Chain of Memories é, de certa forma, o segundo Kingdom Hearts. Ele é ambos um jogo em pixel art de um console portátil e um jogo tridimensional em console de mesa, porque teve um remake. Eu acredito que uma passada futura nesse remake não faria mal, mas o texto que estão lendo é sobre a versão original, de Game Boy Advance. Isso significa: nada de voice acting, controles mais limitados, e sem os lugares de KH1 como em Re:Chain. Normalmente em CoM eles apenas fazem áreas quadradas com temática do mundo mesmo.
Você pode ver os outros textos da Retrospectiva de Kingdom Hearts clicando aqui!
Esse jogo se destaca entre outros da franquia por ter uma ideia de gameplay muito diferente e original, seja ela boa ou ruim na sua opinião, e por ser uma completa reviravolta temática comparado a seu antecessor. Chain se separa de outros Kingdom Hearts não só pelo sistema de cartas, mas seus temas e atmosfera. O jogo começa como uma sequência direta do primeiro, exatamente no mesmo momento que terminou, com nossos heróis correndo em campos verdejantes. Em Chain of Memories, seu pequeno passeio os levou a um castelo bizarro, onde as pessoas que eles procuram podem se encontrar. Nesse castelo, nossos heróis vão perder algumas lembranças, e recuperar outras, em uma aventura confusa que fica cada vez mais estranha e distorcida.
Mas isso é o suficiente pra uma introdução. Diferente do texto de Kingdom Hearts 1, que era mais direto, esse texto vai ser separado em seções, coisa que eu já faço normalmente. O motivo é que esse é um jogo muito mais complexo que o primeiro, e fica muito mais fácil de entender se eu separar por capítulos. Dito isso, bem-vindos a Kingdom Hearts — Chain of Memories.
O Começo da Corrente
Antes de falarmos de fato sobre o importante, que é o gameplay, vamos tocar em todos os outros tópicos para tirá-los do caminho, já que tem muito menos a se falar sobre eles. Primeiramente, o jogo é graficamente muito bonito. Um dos aspectos mais marcantes é a grande preocupação em adicionar profundidade nos sprites, para fazê-los parecerem 3D. Por causa disso todas as animações do Sora fora das lutas tem cinco variações: cima, baixo, lados, diagonal superior e diagonal inferior, como um modelo 3D (ou um SRPG).
Os retratos dos personagens também tentam imitar um modelo 3D, e alguns acabam ficando meio estranhos por isso quando você presta atenção. Na maior parte isso acontece por causa das sombras, embora sejam recriações bem fiéis com o que eles podiam trabalhar. Em lutas, Sora só pode atacar para os lados no entanto, e o combate se torna mais parecido com um beat’em up nesse aspecto. O motivo é que realmente seria muito trabalhoso programar e animar todos os movimentos do Sora para 8 direções, então eles fizeram o que podiam. Mas é meio triste que eles reusam muito os sprites nas habilidades diferentes do Sora. Não que as escolhas não façam sentido, mas uma animação diferente faz cada habilidade mais única e para poupar esforço ou recursos eles apenas utilizaram animações de outros ataques e ações.
As músicas do jogo no entanto é… bem, nada demais na verdade. Não que ele não tenha boas músicas, mas todas elas são de Kingdom Hearts 1, não de CoM, e não são tão boas de escutar aqui quanto eram no jogo anterior por causa das limitações do console. Agora, o que ele traz de original na parte musical eu não quero falar que é ruim porque música é ouvido de cada um, mas eu realmente não gosto das trilhas das cutscenes e acho que elas são bem mal utilizadas em muitas cenas. Elas trazem uma aura desconfortável, e deixam todas as cenas que elas tocam realmente pesadas mesmo que seja algo simples de desenho animado. Elas até chegam a dar medo. Mas, eu ainda assim defendo elas estarem aqui. Esse desconforto, essa aura ruim, combina com ele, com a sua temática e história. Embora eu não goste das composições como músicas, elas estão na obra certa, trazem o ar misterioso que ela quer passar, embora às vezes usada nos momentos errados.
Mas algo realmente impressionante sobre esse jogo é a história dele que, de alguma forma, é na verdade muito boa. Com muito boa eu não digo que é perfeita, os diálogos ainda são medianos pra baixo, e a execução de muitas cenas não é grande coisa, mas as ideias, sentimentos e pensamentos que a trama faz você ter capturam o jogador em um interesse estranho por um jogo que não é exatamente bom no jeito que conta sua história. A primeira parte que ambienta a história de Chain of Memories é a atmosfera completamente diferente do seu jogo anterior. Chain of Memories não é uma aventura, você não está conhecendo amigos e lugares novos, você não tá salvando o mundo e você não é um herói.
CoM tem uma aura pesada, com uma história onde você não pode confiar em nada, nem ninguém. Você não pode confiar no Sora, nos seus amigos, no que você vê em Castle Oblivion, nem mesmo no que você mesmo sabe sobre o jogo. Você não sabe o que é verdade, e você vai perdendo, e ao mesmo tempo ganhando partes diferentes dessa verdade enquanto o jogo progride. A cada andar no castelo as memórias ficam mais nebulosas, enquanto informações peculiares e distorcidas que você não entende começam a aparecer. Personagens que você nunca viu antes de alguma forma fazem parte da história, e o Sora lembra deles, enquanto esquece de outros que você de fato conheceu. Ele esquece lugares, os lugares esquecem dele, e todos esses mundos estão passando por problemas, alguns deles também relacionados a memórias.
