ATENÇÃO: ESSA ANÁLISE PODE CONTER PIADAS DA SÉRIE MONKEY ISLAND
Há mais de 30 anos atrás, o programador e designer de jogos Ron Gilbert fez uma promessa aos jogadores de Adventures Point-And-Click, no fim da história de Monkey Island 2 — LeChuck’s Revenge, sequência do clássico The Secret of Monkey Island da Lucasfilms Games (Admita, é um ótimo nome de empresa), o protagonista da série, Guybrush Threepwood, faz descobertas absurdas sobre seu nêmesis, o pirata zumbi LeChuck.
Além disso, ele também esbarra em informações sobre o próprio mundo em que vive, que poderiam mudar o rumo da história completamente, pois faziam até o jogador passar a questionar a veracidade de todas as suas ações no jogo. Mas será que essas descobertas eram de fato verdadeiras? Ou mais uma armadilha elaborada de LeChuck? Esse mistério foi deixado em aberto nesse que é “o segundo maior cliffhanger que eu já vi!” Junto da promessa de que haveria uma continuação, o terceiro e último jogo dessa trilogia planejada por Gilbert que não só traria uma conclusão definitiva a obra, como também revelaria todos os segredos contidos nela. Mas com a saída de Ron Gilbert da Lucasfilms Games, esse tão ambicioso terceiro jogo teve de ser adiado um pouquinho… Durante três décadas outros três jogos da série Monkey Island foram lançados, mas sem a mente criativa que concebeu a ideia original do projeto e portanto não trouxeram uma resposta satisfatória para o que realmente aconteceu no final do segundo jogo. Foram anos em que tudo o que os fãs podiam fazer era especular as reais intenções do criador, mas essa era de especulação chegou ao fim, pois Ron Gilbert finalmente lançou a tão esperada conclusão para sua história, um retorno às origens e à própria ilha dos macacos! Uma sequência que revelaria todos os mistérios, mas que mais importante, revelaria qual é o verdadeiro segredo de Monkey Island.
Mas para entender o retorno à ilha dos macacos devemos antes entender sua origem humilde, no primeiro jogo da série “The Secret of Monkey Island”. Esse jogo conta a história de Guybrush Threepwood, um ninguém com o sonho de “Se tornar um pirata!”, que começa sua jornada indo para a Mêleé Island™, onde encontraria os líderes dos piratas que dariam a ele instruções para que concluísse seu sonho.
The Secret of Monkey Island pode não ter sido um tremendo sucesso de vendas, mas foi amplamente considerado um jogo muito bom e até sido considerado um clássico nos dias de hoje, tanto por um aspecto de game design visto que Gilbert criticava muito a direção tomada por outros jogos de aventura até então, quanto por sua imensa criatividade, seja em seu humor cínico e sarcástico ou pelas diferentes formas que as mecânicas do jogo são utilizadas de maneiras diferentes para conduzir a narrativa. Pessoalmente, é esse uso criativo dos recursos limitados do jogo que fazem ele brilhar. O melhor exemplo disso está no duelo de espadas.
Como você pode fazer um mini game de luta entre dois espadachins em um jogo Point-and-Click baseado em texto ser cativante e divertido? Ou melhor, como ao menos seria possível criar um mini game dentro desse gênero de jogo? Essa é uma pergunta difícil de responder, visto que no imaginário popular um duelo de espadas seria acima de tudo um confronto baseado em técnica e destreza, onde aquele que maneja a espada mais rápido e com maior precisão normalmente sai vitorioso, e a questão é que nenhuma dessas coisas pode ser facilmente aplicada em um jogo como Monkey Island. E é por esse motivo que uma medida totalmente diferente foi tomada para adaptar esse importante elemento da mitologia dos piratas. Ao invés de fazer do duelo de espadas uma luta de habilidade, fizeram dela uma luta de sagacidade! Para vencer um inimigo não basta você ser um bom espadachim, você também deve saber como abalar seu inimigo mentalmente, para que perca a compostura no duelo. E assim viria a ser criado o duelo de espadas baseado em insultos.
— “Ninguém nunca tirou sangue de mim e ninguém nunca vai.” — Insulto dito pelo inimigo.
— ”Você corre TÃO rápido assim?” — Retribuição adequada para abalar o inimigo.
A forma como o duelo é adaptado para obra não só recompensa o jogador por escolhas corretas, visto que cada insulto tem uma retribuição diferente, como também simula a curva de aprendizado do protagonista na arte de duelar, pois é necessário engajar em vários confrontos com piratas aleatórios, aprendendo insultos e retribuições para somente então testar suas habilidades em uma luta contra a Swordmaster, luta essa particularmente mais desafiadora, uma vez que ela tem sua própria coleção de insultos e você tem que adaptar suas retribuições para eles.
