do Trevor são as mais interessantes, porque como ele é apenas um ser humano você vê o personagem usar tudo que existe no cenário e nas suas armas. O uso do chicote é especialmente incrível, e fica ainda mais interessante quando ele consegue a Morning Star, que é feita de correntes e mata vampiros. Uma pena não ser chamada de Vampire Killer, mas Morning Star é bom também. Alucard também faz bom uso dos seus poderes e consegue ser bastante versátil, embora sempre acabe retornando para a espada, mas Sypha… bem, ela tem seus momentos. Esse é um problema que vai ser agravado na temporada seguinte mas não é muito divertido ver ela lutar, simplesmente por ela ser imbatível. Qualquer luta com ela no meio tem um final predefinido porque a magia dela aparentemente pode fazer tudo sem qualquer limite. Seria interessante se dependesse do ambiente ou se ela se cansasse com frequência, mas em toda luta que ela está no meio a maga só faz o que quer. São usos criativos dos seus poderes mas é mais um showcase de ataques fortes do que uma luta de verdade. Acaba não sendo nem um pouco interessante ver ela lutar, mas só do Alucard soltar a espada em um momento e começar a dar socos eu já fiquei hypada.

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E… uhh… o que mais…. ah, sim, a trilha sonora é esquecível. É bem chata, na verdade, e até a abertura e encerramento são entediantes. Eu não me importo que as músicas sejam originais, mas se é pra toda cena ter essas trilhas genéricas de ação medieval dark fantasy, acho que ficava melhor trazer mais melodias da franquia, né? Ao menos Bloody Tears coube muito bem na cena que foi usada.

Enfim… em outubro temos o Recanto do Sustão e diferente do ano passado não vou poder participar muito. Se estiveram por aí naquele ano, talvez tenham assistido alguma live minha. Não vai ter dessa vez, mas eu já falei tanto sobre esse assunto que não vou nem explicar. Vou trazer alguns textos temáticos mas também não serão muitos porque, uhh… no ano passado eu só zerei tantos jogos porque tava streamando eles, sabe? Nesse ano eu vou fazer menos textos e alguns até podem ser maiores que o de costume. E também eu tenho muita coisa preparada que não tem nada a ver com Halloween e que será postada ainda assim. No mais, obrigada por terem lido. Boa noite.

Castlevania Netflix arte por @rosiemymelody