Mas nesse jogo, mesmo sabendo que algumas coisas não são reais, ainda fica difícil decidir se o Sora tá realmente vivenciando essas coisas, ou é apenas a cabeça dele pregando peças, e você nunca tem uma visão completa de cada cena para saber o quanto daquilo é real, e o que é importante. Subitamente, as palavras filosóficas genéricas de Kingdom Hearts começam a fazer algum sentido, ou pelo menos colocar você pra pensar na experiência que esse jogo apresenta. Em Castle Oblivion, você perde para achar, e acha, só para perder. Mas o que você perde? O que você acha?
Cada ponto do enredo de Chain of Memories se liga com seus conceitos principais. Embora não seja uma tese perfeita sobre a mente humana, é uma das histórias mais bem construídas da franquia. O emprego do desconforto e incerteza são fenomenais na ambientação fantástica dessa jornada, mas é a desconfiança que vende essa “aventura” do Sora.
E as formas que esse castelo emprega para te confundir e te enganar são extremamente engenhosas. Nos diversos mundos do jogo, que são considerados “filler” pela maioria das pessoas, nós somos apresentados a muitos conceitos que constroem pensamentos na nossa cabeça. Por vezes, são dicas do que realmente acontece no Castelo, mas na maior parte do tempo você vai estar recebendo informações falsas com fundos de verdade, que juntas acabam por desenvolver uma ideia errônea no jogador, simplesmente para levá-lo a crer em algo que não é real.
O interessante disso tudo é que enquanto você acompanha essa história, você sabe que tem algo de errado. Realmente parece que você tá baixando jogo de PC-98 em um site nada confiável, e mesmo que tudo pareça fazer sentido, sempre tem um pouco de dúvida na sua cabeça. É essa dúvida que alimenta o sentimento principal desse enredo. Não tem como você enxergar a verdade, enquanto esse constante fluxo de informações confunde e desespera a sua cabeça, buscando racionalizar uma história que você não sabe se realmente viveu. E, não importa como você enxergue cada passo nos degraus do castelo nessa jornada, você ainda vai estar caminhando lentamente na palma da mão da organização de mantos pretos que trouxe você até ele.
Em muitas coisas, Chain of Memories é uma espécie de final ruim para Kingdom Hearts 1, e isso é algo muito interessante quando você vê pelo ângulo de que o primeiro título era muito feliz e positivo. Algo que você precisa aceitar sobre Chain é que desde que pisou no castelo, você já perdeu. O que esse jogo fez com a franquia daqui para frente não só solidificou o que Kingdom Hearts é, mas como também mudou completamente o rumo da vida dos personagens e do universo. O que vai acontecer nos títulos futuros agora não interessa — mas Chain of Memories representa um destino mórbido e infeliz para nosso amigo Sora, algo que ele foi obrigado a experienciar sem saber o que estava fazendo.
Você deve saber que no final, Sora sai vitorioso frente às adversidades, mas os danos que o Castelo Oblivion causou no menino e em todos os mundos do universo foram irreversíveis. Não importa quem ganhou no fim do jogo, a Organização venceu essa batalha. Na verdade, muito do que faz essa entrada na franquia tão especial é a originalidade e criatividade com os vilões que ela introduz.
Não só a temática e inúmeros conceitos apresentados são muito únicos, mas os mestres por traz dos panos conhecidos como Organization XIII são as estrelas dessa complexa maravilha de enredo. A qualidade dos antagonistas da história vem primariamente pelo mistério. Não só quem eles são, mas existe uma incerteza sobre suas motivações até o fim do jogo, porque as ações dos membros são muito confusas.
Acontece que essa organização é um membro vivo e muito realista. Cada um dos seus componentes não só tem sua própria personalidade, mas seus próprios objetivos. O constante embate entre pessoas tão diferentes em uma mesma organização de vilões faz com que eles funcionem de uma maneira muito única. Talvez vocês já conheçam bem a Organization XIII, mas é importante mencionar que nessa primeira aparição, eles dão medo.
Por vezes, os membros da organização mostram gentileza e preocupação com o Sora, no momento seguinte estão batalhando até a morte. É muito difícil tentar entender a Organização por suas ações, e esse grupo de vilões consegue manter seu mistério e imponência durante toda a história. Não seria uma jornada tão interessante sem esses caras controlando tudo que você experiencia.
Além dos vilões, esse é um ótimo jogo na caracterização dos personagens que conhecemos. Não exatamente os personagens dos mundos da Disney, porque eles são apenas vestígios nas memórias do Sora, mas os personagens principais. É o jogo em que você mais vai ver diálogos entre Sora, Donald e Pateta, e presenciar o desenvolvimento deles durante a história em conversas bem feitas e interessantes. Riku, na sua própria campanha, também tem um foco importante na sua personalidade, que faz com que o personagem seja o motivo principal para jogá-la.
Ainda existem alguns outros assuntos menores que eu gostaria de comentar, mas vou dedicar uma seção separada para eles mais tarde. Agora que tocamos nessas pequenas coisas importantes, vamos para o assunto que realmente importa. A canastra de Chain of Memories.
Cartas contra Kingdom Hearts
Chain of Memories introduz um sistema completamente diferente de qualquer jogo. É meio que uma coisa de Kingdom Hearts misturar um jogo em turno com um action RPG, e é coisa da Square fazer esses sistemas super complicados para executar ações simples, coisa que ela faz não só nessa franquia mas em Final Fantasy com frequência. O sistema de Chain of Memories é todo sobre cartas, todas as suas ações exceto pular e rolar são feitas por cartas, absolutamente todas. A ideia não é essencialmente ruim, mas antes mesmo de eu explicar como funciona exatamente eu preciso já falar sobre um problema bem grande que a Square insiste em repetir em Kingdom Hearts.
