100 anós após Mega Man X5, uma espécie de “paz” foi instaurada no mundo. Os humanos podem viver felizes, sem medo. O preço? O genocídio em massa de todos os Reploids da terra. Você controla a última esperança de um povo inteiro que não pode se defender, e como o lendário Reploid “Zero”, precisa salvar seus irmãos no massacre que Neo Arcadia está realizando. Esse é Mega Man Zero.
Mega Man Zero é a continuação espiritual de Mega Man X. Na verdade também é no enredo, mas MMZ busca expandir os conceitos apresentados nessa última série, e mostrar o potencial do estilo de gameplay dinâmico e explosivo de MMX. Se passando no futuro, controlamos Zero ao invés de X. Agora, não fazemos parte de uma organização que mantém a paz, porque não existe paz. Zero luta pela liberdade, e essa mudança drástica de ambientação é muito importante para esse novo passo na franquia.
Nesse primeiro jogo, você luta ao lado de um grupo de rebeldes que representa um número minúsculo de reploids que ainda estão vivos. A única coisa que eles querem é liberdade; é viver, então todas as fases de Mega Man Zero são baseadas nisso. Em X, você costuma escolher alvos que estão causando problemas em alguma parte do mundo. Em Zero, você escolhe missões pelo que elas representam: conseguir energia, resgatar companheiros, adquirir informações… sempre tem um boss no final, mas você não sabe quem é ou seu nome antes de começar a fase. Por que saberia? A resistência não tem recursos, não tem poder de fogo, não tem tecnologia no nível necessário pra essa missão. Isso não é uma guerra, é genocídio. E Zero é o único que pode impedir a extinção dos reploids.
Algo notório sobre esse primeiro jogo é que não existe exatamente um “hub world”. Todas as missões são acessadas pelo terminal ou falando com a Ciel (normalmente é falando com ela), mas todas as áreas das missões são acessíveis quando você as completa, porque o mundo está conectado. Tem umas três missões no deserto e cada uma muda a área um pouco, e assim que você as termina, pode ir até o deserto livremente. O que tem lá? De importante, nada. Você pode coletar recursos se quiser ou evoluir suas armas, mas em nenhum momento Zero precisa sair da base para seguir a história. Tudo pode ser feito escolhendo as missões.
Existem duas mecânicas principais apresentadas em Zero 1 que são importantes de discutir antes de entrar na gameplay mais profundamente. A primeira delas é a mecânica de Cyber-Elves. Tipicamente você ganha coisas em Mega Man por encontrá-las nas fases. E-Tanks, armaduras, upgrades… aqui, é mais complicado. Um Cyber-Elf é um ser vivo artificial, um programa. Ao menos, ver eles desse jeito deixa o conceito menos mórbido…
Cyber-Elves na verdade são bichinhos que te ajudam, cada um podendo fazer algo por você. Pode tanto ser algo como te curar como aumentar permanentemente algo no Zero. A questão é que assim que um Cyber-Elf é usado, ele morre. Não existe uma maneira de reviver um deles, e o propósito da vida de um Cyber-Elf é te ajudar na única coisa que eles podem fazer, e então morrer.
Você encontra eles de várias maneiras. Podem ser a recompensa por terminar uma missão, ou encontrados ao explorar a fase. Você pode conseguir algum ao derrotar certo inimigo, e de mais alguns jeitos também. Eles são separados em três categorias, e cada Cyber Elf pode ter um nível de um a três. Quando um Elf possui um nível acima de um, ele não pode ser usado logo após ser recolhido. Você precisa primeiro alimentá-lo, até que ele cresça e chegue à sua forma principal. Elfs de nível dois só precisam crescer uma vez, e os de três precisam crescer duas vezes.
A mecânica de alimentação é muito importante, porque você vai usar pouquíssimos elfs em uma campanha. Não dá tempo pra usar tantos! E você não recolhe cristais suficientes pra alimentar vários. Em uma campanha normal eu diria que, se esforçando, você conseguiria usar um Level 3 e talvez dois Level 2. E, por serem tão difíceis de criar, eles podem ser extremamente fortes.
O primeiro tipo de Cyber-Elf é o Nurse, focados inteiramente no seu HP. Os Lv1 costumam apenas recuperar sua barra de HP, alguns recuperando pouco, outros tudo, e tem uns que transformam o dano que você toma em HP. Eu nunca consegui fazer um desses funcionar, não sei quais as regras por trás. Lv2 e 3 são sobre aumentar seu HP máximo, com o único Lv3 adicionando uma barra de vida inteira no Zero.
