Quanto mais treino, mais sorte eu tenho.
No dia 31 de agosto, lá pelas 8:30 da manhã, eu estava no aeroporto de Guarulhos aguardando um voo. Em meio à esta espera, decidi passar no Starbucks, tentando suprir as 48 horas não dormidas de preparação mental para minha viagem. Pedi um daqueles milkshakes com café, que me custou quase 30 reais. Cogitei pedir um café preto ou expresso duplo e afins, mas o calor e fome me fizeram pensar que era melhor tomar algo que enganasse minha barriga.
Tentei considerar minha mente com a ideia de que um ou outro gasto de viagem pode ser exacerbado — mas nunca me deixa plenamente confortável.
Procurando onde me sentar, boa parte das pessoas estavam deitadas nos longos sofás com tomadas de energia, ocupando o espaço de três pessoas no lugar de… uma. Seria bom me sentar lá, meu celular estava com 50% de bateria. Felizmente, uma grande mesa central estava basicamente livre.
Além de mim, um piloto de avião careca e com cara de trinta e tantos anos estava sentado na cadeira a ~1,5 metros de distância do meu lado esquerdo, tomando um café preto e assistindo Instagram Reels, com o som relativamente alto. Músicas no estilo phonk e narrações de IA quebravam o silêncio dos cochichos de conversas distantes.
Na minha frente, paralelo a mim, uma garota lia as primeiras páginas de um livro, que talvez ela tenha comprado no aeroporto, considerando a condição dele; era sobre alguma coisa de dopamina. Não senti vontade de observar quem teria escrito potenciais besteiras sobre aquele assunto.

Aguardando meu colega de voo, senti a coragem e vontade de cavucar minha bolsa de viagem até encontrar a maleta do meu Steam Deck. Parecia que os astros haviam se alinhado à me proporcionar uma verdadeira experiência premium de portabilidade e sofisticação de jogar o mais novo Everybody’s Golf no meu portátil não-PlayStation.
Desvinculei meus fones de ouvido do celular que desde, algumas horas antes tocavam, em shuffle, músicas da cantora Caroline Polachek, enquanto atravessava São Paulo na linha de metrô que levava da Estação Barra Funda até o Aeroporto de Guarulhos. Ativei os fones no Deck, abri o jogo e diminui instintivamente as configurações gráficas para o mínimo — um modus operandi comum para testar jogos lançamentos no computador portátil.
O jogo não rodava. Era de um desconforto tremendo observar Everybody’s Golf: Hot Shots se dissolvendo em minhas mãos — parecia impossível acertar algumas tacadas, graças à um delay. Me doeu o coração e me floresceu uma ansiedade de pensar que tudo que idealizei sobre passar minha viagem intercalando com pequenas e divertidas partidas de golfe simplesmente teria de ser deixada para trás. Naquele exato momento, eu decidi deixar as experiências da minha vida me ensinarem sobre a arte que habita o golfe.

OBS: o desempenho de Everybody’s Golf, até o momento é um tanto desolador — versões de console são afundadas em travamentos. O jogo, na minha experiência pessoal, parece se recusar a rodar na mesma placa de vídeo (Geforce RTX 5070) que roda Doom: The Dark Ages com Path Tracing.

O golfe é para todos? Essa é uma questão que me assolou por algum tempo. Toda vez que eu refletia um pouco mais do que deveria no título deste clássico jogo de Sony PlayStation. No mínimo, nem foi sempre assim: Minna no Golf, “O golfe da galera”, por muito tempo foi Hot Shots Golf, no PlayStation 1. Desenvolvido pela Camelot (Shining Force, Golden Sun, Mario Golf, Mario Tennis) antes da Nintendo capturar a desenvolvedora por toda a eternidade.
Já o segundo jogo não estava mais na mão deles, essa responsabilidade ficou com a Clap Hanz, antes subsidiária da Sony, agora independente e distante da mesma. O legado da franquia foi se construindo perante o processo da Sony de promover seu próprio ecossistema sortido dos nichos de games.
Apesar das capas ocidentais privilegiarem a presença de personagens mais fanfarrões e escrachados, com o passar do tempo, na década de 2010, Hot Shots Golf: World Invitational para PlayStation Vita e PlayStation 3 reabraçou o jeito anime de ser…

No ano de 2017, enfim o Minna se tornou nosso e de todos. Everybody’s Golf lançou como Everybody’s Golf (e New Everybody’s Golf no Japão). Um criador de personagem robusto, sistema de multiplayer com elementos de MMORPG que literalmente permitiam centenas de pessoas jogarem golfe ao mesmo tempo… tudo isso sumiu. Partiu, foi embora. Se tornou memorabilia.
É isso que eu pensava de qualquer coisa que passou na mão da Japan Studios. Mas o que eu talvez não contava, é que a Sony se importa tão pouco com seus clássicos que, ao que me parece, eles estão vendendo as licenças e direitos à preço de banana!
A única serventia deles talvez seja de ser um robozinho do Astro Bot no final das contas…