Kingdom Hearts é uma franquia de jogos de ação, não tem momentos pra esperar ou decidir coisas em menus, e você precisa ter rápido acesso a suas opções. Kingdom Hearts 1 já tinha seus problemas com o jeito que você precisava usar um menu no meio da luta para tomar ações realmente importantes. Mas, mesmo nesse primeiro, você tinha acesso rápido a pelo menos três magias pressionando L1, e isso é o suficiente pra passar pelo jogo todo sem problemas, eu normalmente equipava Gravity, Aero e Cure e seguia a vida. O problema com Chain of Memories é que, não só não é possível trazer qualquer tipo de slot rápido pras suas ações, como agora não é um menu de 4 opções com 10 dentro. Você tem um baralho de cartas, um baralho inteiro. Não é pouca carta, é bem normal seu deck ter 40 pra mais. E como você faz pra usar elas? Escolhendo a dedo, uma a uma. Como eu disse, todas as suas ações estão aqui, todas. Então tudo que você precisar fazer você obrigatoriamente vai ter que escolher uma carta a dedo entre todas do seu baralho, com a batalha não parando enquanto você leva hits sem poder fazer nada porque o roll do jogo é propositalmente ruim. Essa é uma das piores ideias que você poderia trazer para um RPG de ação, mas esse sistema força você a pensar muito ao criar seu baralho, o que não é ruim, já que existem maneiras de minimizar um pouco o efeito de ter um menu tão grande, mas todos os problemas dele continuam firmes e fortes.
Dito isso, vamos explicar como funciona de uma vez. A regra fundamental do jogo é bem simples de entender. Suas cartas são numeradas; isso não significa cartas mais fortes mas valores maiores tem prioridade. Se duas cartas forem lançadas, a maior é a que vai ter efeito. Se uma carta maior for lançada enquanto outra está ativa, o usuário da carta menor vai sofrer um Card Break, que vai desestabilizá-lo e impedir sua ação completamente. Cartas 0 são basicamente coringas no jogo, elas quebram qualquer carta, mas podem ser quebradas por qualquer carta, basicamente fazendo elas infinitamente poderosas se usadas depois do inimigo lançar uma carta, só que são inúteis na situação contrária. Quando você usa uma carta, ela some, então você vai ter que estocar seu deck de cartas porque suas ações podem, e vão acabar no meio de uma luta e você precisa evitar isso. Mas, caso ocorra, você pode recarregar seu baralho, parando por um tempo em um lugar, ficando vulnerável a ataques. É possível dar reloads infinitos, mas a cada reload o tempo de espera dobra e triplica, deixando você cada vez mais vulnerável. Nem todas as cartas são recarregadas por esse método, porque existem maneiras de (quase) permanentemente eliminar uma carta sua, e ela não vai voltar com reload. Além de que cartas de itens não retornam.
Agora as cartas são separadas em alguns grupos, que funcionam diferente. O primeiro são as cartas de ataque, suas Keyblades. Com elas você pode, primariamente, atacar. Cada tipo de Keyblade tem suas propriedades, que obviamente só vão ser aplicadas no hit que você usar a carta, não no seu deck inteiro. Mas, lembrem-se que elas não servem só para isso, assim como todos os outros grupos.
O segundo grupo são as cartas azuis, de magia, e summons. É bem auto-explicativo, são simplesmente cartas pra usar magias e summons. Então temos as cartas verde, que são itens. Existem itens pra instantaneamente recarregar suas cartas, pra recarregar cartas perdidas do seu baralho, e pra resetar o tempo da recarga de volta pra 1.
E aí tem itens que fazem múltiplas dessas coisas. Essas cartas quando usadas não se recuperam, e se alguém quebrá-las você perde a oportunidade de usar e nessa luta essa carta vai estar fora do seu baralho. Porém diferente do que parece, os itens não são consumíveis, mas sim cartas como qualquer outra e que na próxima luta vão estar de volta. O último grupo são as cinzas, as cartas de inimigos, que são acessadas apertando Select. Essas cartas são especiais, porque elas cumprem funções passivas únicas, e podem ser ativadas sem precisar passar por um jogo de valores, porque elas não podem ser quebradas (ou quebrarem outras cartas). Você só pode ter uma ativa por vez, e quando usa uma delas não vai poder usar essa mesma de novo na luta. Elas são muito úteis em geral.
Mas o sistema realmente não para só nessas coisinhas. A segunda mecânica mais importante do jogo é juntar cartas, fazer trincas. Basicamente, você pode juntar duas ou mais cartas (normalmente vai ser três) pra somar os valores delas, tendo chances muito melhores de ganhar interações (você normalmente só pode perder pra bosses quando junta cartas). Mas, o real problema que faz o sistema balanceado, é que quando você junta cartas a primeira delas vai ser jogada fora do baralho pelo resto da luta (embora possam ser recuperadas com itens específicos). Assim, usar apenas trincas vai destruir seu deck, porque você vai rapidamente ficar sem cartas pra usar.
Porém, o que faz esse sistema importante com certeza não é somar os valores de três cartas, não, não. O que faz esse sistema realmente importar, é que juntando cartas específicas você pode ativar sleights, habilidades com efeitos diversos que são pelo menos cinco vezes mais fortes do que qualquer carta sozinha. Sleights são a estratégia mais forte do jogo, e focar neles é normalmente o que ele quer que você faça, mas aí a gente entra na construção de deck, que é o nosso próximo assunto.