Então vem os Animal, que possuem efeitos um pouco mais gerais. Alguns vão salvar Zero caso ele caia em um precipício, enquanto outros vão atirar em inimigos. O Lv3 dessa categoria aumenta sua defesa, o que é legal.
Por último, os Hackers fazem mudanças drásticas no jogo inteiro. Eles podem mudar todos os inimigos de uma fase, ou apagá-los por si só, ou tirar metade da vida de um boss, ou aumentar seu tempo em missões cronometradas. Você também pode fazer com que todo inimigo drope algum item na missão específica, ou… apagar todos os espinhos do jogo. Espinhos em Mega Man te matam em um hit, e esse Cyber-Elf pode adicionar bloqueios em todos eles no jogo INTEIRO!!!
A última mecânica a ser introduzida é o sistema de Level Ups, porque toda arma tem níveis diferentes. A explicação é que Zero perdeu a memória, e quanto mais você usa uma arma mais ele começa a se lembrar das suas habilidades e criar novos ataques. Subir uma arma de nível sempre te dá um golpe novo e isso é divertido.
O Design “Zero”
Mega Man Zero tem suas raízes no estilo dinâmico e rápido de Mega Man X. O uso de dashes, paredes e criatividade é muito importante pra esse jogo, usando de mecânicas simples para criar um amplo espaço para cada jogador se expressar. Embora isso seja real para toda a franquia Zero, esse primeiro jogo é meramente uma introdução.
Suas habilidades ainda são pouco exploradas, não têm tantas ideias originais que diferencie MMZ de X (por enquanto), e mesmo que a gameplay seja rápida e fluida, age apenas como uma representação do estilo de gameplay de Mega Man X. O conceito da franquia Zero não é reproduzir, mas expandir. O que temos no primeiro jogo se assemelha com um novo Mega Man X, e não uma nova série. Isso caracteriza um jogo ótimo, Mega Man X é muito foda, mas a série Zero não é conhecida por ser apenas MMX de novo, e isso vai ficar bem claro quando falarmos do segundo jogo e todos os seguintes.
A primeira coisa interessante sobre o funcionamento das mecânicas é que Mega Man Zero combina os dois personagens que protagonizam a série X, em um. Zero tem diversas armas, e cada uma tem movesets inteiros, mesmo que sejam pequenos por enquanto. O sabre clássico tem menos golpes do que Zero possui em X4, mas naquele jogo não tinham outras armas. A questão é que, por agora, as armas servem para fazer com que o moveset do Zero se equipare aos seus antecessores, mas não siga bem seu próprio caminho. Isso não é um problema, até porque tudo que é executado aqui serve de base para os jogos futuros. Acho que vale apresentar as armas agora.
A primeira arma que você recebe não é o sabre, mas um revólver. O Buster desse jogo funciona exatamente como o Buster simples do X, ou do próprio Rockman. Tiros rápidos e um tiro carregado, só o que precisa. É muito melhor do que o buster ridículo que Zero recebeu em X5, que por si só é um downgrade absurdo do buster de X3 onde ele era arma principal do personagem.
Embora o Buster seja sua arma de longo alcance principal, os outros equipamentos acabam por facilmente substituí-lo na maioria das ocasiões. Zero causa mais dano de perto com qualquer outra ferramenta no seu arsenal, e o tiro carregado da pistola pouco faz quando comparado aos ataques carregados das outras armas.
O Z-Saber é, de fato, a arma principal do personagem. Essa conta com mais upgrades que as outras, e também mais golpes. Os três cortes voltaram, assim como um ataque no meio do seu dash. Mas agora Zero pode atacar enquanto anda normalmente, e mesmo que não possa combar nesse golpe, tem maneiras mais avançadas de usar ele que acabam por ser bem interessantes. O golpe giratório no ar também se faz presente, graças à Deus. Eu te amo Kuuenzan.
