A partir de tudo que Like a Dragon Gaiden e Yakuza: Like a Dragon construíram para a chegada de Like a Dragon: Infinite Wealth, uma sensação de grandeza para esse novo e mais megalomaníaco (até não ser mais) capítulo da franquia pulsou no meu peito de uma maneira que me pegou completamente desprevenido.
Em alguns dos meus textos eu já relatei algumas experiências de “hype” com vídeo games, assim como a vontade que eu relatei na minha análise de Final Fantasy XVI. Mas no caso de Like a Dragon: Infinite Wealth, o sentimento era menos sobre um videogame novo de uma franquia que eu amava e mais sobre um capítulo novo… da minha própria vida.
Like a Dragon: Infinite Wealth é um jogo desenvolvido pelo Ryu Ga Gotoku Studio, publicado pela SEGA e lançado dia 26 de Janeiro de 2024 para Playstation 4/5, Xbox Series S|X, e PC.
Esse é o jogo mais casual da franquia; no sentido que tudo acontece sobre ritmos que desmantelam o entendimento daquela estrutura “episódica” que a franquia consolidou desde o primeiro jogo, em que basicamente cada evento consistia de um começo, desenvolvimento e fim. Sempre mantendo uma metragem de uma hora e pouquinho.
Mas Infinite Wealth se fundamenta e se apoia completamente na fé de que o jogador fique realmente cativado a comprar a ideia de viver as grandes férias da vida do Herói de Yokohama, Kasuga Ichiban e obviamente do Dragão de Dojima, Kazuma Kiryu.
Por incrível que pareça o papel de Ichiban nessa história, apesar da temática ter como estrutura uma incógnita extremamente pessoal para o protagonista, as coisas não ocorrem de um jeito tão convencional assim.
Yakuza: Like a Dragon se baseava em todo o drama que o Ichi sofreu com a sua antiga família, após ser preso injustamente por 17 anos; em Like a Dragon: Infinite Wealth acompanhamos um Ichiban que já é realizado profissionalmente e mentalmente, com seu emprego dentro de uma Hello Work em Yokohama; aplaudido e amado pelos moradores da região, carregando sua árdua tarefa de redimir e reabilitar na sociedade antigos membros de clãs da yakuza que foram desmantelados em 2019.
Enquanto isso, Kasuga tenta lidar com os únicos problemas da vida dele: suas próprias emoções e sentimentos. A realidade é que seu tempo de privação da sociedade o impediu de entender e apreciar alguns dos princípios e emoções mais abstratas como a ideia de estar apaixonado e lidar com isso.
Entre os casos e descasos, o nosso querido herói acaba tomando um “exposed” falso de uma criadora de conteúdo virtual chamada Tatara Chan, acusando-o de coisas que ele não fez, e ele perde basicamente tudo que construiu nos últimos cinco anos. Ele perde o emprego e acaba sofrendo linchamentos e assédios pelas ruas de Yokohama. É justamente nessa perspectiva que Ichiban recebe um ilustre convite de pousar no Havaí para encontrar uma pessoa muito importante para a vida dele, mas que ele nunca sequer imaginou que iria conhecer.
Isso aparenta ser algo muito importante, mas apesar de ser uma curiosidade para o Ichiban, isso meio que nem importa tanto no coração dele, e realmente não importa! Não existe nem um arco sequer remoendo os acontecimentos e historietas em relação à essa figura que deveria ser tão impactante para a vida do protagonista.
É isso que difere Kasuga Ichiban de muitos outros personagens da franquia e até de vídeo games de modo geral. Ele meio que já encerrou o seu arco no primeiro jogo que ele protagonizou, não existem grandes pendencias e mesmo penitências morando em seu coração, e mesmo aquela que o deixa mais abatido não é nada mirabolante, pois ele já é um homem realizado, sempre com os mesmos ideais de como ser uma boa pessoa com todo mundo ao seu redor.
Portanto, andar sob esse simulacro do Havaí na perspectiva do Ichiban; independente de todas as intrigas socioeconômicas, dramas familiares, e obviamente as traições e facadas no peito, sempre me trouxeram um grande senso de ser basicamente as férias dos protagonistas e de certo modo até da franquia.
O ritmo desconjunto com os acontecimentos completamente espairecidos nunca me desgastavam, pois o próprio videogame como videogame me engajava a colidir minha própria perspectiva de jornada com a do Ichiban.
Essas coisas me contagiavam a simplesmente querer conhecer e buscar entender de peito aberto tudo aquilo que acontecia ao meu redor; as missões secundárias que agora carregam passe livre para encontrar alguma maneira de ridicularizar estadunidenses (não tão excessivamente quanto outros jogos da franquia). Os massivos mini-games como principalmente aqueles baseados em Pokémon e Animal Crossing, completamente megalomaníacos em grandeza (tal qual o próprio jogo) transformavam cada vez mais o conceito de mini-jogo de Yakuza em um… jogo inteiro.
Nota: Eu poderia falar por um longo tempo o quão impressionante é a Dondoko Island, que faz um trabalho exímio de cativar um sentimento muito especifico que os jogos da franquia Animal Crossing carregam, mas eu recomendo que você jogue e tire suas conclusões…
O polimento que o combate de RPG de turno recebeu em comparação a Yakuza: Like a Dragon é quase que uma evolução natural. São basicamente os mesmos sistemas de fraquezas e cálculos matemáticos baseados em Dragon Quest, mas ainda sim com uma pitada de elementos que recordam os tempos de Yakuza como beat ’em up. Por conta disso, o terreno e a movimentação são extremamente importantes para as ações nesse jogo; se aproximar do inimigo e posicioná-lo de maneira estratégica te permite criar combos e sequencias entre os companheiros, possibilitando encurtar combates que deveriam ser longos ou de algum modo maçantes a depender da maneira como você “arma” suas jogadas e ações.