Para contra-atacar o problema de ter ações demais pra decidir em pouco tempo, na criação do seu deck você pode prezar por organizá-lo. Você pode organizar ele pelos tipos de cartas diferentes, para que seja fácil localizar cada uma, mas fazer só isso deixaria as cartas de tipos diferentes muito afastadas e chegar a elas seria um problema. Você também pode organizar suas cartas pelos seus números, mas dependendo do jeito que você fizer o jogo vai se tornar extremamente monótono, já que você vai apenas estar apertando A incansavelmente seguindo essa ordem. Aí, você pode organizar as cartas para fazer sleights, deixando todas as cartas necessárias pra trinca em ordem, o que não é uma ideia muito ruim e é uma das mais importantes quando você vai fazer seu deck. Você também pode organizar elas pensando em fazer combos, usando elas em determinada sequência, e também basear seu deck na possibilidade de uma carta sua quebrar. Todas essas ideias são interessantes, mas não muito práticas. Eu vou falar sobre isso logo, mas uma coisa que é necessário enfatizar, é que o sistema desse jogo tem potenciais infinitos, e o quanto ele vai ser usado vai depender de quem jogá-lo. Embora existam métodos indicados de jogar, como todo mundo pensa diferente, os decks vão se adaptar de pessoa pra pessoa.
Esse sistema de cartas também resulta em uma dificuldade instável, em que perder não pode ser atribuido a apenas uma razão, mas múltiplas, e isso dificulta melhorar no jogo e fazer as decisões mais ridículas criarem uma cascata de outras decisões que podem te prejudicar. Essa instabilidade primeiramente vem das cartas que você decide usar em cada situação. Como você não tem tempo pra pensar muito no que usar, suas decisões nunca vão ser as melhores, e mesmo se você tiver decidido a tempo, ainda tem que enfrentar todo o tempo do menu pra chegar nas cartas, o que já acaba com suas possibilidades. Isso nos leva para o deck, no qual você pode perder por causa de decisões na criação dele que talvez nunca descubra onde errou.
Quando você perde, na maioria das vezes você não pode atribuir o erro a si mesmo, mas sim a alguma espécie de destino distorcido que o jogo te levou. Nem sempre os chefes vão usar as mesmas cartas, nem sempre eles vão quebrar suas cartas, nem sempre eles vão te dar chance de atacar e nem sempre você vai ter cartas pra se defender, mesmo que você tenha planejado e organizado seu deck pra que isso não aconteça. Talvez você tenha um bom número de cartas 0 no seu deck, mas o chefe decidiu que, dessa vez, ia mandar o mesmo ataque umas oito vezes seguidas e acaba tirando todas suas cartas de defesa e deixando você, obviamente, indefeso. Isso se você sequer tiver tantas dessas cartas no baralho o que é incomum, já que o seu deck é bem limitado. Essas coisas são decididas aleatoriamente; se você fizer um experimento com um savestate e tomar sempre a mesma decisão em uma situação, fica fácil ver que os bosses vão se comportar de maneira diferente a cada vez. Dessa forma, não importa que padrões os bosses tenham, não faz diferença porque o sistema de cartas não possui padrões e os decks dos seus oponentes são muitas vezes melhores que o seu, enquanto seus inimigos tem vantagens que você não tem. Você pode acabar perdendo completamente por má sorte. Digamos que você só tenha um Hi-Potion no baralho e não possa usar mais nada, mesmo que seja um 8 ou 9, você vai lançar ela de dedos cruzados esperando que seu inimigo não decida quebrá-la, porque não importa se ele tem uma carta ou não, eles fazem essas coisas aleatoriamente. Se ele quebrar sua carta, você pode acabar morrendo sem poder fazer nada. Mas, em uma situação menos extrema, talvez você realmente tenha uma estratégia muito boa pra usar, no entanto o seu inimigo quebrou especificamente uma parte que destrói todo o resto do processo, e isso acaba com suas estratégias por RNG (aleatoriedade).
Acontece que esse jogo tem algo contra você. Você não tem controle sobre absolutamente nada. Você está a mercê do que o jogo decidir, e você não pode reclamar. A dificuldade de CoM está apoiada em micro-decisões que você precisa tomar em um jogo com 100 vezes mais opções do que tempo pra tomá-las. É por isso que você precisa organizar seu deck, mas isso traz inevitavelmente um problema a mais que é talvez tão ruim quanto, ou pior do que a dificuldade do jogo. Ele fica chato.
Se você organizar suas cartas bem, e tiver uma boa ordem pra usar elas em sequência, mesmo que você tenha organizado elas direitinho para às vezes escolher uma ação ou outra diferente, o jogo vai ficar sem graça, monótono, repetitivo. As lutas não vão ser divertidas, e o sistema complexo vai sumir. O que em teoria devia ser profundo se torna raso e repetitivo. Eu joguei até a metade do jogo simplesmente spammando a primeira carta do topo do baralho e isso tava na verdade funcionando em todos os encontros. Eu já não tinha que me preocupar com mais nada, e só precisava mashar A. Da metade pra frente, eu realmente aprendi a usar os sleights, e meu deck se tornou apenas baseado neles… e aí eu comecei a usar todos os sleights em sequência em todos os encounters. É o mesmo processo, a mesma gameplay, só que com sleights é mais bonitinho de olhar. Mas, existe uma exceção. Embora durante a maioria do jogo você vai estar repetindo as mesmas ações de novo e de novo, quando você luta contra chefes você normalmente precisa pensar mais.