O último ataque importante do sabre é o Charge. Zero concentra o poder da arma e o lança no chão, causando uma explosão bem grandinha. Esse é um dos ataques mais fortes do jogo, e mais fáceis de usar também. É rápido, pode ser usado no ar (mesmo que seja uma explosão no “chão”, explode no ar também), e nos apresenta a uma nova mecânica. Em jogos de Mega Man as fraquezas dos chefes podem ser bem vastas e específicas, mas quando você usa Zero em MMX é costumeiro que elas sejam simplificadas. Normalmente um chefe vai ser fraco contra fogo, gelo ou raio. Por isso, em Mega Man Zero, temos a possibilidade de equipar um Chip no personagem que dá à alguns golpes as propriedades já mencionadas. Ao invés de ter ataques específicos que causam tal efeito, fez-se necessário para acompanhar o sistema de armas uma maneira mais “geral” de causar dano Elemental. Ataques carregados sempre ativam o efeito Elemental da arma, enquanto qualquer outra técnica continua dando dano normal. E é por isso que o Charged Attack do sabre é tão bom.
A próxima arma é o Triple Rod, uma lança. O Rod pode ser mirado, pegando todas as oito direções do jogo. Essa é a maior utilidade dele, dando facilidade para que Zero acerte inimigos em quase qualquer lugar. No chão, você também pode executar um combo de três hits que consiste em estender o alcance da lança três vezes, o que é muito legal. O ataque carregado dessa arma, à primeira vista, parece muito ruim. E isso é entendível: comparado com o sabre, o Charge do Triple Rod é mais lento, tem menos alcance, dá menos dano e perde range no ar. Mas a duração absurda do golpe, que é um giro da lança acima da cabeça do Zero, faz com que ele cause danos absurdos quando bem utilizado. Eu consegui acertar até quatro hits de vez em quando, não sei se tem mais que isso mas esses quatro hits moem a vida de qualquer chefe quando você equipa o chip certo. Afinal, quando um chefe é acertado por sua fraqueza ele fica stunnado, não podendo escapar dos próximos hits do Triple Rod.
A última arma de Zero 1 é o Shield Boomerang. Quando ativado, ele pode refletir alguns tiros, mas não todos. Quando você o segura, Zero é impedido de dar dashes (normalmente), mas também está carregando um golpe poderoso. A maior utilidade do escudo é que desde o seu primeiro nível ele já tem um Charged Attack, sendo uma arma vital no Hard Mode do jogo. O ataque funciona como um bumerangue. A outra utilidade dele é cancelar a animação de ataque das outras armas, permitindo que você triture a vida de um boss em segundos. Isso é roubadíssimo e não é muito divertido, mas você pode fazer.
Mesmo que o jogo seja extremamente divertido, a dificuldade dele não entra em discussão apenas por ser… difícil. Em algumas coisas, Mega Man Zero é bem injusto. Eu diria que os chefes são a melhor parte dele, e é lá que há de fato um balanceamento legal no combate, mas tanto as mecânicas quanto as fases possuem diversos problemas. Existem pouquíssimos checkpoints, por vezes forçando que você recomece uma fase do início. Mesmo que as fases sejam divertidas de terminar, o design delas acaba por te matar com frequência a troco de nada. Você é acertado por coisas de fora da tela a todo momento, o que é meio estranho.
Muita gente conhece o port horroroso de Sonic 1 para Game Boy Advance, e como ele deu um zoom fodido no sprite do Sonic. Como o jogo não foi pensado para que o jogador veja tão pouco do cenário na sua tela, a injustiça de um jogo já muito difícil foi aumentada ao extremo. Mega Man Zero, no entanto, foi pensado para o GBA. Então, por que ele tem o mesmo problema? É muito comum, não só nesse primeiro jogo, que você seja obrigado a dar saltos em falso sem saber se sequer há um chão do outro lado porque a câmera não vai te mostrar. O mesmo ocorre pra inimigos e armadilhas, que podem estar em qualquer lugar e você não vai saber até morrer. Os buracos nesse jogo são especialmente mortais, até porque vidas são muito limitadas e checkpoints escassos. Mesmo os bosses que são tão legais são afetados. Afinal, morrer neles, algo necessário para aprender suas lutas, sempre vai estar sujeito ao sistema de vidas e continues do jogo. Não sei, mas acho que em 2001 já dava pra perceber que esse tipo de sistema não é muito bom.