Mesmo sem estes maneirismos mecânicos, The Secret of Monkey Island ainda é um ótimo point-and-click, com puzzles inteligentes que trabalham em harmonia com a história simples do jogo. Os únicos defeitos dele são em aspectos técnicos, devido às limitações da época. Eles valem tanto para os gráficos quanto os sons do jogo, que o prejudicam em sua versão original mas foram endireitados conforme o lançamento de novas versões do jogo.
Um ano depois do lançamento do primeiro Monkey Island, surgiu Monkey Island 2 LeChuck ‘s Revenge. Acompanhando o progresso dos computadores da época, essa sequência é lançada com uma clara evolução em aspectos técnicos. O jogo agora tinha gráficos em 256 cores (contra as 16 do seu antecessor), mais músicas e sons, e uma história consideravelmente maior e mais ambiciosa. Também contava com um mapa maior com mais ilhas para visitar e revisitar em diversos momentos do jogo, o que ampliou o potencial e complexidade dos puzzles.
Embora a sequência se mostre melhor em todos os aspectos técnicos, o mesmo não se pode dizer sobre humor e game design inteligente. O jogo não chega a pecar em nenhum desses aspectos, eles apenas não marcaram tão positivamente quanto no primeiro jogo.
Humor é uma coisa muito pessoal, e é debatível se LeChuck’s Revenge é realmente pior que o Secret nesse aspecto. Ele ainda é recheado de momentos hilários e absurdos, mas também se sustenta muito mais em uma comédia infantil e até nojenta, o que não é o meu caminho de preferência ao se tratar de humor.
Já quanto ao game design inteligente, não existe nada de muito errado; os puzzles ainda são divertidos e bem pensados de forma a fazerem sentido para a narrativa, mas diferente do primeiro jogo, não existem muitos momentos onde as mecânicas são usadas de forma criativa ou interessante como no exemplo de duelos com insultos.
Quanto no ponto de vista da história, não tenho do que reclamar, ela é bem divertida e se distanciou da narrativa mais clichê do primeiro jogo, mas sem perder o espírito de uma história de piratas com elementos fantásticos. Creio que minha única crítica quanto a esse aspecto é seu final. Não chega a ser um final ruim de fato, afinal, ele serve muito bem para o seu propósito e é brilhante como cliffhanger. Mas se ignorar o propósito do final com esta finalidade, você nota que ele é só um final sem pé nem cabeça que não vem de lugar nenhum. Poucas coisas na história te diziam que o final podia ser assim e, mesmo criticando o final de LeChuck ‘s Revenge, eu tenho total noção do quanto ele se prendeu na mente das pessoas que esperaram por tanto tempo uma resposta para “O que diabos acabou de acontecer?”
E aqui estamos, um retorno para responder todas as perguntas, não só para explicar o que de fato aconteceu no fim do segundo jogo mas também para responder uma dúvida que já surgiu no primeiro jogo da série, na realidade, é a dúvida que dá nome ao jogo “O que é o segredo da ilha dos macacos?” (segredo esse que foi somente citado na backstory de LeChuck). Este retorno não é nada menos que o novo Return to Monkey Island, que consegue revitalizar a série sem perder nenhum pingo de carisma e espírito dos títulos anteriores.
Acredito que seja apropriado começar falando do último lançamento da série pelo seu elefante na sala, o novo estilo artístico, que já da época dos primeiros trailers estava sendo criticado por incontáveis usuários da internet. Mas assim, o que eu acho dessa mudança de estilo? Bem, sendo bem direto, eu acho perfeito!
A forma como os personagens são desenhados agora, eu interpreto como uma adaptação do estilo de pixel-art dos dois primeiros jogos para a mídia mais moderna, com maior resolução e diversidade de cores, adicionando alguns elementos mais cartunescos (como já era uma tendência no 2), mas sem transformar totalmente em um estilo de desenho animado como nos Monkey Islands 3, 4 e 5.
A se tratar dos visuais, não é somente a forma como os personagens são desenhados que é inspirada no estilo dos antigos. Um detalhe que eu acho que adiciona bastante ao jogo é o retorno dos close-ups na cara de personagens falando em momentos específicos. O que vem de novo em Return são os close-ups extras em que a câmera enquadra um objeto para dar o devido destaque a ele ao invés de acontecer só com humanos.
Toda a parte visual teve um trabalho excepcional por trás e tornou a experiência como um todo bem agradável, e o mesmo pode ser dito de todos os outros aspectos técnicos. Todo o sound design do jogo é maravilhoso, as músicas são bem encaixadas e trabalhadas para que funcionem de maneiras minuciosamente diferentes em pontos diferentes do cenário — uma sala calma ao lado de uma de música intensa normalmente tem um resquício abafado da música da outra sala, como se estivesse tocando do outro lado de uma parede, por exemplo.