Eu ia fazer uma seção inteira pra falar sobre os bosses, mas eles englobam muitos problemas que eu já falei sobre então não faria sentido repetir tudo de novo em uma seção diferente. Não me entendam mal, os chefes serem difíceis não é um problema. Na verdade, tem alguns bons bosses nesse jogo, de verdade, mas são bem poucos. Acontece que o problema das boss fights é trazer tudo que tem de ruim no jogo à tona. O sistema de cartas entra em vigor em meio a desgraça pra te fazer sofrer. Eu mencionei antes que o final de cada luta acaba sendo aleatório, e você não tem controle sobre ele. Eu disse isso especificamente olhando para as boss fights. Nelas, você não pode apenas seguir o sistema de organização de decks, você tem que de fato tomar decisões. O problema com isso vocês já conhecem, esse não é um jogo em que você pode tomar decisões, porque ele dificulta todas elas pro jogador com um menu gigante. Mas isso é pior nessas lutas, porque não só você tem um tempo curto para atacá-los, mas como eles também estão prontíssimos pra quebrar todas as suas cartas e forçá-lo a usar todas as suas cartas 0. Eles vão desviar dos seus sleights e vão atacar incansavelmente, sem parar — nem quando eles estão recarregando o deck eles param porque ficam tipo um segundo pra dar TRÊS RELOADS. Além disso eles podem jogar cartas ENQUANTO estão sendo atacados. Isso mesmo, não importa se você de fato acertou o ataque, eles podem literalmente quebrar no meio e você não pode fazer isso. Se você for atacado, você toma o ataque inteiro. Se um boss for atacado, RNG vai decidir se ele vai querer quebrar sua carta ou não. E, além disso tudo do sistema de cartas, eles ainda são bosses de Kingdom Hearts. Isso significa que você ainda tem que desviar de projéteis, rolar, perseguir eles pela fase, acertá-los em pontos específicos e esperar eles liberarem seus pontos fracos momentaneamente para que você possa causar algum dano, obviamente, enquanto você joga o infernal jogo de truco.
O problema, se não ficou óbvio, é que nada disso é divertido, é simplesmente irritante. Não é um desafio legal de enfrentar, e é só incômodo. Ou o jogo é completamente estressante e impossível, ou ele é a merda mais monótona e repetitiva do mundo, e ele nunca vai realmente te divertir… quase nunca.
Depois de tudo, ainda existe um lado ensolarado nesse jogo. Esse é de longe o pior Kingdom Hearts que eu já joguei, mas nem por isso é um jogo ruim. Eu me diverti criando meu deck incontáveis vezes. Usar os sleights como Sonic Blade é divertidinho, não como uma luta em um RPG, mas como um pequeno minigame. Reconhecer as diferentes formações de inimigos é interessante, e embora você vá sempre criar uma ordem específica pra tomar suas ações, ao menos mais pro final do jogo diferentes formações de inimigos pedem diferentes sleights. E, também existe um lado bom na repetitividade do jogo, no fato que, se ele realmente ficou monótono e fácil desse jeito, você realmente fez um deck muito bom, e você tá vencendo por mérito próprio, mérito do seu planejamento do baralho. Não é o suficiente pra salvar o jogo de ser chato e não muito bom, mas dá pro gasto né. Terminando o lado bom das coisas, também podemos dizer que essas seções monótonas que pegam a maior parte do jogo são úteis para que você pense em novas estratégias com o tempo, e aprenda melhor as mecânicas do jogo, tendo muito treinamento durante a gameplay. E, por fim, a Square perdeu a oportunidade de trazer o modo multiplayer para o remake. Esse sistema se torna completamente perfeito quando duas pessoas estão lutando sujeitas a ele. Assim, se torna um jogo bastante balanceado e interessante, mas esse modo ficou preso na versão de GBA. Com um pouco mais de trabalho na versão de PS2, esse poderia ser um jogo de luta de nicho em Esports, como Mega Man Battle Network, Catherine ou Lethal League.
Como a seção foi inteiramente dedicada aos pontos mais importantes, antes de terminar ela eu quero falar sobre coisinhas menores da gameplay que me agradam ou desagradam. Vou começar primeiro falando sobre a parte fora das batalhas do jogo, o mapa principal dos mundos. Aqui, as cartas também entram em ação, mas de um jeito realmente mais divertido e bem pensado. Toda porta que você abre não vai te levar pra uma sala definida, na verdade, você vai criar uma sala usando suas cartas. Cada carta vai criar um tipo de sala diferente, podendo ser uma sala com apenas inimigos fortes, com muitos inimigos, uma sala em que suas cartas de ataque são mais altas, uma de save, ou uma de lojinha. Para criar uma sala o jogo vai te pedir um tipo de carta, normalmente um valor, mas também pode pedir por cores de carta ou cartas específicas como chaves pra avançar na história. Você pode normalmente usar os valores indicados ou maiores, talvez um 0 também, a não ser que o jogo te peça por algo especificamente diferente como números menores que o valor indicado.
As salas também são razoavelmente interessantes, com algumas coisas pra interagir e então os inimigos. Para lutar com inimigos você precisa tocar neles, e isso pode ser feito normalmente ou atacando. Para atacar é preciso timing, calma e precisão, e quando você ataca a luta começa com seus inimigos todos stunnados, possibilitando que você escolha melhor suas opções no início da luta. É uma ideia bem legal.
Os sleights são também bem legais, de usar e de ver. É interessante como o Sora desse jogo é muito badass, podendo usar ações espetaculares como se fossem nada, gastando só umas três cartinhas.
Embora eu ache muito mais divertido ter eles lutando ao seu lado, você também pode trazer summons especiais de party members, que vão aparecer de tempos em tempos no meio da luta pra você pegar. Donald, Pateta, e talvez mais alguém que esteja com vocês, além de que você pode fazer sleights com eles. É um jeito inteligente de não deixar você ficar sem cartas de alguma forma, mas eu já ri bastante dizendo “ele quebrou meu Donald” uma vez ou outra.
Depois disso tudo, vou terminar a seção explicando meu baralho principal, para vocês terem uma ideia de como um deck é construído. Vocês podem pular essa parte se quiserem! Podem ir direto para o próximo capítulo.