Ainda assim, eu terminei esse jogo umas quatro vezes nas últimas semanas por ser muito divertido. Eu raramente me importo com esse tipo de problema, mas é importante relatar que a coletânea (joguei por ela) disponibiliza uma mecânica chamada “Save-Assist”. O save-assist é um ponto de save + checkpoint que vai aparecer em muitos lugares das fases. Ao morrer, você retorna para ele sem usar uma das suas vidas (efetivamente fazendo delas inúteis), e dá pra fechar o jogo no meio de uma missão para então retornar usando esse save. Eles são muito justos e fazem com que Mega Man Zero seja acessível pra todo mundo, sem adicionar algo como savestates que podem ser abusados para apagar qualquer desafio que você não queira lidar com. Acho que é por isso que os chefes são tão legais de enfrentar — você ganha a possibilidade de lutar com eles quantas vezes quiser até vencer, e a luta por si só não foi alterada em nada. Mesmo com o Save-Assist é necessário que você aprenda a vencê-los como normalmente faria na versão original, só não vai ter que se preocupar com jogar a fase inteira de novo se falhar. Isso também te dá mais oportunidades para experimentação! Algo muito importante para a franquia Zero como um todo, que preza por sua criatividade.
E antes de terminar de falar sobre gameplay, tenho que apresentar uma mecânica que nos jogos futuros será muito importante, chamada “Hit Priority”. Ela ainda não existe nesse primeiro jogo, mas algo muito similar está presente. Todo ataque do Zero é categorizado em “Light” ou “Strong”. Ataques leves não ativam os frames de invincibilidade de um chefe, enquanto os fortes sim. Só existem seis lights e eles são extremamente específicos.
O primeiro e segundo hit do sabre não ativam invincibilidade no chefe, e é por isso que eles combam entre si. O terceiro hit é um strong, então após ele mais nada pode ser usado e seu combo termina. O último frame do ataque giratório do sabre (Kuuenzan) também é um light, mas é difícil demais de acertar por ser apenas um frame. O Triple Rod não só tem seus dois primeiros hits sendo lights (similar ao sabre), como o mesmo pode ser dito sobre seu ataque carregado. É por isso que o charged da lança é tão bom mesmo não aparentando, ele pode acertar chefes durante toda a duração do golpe e você ainda pode atacá-los depois. A mecânica de Hit Priority brilha de verdade nos jogos após Zero 3 (além do 4, tem os dois ZX), mas vai ser implementada de maneira experimental no próximo jogo. Quando chegarmos lá, explico ela!
O sono de beleza de 100 anos
A direção de arte de Mega Man Zero como um todo é muito única, mas esse primeiro jogo faz um esforço especial na sua ambientação. As músicas, embora incríveis, não são tão pegajosas e memoráveis quanto os outros jogos ou a própria franquia X. São menos músicas legais de Mega Man, e mais usadas para te passar o sentimento necessário de cada missão. A maneira como as fases são feitas não é nada ortodoxo, então uma ambientação diferente para cada vez que você revisitar a mesma área é de extrema importância.
O visual da série Zero mantém o padrão de qualidade de Mega Man, e mesmo que nesse primeiro jogo os cenários sejam menos detalhados, tudo isso ajuda no sentimento que ele quer passar e na sua mensagem. O redesign de personagens clássicos também é muito interessante (X e Zero), mas nisso eu quero dedicar mais algumas palavras.
O Zero original foi pensado para, originalmente, ser a versão “completa” do X. Você deveria olhar pra esse cara em X1 e pensar que é isso que você pode se tornar, e ele é extremamente mais legal do que você. Essa imagem foi se alterando com o tempo quando X recebe autonomia, e não dá mais pra dizer que Zero é mais forte que ele. Ainda assim, o design dele se manteve até o último jogo da série X. O visual original tem algumas características importantes que definem como vemos o personagem, e reconhecemos que é ele.
· Roupas vermelhas e formato do capacete
· Cabelo dourado e longo
· Sabre verde
· SEMPRE parecer “legal”
Essas características foram majoritariamente mantidas no redesign da série Zero, mas para outro propósito. A armadura do Zero original era gigantesca e enfatiza poder. As roupas do novo Zero são um pouco maiores do que seu corpo, mas a invés de enfatizar força elas contrastam com o físico do personagem de uma maneira que faça ele parecer… menor. O cabelo longo também ajuda nessa ideia, porque mesmo que ele fosse excessivamente longo na série X, o personagem continuava sendo muito maior que ele. Ainda assim, esse Zero é extremamente legal, de outra maneira. É mais interessante que um personagem pequeno e que não aparente ser (fisicamente) forte seja tão “badass”, mas ele realmente passa uma ideia diferente do Zero original. O que eu quero dizer é que… eles não tinham o direito de fazer ele ser uma gostosa nesse nível. Essa parte vai ser meio horny vocês deveriam ir pro próximo capítulo.
