Sonhos estranhos o assombram esta noite.
Uma voz familiar te convida à janela.
Escadas alastram-se em direção ao céu noturno.
Você acorda justamente quando começava a subi-las.
Você sente a urgência de olhar para fora da sua janela.
Look Outside é um survival horror e o primeiro grande lançamento de Francis Coulombe (artista pixel de Katana Zero e desenvolvedor de múltiplos outros jogos em sua página do itch.io). O jogo acompanha você, o mulambento e solitário inquilino do apartamento 33. Após resistir a vontade incessante de olhar para além de sua janela, sua vizinha Sybil te informa que de fato seu bom senso foi a melhor alternativa, já que coisas horríveis acontecem com aqueles que se atrevem a olhar o mundo externo. Reza a lenda que após 15 dias o exterior estará seguro para convivência novamente, mas será que você é capaz de sobreviver até lá?
Apesar da premissa de isolação, Look Outside se nega a ser um jogo nos moldes de Silent Hill 4: The Room com enfoque em explorações introspectivas de personagem e acontecimentos “mais” psicológicos do que materiais. Look Outside se joga de cabeça na materialidade daquele mundo e te força a ir junto, você vai sair do conforto do seu apartamento; você vai presenciar os horrores; eles estarão lá da maneira mais real possível, independentemente do quão absurdos eles possam parecer. Corredores infinitos, arcadas dentárias que desafiam a anatomia humana, carros antropomórficos, fungos… A lista é extensa, terrivelmente criativa e visualmente deslumbrante!
Sério, falar que esse jogo é lindo parece ser um eufemismo até. Francis Coulombe já tem um certo renome pelo seu trabalho em Katana Zero, mas é somente em seus projetos pessoais onde conseguimos ver seu estilo com toda potência e personalidade que Look Outside esbanja, apesar do jogo se segurar em alguns aspectos para emular uma estética de batalhas em homenagem a RPGs mais clássicos do RPG Maker (como Shūjin e no Pert-em-Hru, GU-L e etc…). Os momentos de quebra dele são tão visualmente impactantes que todos assinam a escritura de aluguel na sua cabeça quase que instantaneamente. Seja uma animação no meio da luta, uma virada inesperada na temática da batalha, ou só uma progressão de diálogos/designs irados um atrás do outro, Look Outside não é um prato cheio visualmente falando, é um kg de “coma a vontade” inteiro!

Apesar do charme visual fortíssimo, na parte sonora Look Outside é um tanto… controverso. Não que a trilha sonora do jogo seja ruim, muito pelo contrário, Eric Shumaker fez um trabalho fantástico e cada faixa carrega uma energia fantástica. Entretanto, a OST retrô e com alta energia às vezes não parece levar o jogo para o lugar de tensão no sentido mais tradicional do terror com tanta frequência quanto poderia. Ainda assim, isso parece ser mais uma decisão deliberada do que realmente um tropeço na direção da obra.
Look Outside é realmente uma homenagem ao que funcionava no terror B oitentista e também ao que “não funcionava”. O jogo é recheado do body horror que tornou essa década do cinema tão icônica, mas ao mesmo tempo ele não tem medo de abraçar a tosquice da época ou se levar para lados mais dramáticos quanto quer. Essa flexibilidade tonal, inclusive, é uma das suas maiores forças. O roteiro se segura muito bem em todos os temas que propõe e usa as ambientações para fazer a transição de momentos de maneira natural. Francis faz uso de uma prosa extremamente sensível e maleável para compensar suas limitações visuais autoimpostas, tanto que em diversos momentos me peguei quase que ignorando o restante da tela com os olhos vidrados nas caixas de texto.

Todos esses elementos se misturam de maneira homogênea e tornam Look Outside um horror muito único. Em uma era onde esses resgates do terror já estão saturados, Look Outside se destaca justamente por entender o apelo desse passado e o carregar com suas próprias expressões e sensibilidades.
Dito tudo isso, somente o horror desse survival horror foi destrinchado até agora né? O aspecto de sobrevivência do jogo é mais presente na gameplay do que em sua apresentação e eu imagino que isso não seja surpresa para ninguém. O jogo contém duas opções de dificuldade: o modo fácil e o modo normal. As mudanças são bem o que se espera de um seletor de dificuldade, recursos vão ser menos ou mais escassos e as lutas podem ser mais tranquilas ou não, porém, a maior diferença entre os dois modos vem justamente em como salvar seu jogo. No modo fácil, você tem liberdade para salvar em qualquer momento que achar oportuno, mas fora dele o jogo introduz uma nova mecânica inteira de save.
Diferente de outros survival horrors como Silent Hill, Resident Evil e ALISA, Look Outside joga pela janela completamente o conceito de safe rooms e acaba optando por uma rota muito mais similar ao de Amnesia: The Bunker. Com um único local de save para todo o jogo e sem recursos diretamente associados ao ato de salvar, seu único recurso é sua própria sobrevivência.
Conforme você é obrigado a explorar o exterior, o jogo começa a contabilizar “áreas de perigo” e o tempo que você passa se expondo a elas. Você precisa pelo menos se expor a uma hora de perigo para cada vez que você queira salvar seu jogo; uma vez passada essa uma hora você pode retornar ao seu apartamento e contar suas últimas aventuras para sua vizinha completamente normal e saudável (que por acaso é só um olho na sua parede?). Logo no início dessas conversas o jogo te permite salvar o seu progresso, fazendo com que toda vez que retome sua jogatina você também receba um breve resumo dos últimos acontecimentos. Look Outside não chega a ser tão restrito com seu controle sob saves como Amnesia: The Bunker, ele ainda te permite fazer múltiplos caso você acredite ser necessário mas, só de te fazer ter que muitas vezes voltar todo o seu caminho para poder salvar o jogo, um clima de tensão e de tomada de decisão muito intenso é criado, até porque o jogo ativamente te recompensa fazendo com que quanto mais tempo você fique exposto a zonas de perigo mais experiência passiva você recebe ao chegar em casa. Isso somado ao fato de que o level design do jogo bebe muito do gênero de dungeon crawling me levou a me pegar suando de tanta tensão pensando se valeria a pena voltar para casa de imediato com o intuito de garantir um save ou se era mais benéfico aguentar para voltar com mais recursos e ainda receber um bônus de experiência no meu apartamento.
O game design voltado inteiramente para te empurrar para fora de casa não é à toa. Apesar dos objetivos simplórios o jogo é recheado de conteúdo, desde lugares obrigatórios, encontros determinados por RNG, soluções variadas para o mesmo puzzle… Look Outside lida com esse mar de possibilidades de uma maneira admirável mas não muito comum atualmente, que é deixando o jogador se virar sozinho e atiçando sua curiosidade somente após a tomada de decisões que alteram de maneira drástica o curso de sua narrativa. Seja através de pequenas cutucadas com monólogos internos do protagonista enquanto realiza tarefas mundanas, conversas rotineiras com sua vizinha ou até momentos de confronto psicológico direto. Você vai lidar com as consequências de suas ações e estará plenamente ciente delas.
Look Outside é uma experiência que mais do que merece ser vivida por qualquer assíduo fã de horror. Em um momento onde nos apegamos tanto a estéticas passadas com o intuito de simular nostalgia ou pela facilidade de trabalhar em cima de algo mais “simples” (entre muitas e muitas aspas), Look Outside se destaca por conseguir homenagear essas eras ainda fazendo mais do que bom uso da distância que existe entre nosso contemporâneo e dessas antiguidades.

Uma cópia de Look Outside para PC foi concedida pela Devolver Digital para análise no Recanto do Dragão.