+Leia também: Kingdom Hearts: Chain of Memories (remake) — uma breve retrospectiva
As minhas primeiras três cartas são 0s. Elas não são feitas pra serem usadas no início no jogo, mas estarem no início do deck possibilita que eu possa acessá-las a qualquer momento. O deck começa de verdade na quarta carta. As próximas nove delas são organizadas pra formar um sleight específico, são três Sonic Blades. Sonic Blade é talvez o sleight mais útil e é meio que o meu ataque padrão. Ele tem 6 hits, acerta todos os inimigos da tela e você pode controlá-lo. O lado ruim é que não pega inimigos no ar. Reparem que duas cartas dessas nove brilham, isso se chama Premium Card. Uma carta premium ocupa menos espaço no baralho, pelo preço de sumirem do baralho quando usadas até você usar um item que recupere elas. Mas, se você deixá-las no último slot de um sleight, você burla essa regra e elas se mantém no deck, já que a carta descartada se torna a primeira da trinca.
Depois disso, três cartas que formam blitz. Eu sei muito bem onde começa o Blitz, porque é uma keyblade vermelha com valor 2, então no momento que eu a vejo já sei que é o Blitz, ela se destaca. Blitz é meu ataque secundário, são três hits que podem acertar em um range muito bom e pegam qualquer inimigo no ar (por isso é meu ataque secundário). Normalmente eu preciso decidir em usar sonic blade ou blitz na maioria dos encounters, e esse talvez seja o pico das minhas decisões jogando Chain of Memories.
Após o Blitz tem três cartas de valor 2, que formam Ars Arcanum, um combo extremamente poderoso com muuuitos hits que destroem qualquer inimigo. O problema é que o máximo de valor que ele consegue chegar é 6, já que você precisa de três cartas que deem 6 ou menos pra fazê-lo. Embora isso signifique que as cartas vão ocupar menos espaço no baralho, fazendo dele “barato”, também significa que qualquer um pode quebrar o Ars, porque é só um 6 no máximo.
Depois dele tem mais três cartas que formam Ragnarok, um projétil que pega de um canto a outro da tela em um bom espaço dela. Ele acerta qualquer inimigo que estiver na frente e dá um bom dano, mas os inimigos sabem que dá pra escapar dele por chegar bem pertinho do Sora o que cria uma pequena fraqueza. Em seguida são três cartas que não formam nada, são feitas pra serem apenas ataques normais pra caso eu só precise dar um daninho extra pra um inimigo morrer. São cartas semi-altas pra que não sejam quebradas sempre.
Thunder é minha magia favorita, porque é a mais fácil de acertar. Eu uso três, não como sleight porque Thundaga não é muito bom, mas separados, ou pra usar só o Thundara. Mas às vezes eu de fato junto as três quando tem muitos inimigos na tela. Aí, depois dos thunders vem um Aero e duas Keyblades pra formar Judgment, um ataque muito bom que persegue inimigos em qualquer lugar, e então é quase garantido acertar. E depois, parecido com esse, eu tenho um Blizzard Raid, usando um Blizzard e duas cartas de ataque.
Então depois desses, tem um dos sleights mais fortes que eu tenho, o Mega Flare, um Mushu e dois Fires. Mega flare é um projétil que cria uma enorme explosão, acerta todo mundo e dá MUITO dano, mas não acerta inimigos muito altos no ar. Então entram minhas cartas de suporte, começando pelo Simba que é feito só pra dar um daninho extra em área, e aí a Tinker Bell. Ela tá, propositalmente, na frente de quatro Cures, porque quando eu REALMENTE precisar me curar, eu vou usar ela e duas curas, e aí eu vou ter quatro curas pra usar no próximo reload, me garantido pelo menos dois Curagas.
Depois disso começam meus itens, primeiro com um Ether, que recupera minhas cartas mágicas, então dois Hi-Potions. Hi-Potions são absolutamente obrigatórios no meu deck, que funciona a base de sleights, porque quando eu der reload eu vou perder as cartas que uso pra eles, e com Hi-Potions eu posso recuperar todas elas e começar minha sequência de trincas de novo.
Os próximos três itens estão aí por um motivo, eles são feitos pra usar Holy, uma habilidade que dá muito dano e mata muitos e muitos inimigos de uma vez só. É bem forte e útil, mas pela combinação difícil de fazer eu sempre deixo pro final, exceto em boss fights. Outra coisa sobre essas três cartas é que as duas primeiras são realmente muito úteis, com o Mega Ether recuperando absolutamente todas as cartas mágicas e resetando o contador de reload, enquanto o Elixir recupera absolutamente todas as cartas do baralho e reseta o contador ao mesmo tempo. O deck termina com outro Hi-Potion por precaução.
No final, tem quatro cartas cinzas. O Jafar para impedir os inimigos de quebrarem um número certo das minhas próximas cartas, o Bicho Papão para recuperar meu HP com o tempo, o barril para recarregar minhas cartas e o Air Pirate para especificamente me deixar usar Hi-Potions, porque ele impede minhas cartas de itens de serem quebradas.
Comparações com Kingdom Hearts e Considerações Finais
Existe uma razão para eu querer comparar esses dois jogos, e não é só por ser uma continuação, embora isso seja um dos maiores motivos. Acontece que esse jogo é sobre o seu antecessor, ele usa muitas e muitas coisas dele de propósito e vamos falar um pouco sobre como essas coisas transitaram para Chain of Memories.