Todas as partes do design você poderia argumentar que representam algo “masculino” mas não é isso que aconteceu. Você sabe disso. Esse Zero tá usando um cropped e não dá pra você olhar pra cintura dele e dizer que não é uma calcinha. Foda-se que é algo “romano”, os romanos também não eram muito héteros não. Zero não mostra sua pele, mas a maior parte do seu corpo é coberta por um tecido extremamente fino e justo, de um jeito que você consegue ver todos os detalhes do corpo dele por baixo. As botas e luvas serem grandes servem para passar o sentimento de que o corpo dele é menor e mais frágil, e isso ajuda bastante quando você vê ele destruindo todos os inimigos dele do jeito mais anime possível.
A cultura woke chegou em Mega Man!!!!! E eu não poderia estar mais feliz. Mesmo com essa mudança drástica de tom (que eu acredito ser proposital, confio na visão do Nakayama), esse Zero continua cumprindo seu papel como herói de anime legal. Mas do jeito dele. Eu realmente fico interessada em saber como certos demográficos se sentem sobre esse design, mas eu sei bem que não é só eu que tenho meus neurônios ativados quando olho pra barriga do Zero. De um ponto de vista mais drástico, a diferença entre os dois Zeros é que pro do X você quer dar e o de MMZ você quer foder em todas as posições. É isso. Peço perdão. O texto vai voltar ao normal agora.
Neo Arcadia
Depois de tudo isso, tem algo importante que eu preciso discutir. Quando eu pensei em escrever esse texto, tudo que eu pretendia era falar sobre as coisas que analisei até agora. Um artigo simples sobre Mega Man Zero como jogo, que iria me ajudar a falar sobre os títulos futuros. Os textos seguintes sobre a franquia provavelmente vão seguir esse pensamento, mas eu não posso simplesmente ignorar um assunto muito importante levantado pelo jogo.
Eu tentei fazer com que o resto do texto fosse apenas sobre o jogo e mantenha um clima descontraído, mas essa seção dele não foi só “jogada” aqui. Tem uma mensagem muito mais impactante nesse jogo, que não pode ser discutida na época que estamos sem o devido cuidado. Essa parte não é mesmo uma análise sobre um jogo de Mega Man, mas se você chegou até aqui, por favor peço que continue lendo. Escutem o que eu quero dizer, e tirem o que acharem certo disso.
A série Zero começa com um tema mais sério, o clima mais “pesado” não é meramente estético, embora seja levantado pela direção de arte. Eu já falei sobre isso, mas agora o foco é a escrita, por boas razões. Neo Arcadia está cometendo um genocídio de todos os reploids do planeta, e se você conhece ao menos um pouco sobre Mega Man, sabe que os robôs são praticamente seres humanos. Reploids e humanos viviam juntos por serem, basicamente, raças diferentes. Mas todos são membros da sociedade. A desculpa de Neo Arcadia para apagar um povo inteiro da Terra é que todos eles se tornaram “Mavericks”. Os Mavericks sempre foram inimigos desde a série X, e apresentados como vilões porque eles faziam o mau… o que, por vezes, é debatível (Repliforce em X4). Mas aqui, Reploids inocentes são categorizados como Mavericks apenas para justificar as ações da Neo Arcadia de um ponto de vista moral. Ninguém pode impedir que eles façam isso, mas não vão achar errado se eles mentirem e fizerem com que todos acreditem que o genocídio dos Reploids é algo “bom”.
Talvez você tenha ligado os pontos. Se não, o que acontece se você trocar a palavra “Maverick” por algo do nosso mundo… como “terrorista”? O ponto que eu estou tentando fazer não vai ser sutil, até porque não deveria ser polêmico. Eu estou falando de limpeza étnica, e não de um ponto de vista histórico, mas sim atual. Na Palestina, nesse exato momento, milhares de pessoas inocentes são assassinadas cruelmente pelo estado de Israel. Os membros do exército FDI cometem centenas de crimes de guerra e contra a humanidade por inteiro todos os dias, e ainda assim, eles podem continuar fazendo isso sem intervenção. As motivações deles são apoiadas por mentiras e manipulações, que felizmente não convencem a maioria das pessoas atualmente. Tudo que sai da boca do governo israelita é desmentido com fatos históricos, documentos oficiais, imagens reais, e ainda assim muita gente continua acreditando e a máquina de propaganda continua em efeito.