É simplesmente impossível negligenciar aquilo que o marketing se fundamentou e na concepção de uma parte dos fãs chegou a abusar, a volta de Kiryu Kazuma. Uma volta surpreendente e naturalmente deprimente dentro do contexto do jogo, afinal, o Dragão de Dojima carrega consigo mesmo a luta de sua vida; uma luta que ele não consegue combater com seus próprios punhos… o câncer.
Se você jogou Like a Dragon Gaiden ou leu minha resenha neste site, você sabe que as coisas já não estavam bem para o Kiryu há quase uma década, mas é esse o gatilho que transforma todos esses bons momentos praianos em algo com um retrogosto completamente amargo, uma coisa que afunda a jornada de Kiryu que já estava lotada de dores e pendências…
E é nisso que a depender do modo que você joga esse videogame, em cerca de 30 a 50 horas depois, Yakuza 8 se torna quase que Yakuza 9.
Seguimos uma jornada completamente pessoal em comparação àquela regada de otimismo e força de vontade de Ichiban, se tornando uma dramática mas necessária lavagem de “roupa suja”.
Em Like a Dragon Gaiden tudo parecia ser regado em dor e arrependimento; aqui uma fagulha de esperança precisa encontrar seu espaço: o que aconteceu, já aconteceu. Todavia o jogo busca resolver quase tudo aquilo que tocou o coração do dragão, mesmo que ele negligencie isso, assim como negligencia seu próprio direito de viver.
A grande realidade é que no jogo em que finalmente Kiryu e Ichiban se tornam amigos e criam um laço, o amadurecimento que Like a Dragon: Infinite Wealth tenta trazer, não é para o otimista e inocente Ichiban Kasuga, e sim, para o agora velho e cansado Kiryu Kazuma.
Se em Yakuza: Like a Dragon o Lendário Dragão de Dojima precisou disciplinar o Ichi com os próprios punhos para assim o peixe atravessar os portões e se tornar um peixe-dragão; no oitavo (ou décimo) jogo principal da franquia, o dragão agora precisa perder toda a soberba e grandeza, abandonar os status de divindade para enfim reencontrar um senso de humildade e fraternidade entre aqueles que estão ao seu redor e o consideram como igual.
Depois de quase uma década, caminhar novamente nas ruas de Kamurocho, sem nada amarrado em seu pescoço além da certeza da incerta morte, é um tanto reconfortante, afinal, pela primeira vez encontramos um Kiryu estranhamente aliviado.
Provavelmente seja por saber que mesmo tão fragilizado e amargurado com sua situação, ele está cercado de amigos e pessoas que o respeitam, mas isso é algo que ele não admitiria facilmente. É notável que de pouco a pouco ele abandona aquele semblante tão deprimido e começa a ser mais singelo com as próprias emoções, lentamente perdendo o gosto amargo que suas falhas o faziam sentir.
Assim Like A Dragon: Infinite Wealth fez aquilo que nem eu sequer imaginava que eu seria capaz, me surpreender com as ações de Kiryu e seu desenvolvimento como pessoa, em cada dia que eu me afundava nos sentimentos e emoções do fim dessa longa história.
O fim de uma jornada é sempre marcada de arrependimentos, e talvez eles nunca sumam mesmo, todavia é sobre essa busca incessante que encontramos nossa vontade de viver; apesar de ser previsível essa frase, todo começo é um fim e vice-versa, um infinito ciclo com riquezas que vão além de um bem material. A existência negligencia qualquer tipo de lógica ou senso prático, o dia de amanhã é apenas uma incógnita.
Ainda sim, sempre aprendemos com o dia de hoje, e é preciso apenas continuar a viver para encontrarmos significado em cada coisinha que encontramos; para descobrirmos quem realmente somos não é necessário estarmos no lugar certo, na hora certa.
Seja uma pequena jornada de férias em uma ilha paradisíaca, ou simplesmente caminhar nas ruas do bairro que vivemos a nossa vida inteira, é justamente entre o novo e o velho que encontramos aquele que somos, aquele que fomos e aqueles que seremos.
O que realmente separa o carpa, do dragão, além do momento? Afinal, ambos tiveram o ímpeto para atravessar da mesma nascente.
Eu honestamente não queria ser tão meloso ao analisar um videogame, mas cada pedacinho deste jogo transformou simbologias e sentimentos abstratos em algo tão palpável no meu coração. Acompanhar toda a Jornada de Kazuma Kiryu e todos aqueles que estavam ao seu redor, e encontrar nesse potencial fim algo tão mirabolante mas de certo modo tão singelo, foi tão especial para mim, um descompromisso regado de comprometimento.
Talvez seja por que cada dia que passa eu me veja obrigado a entender o amargor de perder algo. São nessas perspectivas e filosofias de vida que essa franquia me trouxe, que eu encontrei algo que me ancorou em algumas das minhas reflexões e dores que meu coração não foi capaz de esconder de mim mesmo. Por essas e outras eu sou grato por toda essa jornada.
FIN.
Uma cópia gratuita de Like a Dragon: Infinite Wealth foi concedida pela SEGA/Theogames para análise no Recanto do Dragão.