Vamos começar simples, falando sobre a parte técnica. Os controles de KH1 eram divertidos e funcionais, um pouco problemáticos em relação aos menus, mas eram bons o suficiente. Em Chain, não é que os controles não funcionam, mas eles são realmente desconfortáveis. A e B é ok, mas passar pelos menus e juntar cartas é desconfortável e meio irritante. Oprimeiro porque é escolher cartas uma a uma, o que leva tempo, e o segundo porque você pode sem querer não apertar os botões exatamente ao mesmo tempo e trocar de carta ao invés disso e muito possivelmente juntar a carta errada no sleight. Fora isso, o roll é terrível, não só ruim de usar como não muito útil, embora nas lutas finais seja necessário ele só não é legal. Esse é o tipo de coisa que pede um remake e esse jogo teve um.
Depois dos controles eu queria dizer que o sistema de mira é mais funcional mas ainda uma merda, porque agora você nem decide onde mirar nem pode trocar inimigos, o jogo decide onde vai ser e você que aceite. Isso em boss fight é um saco e principalmente no final boss, onde é uma completa desgraça. Se o Sora estiver mirando em um bicho, não importa onde você esteja, ele vai atacar pra essa direção e ângulo, o que não é diferente do anterior, mas nele você tinha escolha em mirar, e em qual inimigo. Aqui você aceita o que o jogo dá. Isso é meio que tudo sobre a parte técnica, só vou trazer um pequeno adendo que o jogo laga em vários momentos no console e o slowdown é considerável.
Uma coisa importante é que esse jogo tem os exatos mesmos mundos que Kingdom Hearts… exceto por Deep Jungle. Deep Jungle é um dos mundos mais importantes do primeiro KH, mas acredito que foi deixado de fora por causa de força maior (direitos autorais do criador de Tarzan). Fora isso só tem dois mundos originais, Twilight Town e Castle Oblivion. Isso deixa o jogo um pouco repetitivo se você já jogou o anterior e diminui ainda mais o sentimento de aventura que a esse ponto não existe, porque embora o Sora não lembre de nada você sabe que já viu essas coisas antes. Os problemas em cada mundo não são os mesmos da primeira vez… em maioria, mas os personagens e locais são os mesmos. Os mundos também tem menos personalidade, e são bem mais curtos mas é meio que o esperado. E também, eles estão mais vazios que no primeiro jogo, bem mais, mas isso eu perdoo porque mantém o sentimento que o jogo quer passar então os lugares serem liminal spaces não é um problema. Ainda assim, como eu falei no início da análise, eles adicionam muito na história do jogo.
Esse é o fim das comparações, não foi muita coisa. Daqui a pouco vamos fazer um resumo sobre o jogo, mas primeiro, vamos falar da segunda campanha de Chain. Como é? Bem, vamos falar sobre ela agora.
A segunda campanha tem como protagonista o Riku, e embora não seja o mesmo tipo de história que a do Sora, ela é muito importante para o resto da franquia e cria o cenário perfeito para os próximos jogos, indo mais além do que Chain of Memories normalmente ia. Embora os diálogos sejam muito engraçados nessa campanha, ela é essencial no desenvolvimento do Riku, que passa de um vilão para um mocinho dentro dela, lutando contra sua escuridão interior.
A gameplay nessa rota do jogo é diferente da do Sora, embora ainda use cartas. Aqui, seus decks são presets, significa que, embora eles mudem, você não pode trocar suas cartas. Para o balanceamento do jogo, isso é uma ideia incrível, mas para o jogador… é uma ideia melhor ainda. Agora você sabe que não importa onde esteja, você tem o deck ideal para passar por cada desafio, porque é o único baralho possível. Além disso, toda vez que você troca, automaticamente pede uma readaptação do jogador às novas regras do seu baralho, com os valores e efeitos diferentes das suas cartas.
Isso utiliza de uma maneira muito inteligente o sistema do jogo, trazendo mais profundidade para o sistema de combate em troca de você não poder criar seu deck. O problema é que a Square foi muito burra e jogou fora esse sistema. Acontece que o Riku só tem acesso a cartas de ataque, e é sempre a mesma arma, e cartas de inimigos. Ocasionalmente ele pode usar itens também. Não parece um problema tão grande, ele só perde as cartas mágicas, certo? Pois é, por algum motivo, Riku não pode usar Sleights também.
Chain of Memories só existe como jogo por causa dos Sleights, a profundidade das lutas é dada por esse sistema. Na campanha anterior eles eram necessários e faziam qualquer deck ser potencialmente bom. Sleights são uma necessidade básica para as lutas desse Kingdom Hearts, mas Riku não tem acesso a eles. Isso faz a gameplay dele ser literalmente só apertar o A muitas vezes.
É claro, existe um pouco de pensamento envolvido nas lutas pelos diferentes valores das cartas que você tem, mas é pouca coisa. Você normalmente vai enfrentar todas as lutas ativando uma carta de inimigo que deixe você mais forte, e aí só seguir apertando A até matar seus oponentes. Por um lado, se torna mais parecido com um Kingdom Hearts qualquer, mas qualquer outro jogo da franquia tem mais ações, como bloquear ou usar magia. Aqui, você só tem efeitos passivos e ataques normais.
Só que existe algo que deixa a gameplay melhor, que é uma transformação que Riku consegue bem cedo no jogo. Quando ele quebra as cartas dos seus oponentes, a diferença entre os valores é somada em um número chamado Dark Points. Quando ele chega até um certo ponto, Riku se transforma naquela forma de escuridão dele com a roupa feiosa preta. Quando ele tá nessa forma, ele finalmente ganha acesso a três Sleights. O problema é que você sai dessa forma tomando dano ou se seus oponentes quebrarem suas cartas. Isso significa que em boss fights, que é onde você provavelmente vai usar essa forma, você é obrigado a fazer sleights o tempo todo.