É importante fazer uma distinção clara entre o governo sionista de “Israel” e “judeus”. As ambições cruéis do estado de Israel não são motivo para qualquer assédio contra os judeus mundo afora, que em boa parte não concordam com as atitudes do governo. Um número absurdo de judeus, mesmo os que vivem em Israel, ativamente lutam contra o genocídio dos palestinos porque… é isso que qualquer ser humano deveria fazer. Isso não é debatível. Genocídio sempre vai ser uma cruel tragédia, que sempre é manipulada por intenções malignas.
Falar desse jeito faz parecer algo de uma série, de um desenho ou… de um jogo. Esse é o ponto. O uso de Mega Man Zero pra levantar essa questão foi em partes para atrair alguém a ler esse texto, e talvez entender melhor a situação em Gaza. Mas minha motivação principal é mostrar que todos nós sabemos que a limpeza étnica sendo realizada há anos em terras palestinas é diabólica. Inúmeras obras de ficção retratam esse tipo de situação, escrevem esses acontecimentos nos seus próprios universos de maneiras que você imaginaria serem meramente fantasiosas. Mas não são. Um simples jogo do Mega Man de 2002 pode descrever acontecimentos de 2023 com extrema precisão, porque sempre foram reais desde o início dos tempos e nós, como seres humanos, podemos distinguir que a morte de milhares ou até milhões de pessoas não é algo bom.
A limpeza étnica dos palestinos, às vezes usando genocídio como arma, acontece há décadas. Essa história é muito bem documentada e pode ser acompanhada há mais de 70 anos. O estado de Israel foi criado com ideais sionistas, dizendo que o lugar em que habitam os palestinos é de Israel por direito, histórico e “divino”. Mesmo que o estado diga que o que acontece atualmente é por conta de terroristas (Hamas, em teoria), o mundo sabe que não é verdade. O que Israel quer é a terra, e admitiu inúmeras vezes que para que isso ocorra os palestinos tem que sair, seja por serem removidos ou por serem mortos. Mesmo que a ideia de que judeus precisariam de um estado próprio pareça fazer sentido, todas as raízes dos ideais sionistas buscam a limpeza étnica, ou o massacre, dos palestinos. Os ideais sionistas não são compatíveis com a maioria dos judeus, que não só discordam deles como os confrontam.
Agora, nesse exato momento, uma média de 180 crianças são mortas por dia em Gaza. Crianças sempre serão inocentes, mas você conseguiria imaginar quantos adultos são mortos também? Mais de 4.200 crianças foram mortas nesse mês passado, e esse número é maior do que a morte de crianças palestinas assassinadas em Gaza e na Cisjordânia desde 1967. Somando as mortes de todos os conflitos em larga escala do ano passado, ainda não passam os números do genocídio que Israel está fazendo na faixa de Gaza.
Mas e os reféns Israelitas sendo mantidos pelo Hamas? Fora o fato de que negociações para que os reféns sejam liberados em troca do cessar-fogo terem sido rejeitadas por Netanyahu, você acha mesmo que é justificável ou “auto-defesa” que Israel assassine mais de 14.000 palestinos em apenas um mês? Somados com os 75 anos de limpeza étnica sendo executada na região, ainda parece certo? Um número absurdo de pessoas diz que o Hamas está se escondendo atrás de civis e que eles são os culpados, e mesmo que isso tenha sido provado como errado, você realmente acharia certo se alguém matasse 100 pessoas para chegar à apenas um indivíduo considerado seu inimigo? Eu tenho certeza que você não acha, dentro do seu coração, que a pessoa que puxa o gatilho não é o culpado.
+ Ataques como esse são comuns, esse é um artigo de 2021.