Everybody’s Golf: Hot Shots é um jogo de golfe que não pensa só no golfe, desenvolvido pela Hyde e publicado pela Bandai Namco. Foi lançado no dia 5 de setembro de 2025 para PC, PlayStation 5 e Nintendo Switch 1 e 2. O jogo é também uma prova viva de que as memórias servem para acertar as maiores lacunas de nosso coração.
Você sequer gosta de golfe? Pergunto isso para ti porque, até começar a fazer minha pesquisa gamer, eu também tinha essa dúvida. Confesso não ter insistido em minigames de golfe na franquia Yakuza, além da obrigatoriedade presente em Yakuza 3. Também me recordo de jogar golfe no Kinect Sports Season 2 — neste caso, era mais interessante tapar buracos em Kinect Adventures.
Acreditei que teria tempo o suficiente para realizar longas jogatinas de títulos anteriores, mas não foi o caso. Saltando entre Hot Shots Golf 1 e 2 para PlayStation 1, Hot Shots Golf: World Invitational para PlayStation Vita, Everybody’s Golf para PlayStation 4 e claro, Neo Turf Masters para Fliperamas e NEO GEO, minha ótica de pouco em pouco foi se formando para a identidade do que é golfe — ao menos na visão de desenvolvedores japoneses.
Everybody’s Golf: Hot Shots tem algumas formas de te fazer tacar bolas. Seja no modo single-player ou multiplayer, as opções são diversas entre campeonatos oficiais e não-oficiais, pequenas travessuras com a roleta de Wacky Golf e claro… a presença do World Tour.
Um modo que te dá a chance de conhecer os clássicos personagens da franquia, com diálogos próprios que demarcam suas personalidades e valores de vida!

“Caramba, que oportunidade incrível estou vivendo, experienciando diálogos cativantes sobre figurinhas carimbadas de uma franquia com mais de 27 anos de carreira” — eu, em outra realidade que não seja essa.
Talvez eu esteja sendo duro e cruel, mas minhas sensações nos momentos em que vivi essas pequenas interações — que não são verdadeiramente desinteressantes — não viveram nas minhas ideias. Meu coração estava na sede por conhecimento do que faz o golfe ser o golfe. Eu vivi por esta gana.
Finalmente entendendo o grimório do uso de palavras como “Green”, “Par”, “Birdie”, “Eagle”, “Bunker” em cada tacada sem sentido que fiz, fagulhas de associações neurais me trouxeram conhecimento empírico via tacadas de oponentes.
Entender os caminhos do vento, as protuberâncias do gramado, os ângulos alternativos com bolinhas giratórias, e claro, exercitar a própria fé em cada uma das tacadas é o tipo de adrenalina que os olhos não veem, mas o coração sente. Já aquilo que tu vê, é antagônico…

Bonequinhos de anime cabeçudos e foscos, que poderiam ser considerados como sem alma — na realidade, acredito que eu mesmo sinta que eles são receptáculos ocos — diferente dos jogos anteriores da franquia que, além da beleza do campo, permitiam uma customização densa e ilimitada dos personagens clássicos, e mesmo um avatar próprio. Algo nada relevante para as tacadas, mas diz algo além.
Relatos da comunidade ressaltam que as mecânicas estão no ponto perfeito, e eu acredito nisso, só talvez não me importe o suficiente. O importante é continuar acertando minhas tacadas e obliterando meus oponentes. Para isso ser tão importante, é necessário também que meus oponentes me obliterem e, neste caso, é difícil que a medida seja tão bem definida.
Você precisa comer comidas que aumentam suas estatísticas para progredir no jogo, então boa parte da sua grana vai em empanturrar o bucho dos seus primeiros golfistas para adquirir novos que também começam com as estatísticas baixas e assim repetir o loop.
A primeira coisa que me vem à cabeça são algumas das complicações que senti recentemente jogando os primeiros Warriors da Koei Tecmo. A resposta para isso é obliterar até ser obliterado; afinal, o jogo se transforma em um grande grinding de conteúdo, para tentar soar como um clássico jogo com extensão e aprofundamento de conteúdo… antes da ascensão de DLCs e a tentativa de transformar qualquer jogo em esport.

Sabe, tudo que envolve esse jogo é muito confuso em critérios qualitativos — de modo algum acho Everybody’s Golf: Hot Shots ruim no que se propõe; mas, pelo menos confuso, eu sinto que é, e nisso acabo me identificando com ele.
Ainda quero dominar todas as técnicas e enfrentar os desafios secretos que ele traz, mas o diagnóstico de um jogo que não se permitiu imaginar-se como algo além de seu próprio legado — afinal, os cenários e boa parte dos personagens são figuras dos títulos antigos da franquia — me entristece um pouco.
A Clap Hanz está tentando se virar sem a Sony com Easy Come Easy Golf, e agora é a vez de outras empresas contratadas lidarem com o fardo de um passado apagado, mas não esquecido, afinal, virou moeda do troca da própria mãe.
Esses dias, esperando pela minha namorada na universidade, eu sentei num banco, comecei a ouvir o audiobook do livro “The Greatest Game Ever Played” escrito por Mark Frost (co-produtor de Twin Peaks) e joguei um pouquinho de Hot Shots Golf: World Invitational no meu novo-velho PlayStation Vita. Em determinado momento da jogatina, comecei a observar a janela, onde outros estudantes jogavam pingue-pongue sem ritmo ou precisão.
Não associei palavra alguma do livro, dei péssimas tacadas no jogo e sequer entendi o que acontecia no pingue-pongue do pessoal. Mas senti o que precisava sentir, sorte. Me senti fútil, mas concentrado em viver, cada dia mais. De algum modo, me faz sentido treinar minha sorte.
Uma cópia de Everybody’s Golf: Hot Shots para PC foi concedida pela Bandai Namco para análise no Recanto do Dragão.