Isso quebra o combate do jogo porque os decks são presets, e costumam ter poucas cartas. Assim, você fica sem cartas no seu baralho muito rápido, e provavelmente não vai ter uma maneira de recuperá-las, porque nem sempre Riku vem com itens, principalmente Hi-Potions. E, mesmo transformado, o jogo não fica mais estratégico, porque normalmente você só começa a spammar Sleights já que todas elas tem quase o mesmo efeito, e o que conta é o valor delas.
A falta de cartas mágicas e de Sleights variadas na forma normal matam completamente a campanha do Riku. Uma ideia muito bem pensada de decks padrões é jogada fora por falta de maior pensamento. É muito interessante que Riku se transforme, mas para fazer isso você provavelmente vai ter que juntar cartas para quebrar as dos seus oponentes, e com isso, suas cartas vão sendo jogadas fora pelo sistema de trincas que se mantém o mesmo. Não são mecânicas que se complementam, elas na verdade só se atrapalham, e por isso o jogo se torna monótono e mais chato que a campanha do Sora, embora seja pelo menos muito mais rápido de jogar.
Antes de podermos falar sobre o final do jogo, vamos fazer um rápido resumo sobre ele. Primeiramente, a parte artística dos gráficos e música são bons, mas o motivo para as músicas serem boas é por serem de Kingdom Hearts, recriações delas. A história é muito interessante e tem ideias muito legais, mesmo com diálogos ruins, ela ambienta o jogador em uma temática muito única que se destaca na franquia e em qualquer outro RPG.
A gameplay é complexa e profunda, mas a aplicação é mal feita, pois cria um jogo por vezes repetitivo, por vezes injusto e como um todo não muito funcional; é uma ideia que no papel parecia interessante mas não passou bem para a prática e fez desse jogo não muito divertido. Outro fator que contribui para um jogo não tão bom são as boss fights que, mesmo quando são justas, porque muitas realmente são, ainda conseguem ser irritantes e chatas, longas e cansativas, fazendo mesmo uma dificuldade balanceada não valer nada no final das contas.
Com isso, o final do jogo é muito interessante de analisar. Primeiramente, os dois últimos bosses, que são o Marluxia não são muito bons, por motivos diferentes. A primeira forma dele é injusta e irritante, e se você fizer um deck que seja bom o suficiente pra deixar a luta pelo menos só difícil, ainda não vai ser divertido. No entanto, a segunda forma é mais legal e interessante, e essa forma não usa sleights, e quebrar as cartas se torna uma mecânica mais possível e divertida. O problema da luta é que ela é muito grande, grande demais mesmo e como ela é uma luta difícil você vai perder muito tempo da sua vida tentando vencer. Mas, se você gosta disso, então talvez não considere uma luta ruim. Comparada com o resto das lutas essa é até legal, mas morrer faz você perder muito tempo e começar do zero.
Conclusão!
Depois que você termina a luta (vou tentar não dar spoilers) o final da história começa, e é muito interessante como esse final é importante pro resto dos jogos da franquia e como ele se liga a ambos 358/2 Days e KH2. A promessa que o Sora faz — embora clichê — é muito bonita e triste se você sabe como ele está em Kingdom Hearts 2, e eu acho muito interessante como a Square deadass fez um jogo de portátil ser uma continuação obrigatória do primeiro jogo se você quiser entender alguma coisa de KH2.
O jogo termina com algo bem impressionante. Simple and Clean, com letra, e qualidade incrível em um GBA. Eu não vou dizer que parece que é um PS2 mas deus do céu isso não parece mesmo que tá saindo de um Game Boy. Os créditos são muito legais, e mostram imagens em 3D de acontecimentos do jogo, o que é muito interessante se você pensar que o remake em 3D só saiu anos depois. Também mostra todos os personagens do jogo além da versão completa dde Simple and Clean, a música inteirinha. Eu acho meio triste que a versão instrumental, que é a minha música favorita da franquia, não aparece em momento nenhum no jogo, mas é bom ver que ela continua viva aqui. Eu me rendo completamente pra créditos então eu de fato fiquei feliz ao terminar Chain of Memories, mesmo que não tenha sido uma experiência tão agradável.
Uma coisa que esse final me fez perceber é que, se não fosse pelos controles, esse jogo podia ter sido lançado em um PS2 que ainda estaria em casa. Sabe, ele é um jogo de handheld sim, o que forçou ele a ser em pixel art, mas ele é bonito e moderno o suficiente pra pertencer a um console de mesa, e ele se esforça muito pra passar esse sentimento mais limpo com esforço real e coisas que você não espera que um GBA teria… como uma segunda campanha inteira, que muda a gameplay completamente, com muitos personagens novos. É o tipo de coisa que você espera que estaria SÓ no remake de PS2, mas é do jogo original.
Depois de dizer isso tudo, você deveria tentar Chain of Memories? Bem, embora a decisão seja sua, eu acho que a maioria das pessoas não se agradaria dele, e se você tiver chance talvez seja melhor ir pelo remake que pelo menos tem controles melhores, eu acredito. Mas, num geral, Chain não é um jogo tão ruim, embora seja o mais problemático com seus sérios problemas. Não é um jogo muito divertido mas seria um pecado dizer que ele não diverte em nenhum momento e, se precisam de um motivo pra jogá-lo, esse e Days (quase) são passos necessários pra fazer a experiência de Kingdom Hearts 2 muito mais bonita e especial, e por isso eu estou dando esses passos.
Eu agradeço acompanharem o texto até aqui e estarem comigo nessa jornada por toda essa franquia, ainda estamos no início e tem muito pela frente, mas embora pareça que vamos pisar em muitos espinhos eu acredito que Kingdom Hearts ainda tem muito a oferecer. Desculpem pelo draminha, é só o jeito que eu sou, beijos e mais uma vez, obrigada.