E, mesmo assim, Hamas não é o alvo. Israel lança seus ataques em escolas, hospitais, mesquitas, rotas de fuga (delineadas pela própria FDI) contamina água, a terra, cria doenças, destrói suprimentos, impede a conexão, mata jornalistas e ainda diz que isso tudo é por conta da guerra contra o Hamas. Lançar um míssil no meio do mar, logo após palestinos terem comemorado conseguir comida vinda de lá, não tem Hamas como um alvo. Se tudo fosse feito por conta dos reféns e de “7 de outubro”, não haveriam mais de cem mortes de israelitas em Gaza por conta das explosões do exército israelita.
+ Aqui temos uma notificação oficial da ONU sobre a morte de muitos dos seus membros terem sido mortos nos ataques israelitas.
Em diversos momentos Israel compartilha alguns “fatos” sobre o dia 7 de outubro, usado como justificativa para seu genocídio. Aparentemente tem vídeos sendo exibidos com imagens reais do que aconteceu naquele dia, mas todos que assistem estão legalmente impedidos de comentar sobre e revelar qualquer coisa. Não sabemos com precisão o que aconteceu naquele dia, mas sabemos que algumas das coisas que Israel diz são mentira, mesmo sobre esse dia. Enquanto Israel usa imagens de destruição e mortes que aconteceram no festival Supernova dizendo que “Hamas fez isso”, existem evidências que, na verdade, os danos das imagens foram realizados por helicópteros Apache… de Israel. Os corpos foram incinerados — você já viu uma metralhadora que pudesse fazer isso com alguém? Quem dirá com tantas pessoas em um evento como um festival de música.
É absurdo que alguém ainda consiga dizer que os palestinos começaram essa “guerra” em 7 de outubro, porque temos registros confirmados de assassinatos cometidos pelo exército israelita não só pouquíssimos dias antes do dia 7, como décadas atrás. O território israelita aumenta a cada ano pelo massacre sistemático dos palestinos, e boa parte disso é registrado na história. Não tem como apagar esses fatos.
+ Ano passado, a jornalista Shireen Abu Akleh foi morta à tiros por forças israelenses.
Mas o paralelo que criei entre a história de um simples jogo e a realidade tem problemas. O primeiro deles é que, em Mega Man Zero, Copy X realizou o genocídio de todos os reploids com um propósito que, embora não justifique suas ações, tem certo sentido. Neo Arcadia estava enfrentando escassez de energia, e não poderiam seguir vivendo daquele jeito. Então, eles tomaram o pior dos caminhos para resolver o problema, mas ao menos, tinha algo por trás. Não existe um motivo minimamente entendível para as ações do estado de Israel.
O segundo problema é que na vida real, não existe um herói lendário do passado que, sozinho, pode salvar todo o seu povo. No mundo real, a raça humana por inteiro precisa fazer esforços, e não podemos confiar em um salvador. Se os Estados Unidos levantassem a voz para parar o massacre, ele pararia. Eles tem controle sobre tudo isso. Mas nem sequer se mantiveram neutros — o país ativamente apoia Israel politica e monetariamente. Por quê? Porque os Estados Unidos sempre lucrou com o sofrimento de milhões de pessoas. Sempre foi assim, e agora, a limpeza étnica dos palestinos continua sendo interessante para o governo americano. O sangue de um povo inocente inteiro está nas mãos de cada país que se mantém neutro ou ativamente contra o cessar-fogo, mas os Estados Unidos é o catalizador de toda essa situação.
Ainda assim, os palestinos não vão desistir. Mesmo com as milhares de mortes, eles continuam com esperança. É só certo que continuemos lutando ao lado deles. Protestos, doações, e o compartilhamento das vozes palestinas em qualquer âmbito social que estejamos incluídos (principalmente redes sociais) faz uma diferença gritante. Nunca parem de pensar na Palestina, nunca percam sua humanidade. Nosso poder, juntos, é maior que qualquer herói de um jogo. São pessoas com sonhos, objetivos, amigos, família e amor que estão sendo mortas todos os dias, pessoas como eu e você. Eu sei que pode ser controverso trazer esse assunto em uma análise de um jogo, mas realmente acho que seja uma maneira de chegar a você. Não ignore o que está acontecendo no mundo, você faz uma diferença gigante. Mantenham os palestinos na sua mente e nas suas preces, não importa qual sua crença se sequer tiver uma.
+ O site Decolonize Palestine é a melhor maneira de se educar sobre o assunto. Muita informação de um jeito simples de entender, para qualquer pessoa que queira se educar sobre a história da Palestina.