Nota: Saiba que a programação do jogo está impecável. Em toda minha playthrough eu não consegui encontrar nenhum bug sequer.
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Várias mudanças do estilo de jogo dos Monkey Islands anteriores foram feitas para melhorar a experiência de usuário. As interfaces de menu e inventário agora podem ser facilmente acessadas com o mouse, e foi adicionado um livro de dicas que ajuda a direcionar sua dúvida para conseguir a dica que você está procurando, o que é ótimo quando você está resolvendo múltiplos puzzles ao mesmo tempo. Ainda me lembro de não conseguir dica nenhuma do sistema do segundo jogo procurando pelos múltiplos pedaços do tesouro do Big Whoop em puzzles diferentes. Mesmo assim, não é como se eu gostei de todas essas mudanças, pois me entristece que tenham que ter tirado o hud de nove opções que era presente nos point-and-click clássicos. Ele possibilita usos criativos por parte do desenvolvedor do jogo e interações diferentes com objetos e personagens, mas compreendo que ele foi retirado para deixar a interface mais limpa, o que torna Return o jogo mais simples de entender para novos usuários e dá mais espaço de tela para apresentar a arte.
Mas a parte de Return to Monkey Island que eu estava mais animado para descobrir é sua história, e meu deus… Ela é maior do que eu imaginava. Os primeiros dois jogos eram divididos em três partes, a clássica narrativa de três atos, enquanto o novo jogo é dividido em cinco (sem contar o prelúdio curtinho). Vou tentar dar uma ideia geral de cada parte individualmente sem dar nenhum spoiler grave.
Prelúdio — A história começa de onde o segundo jogo parou, e como esperado, o final de LeChuck ‘s Revenge foi finalmente explicado. E mesmo depois de 30 anos de teorias sendo feitas sobre esse final, a revelação do que realmente aconteceu foi definitivamente uma surpresa, uma surpresa inesperada, surpreendentemente simples e bem vinda.
É nesse pedaço do jogo que também é apresentado sobre o que é essa história. Nesse caso, é sobre nosso querido protagonista Guybrush finalmente descobrindo o segredo de Monkey Island™.
Parte 1 — Para aqueles que jogaram The Secret of Monkey Island, essa é uma seção nostálgica, pois é construída de maneira a ter a mesma atmosfera da primeira parte do 1, tanto em seu cenário quanto nas situações. Ela também começa em Mêleé Island™ com Guybrush indo de encontro aos Líderes Piratas, buscando auxílio para cumprir seus objetivos.
Muito mudou na ilha enquanto o protagonista e o jogador estavam fora, e é bem divertido se aventurar por ela para ver como suas mudanças e diferenças a afetaram depois de todo esse tempo.
Parte 2 — Se a primeira parte de Return to Monkey Island se assemelhava com a primeira parte de 1, então você provavelmente não vai se surpreender quando eu disser que a segunda parte por sua vez corresponde igualmente bem com sua respectiva parte do primeiro jogo, mas com um tom diferente. Ainda se trata da jornada de barco para Monkey Island™, mas em condições bem diferentes.
É nessa parte que somos introduzidos a “Murray, a Caveira Falante Demoníaca” , um personagem que apareceu inicialmente no 3, um dos elementos que mostra que os mesmo os jogos que não tiveram participação de Ron Gilbert continuam canônicos e de alguma forma relevantes para a história (vou voltar nesse assunto depois), o que foi inesperado para mim (me parece que eu ainda vou ter que jogar mais três jogos para entender toda a profundidade da lore de Monkey Island (suspiro)).
Parte 3 — Essa parte é relativamente curta e fácil, mas bem divertida e única. Curiosamente, se você já tiver conhecimento dos outros jogos e portanto já conhecer a música tema do LeChuck, você pode pular um dos puzzles dessa parte (eu sei que não parece, mas garanto que isso faz sentido no contexto adequado).
Parte 4 — Essa é de longe a maior e mais complexa parte, recheada de viagens entre ilhas e puzzles paralelos, isso com o fato de que seu objetivo nela é coletar múltiplas chaves (vou te falar, esse jogo gosta bastante de chaves), tudo torna a atmosfera algo muito semelhante à jornada para coletar os pedaços do mapa para o Big Whoop no 2.
Parte 5 — Essa é uma parte curta e que vai ficando razoavelmente mais difícil que as demais partes conforme se aproxima do final.
AVISO: O PRÓXIMO PARÁGRAFO (E **APENAS** O PRÓXIMO PARÁGRAFO) CONTÉM SPOILERS DE RETURN TO MONKEY ISLAND
Minhas principais críticas ao jogo se referem a essa última parte, mas para explicar meu ponto terei que dar alguns spoilers de seu final. Bem… eu não exatamente gostei do final. Não me refiro à revelação de que o Segredo da Ilha dos Macacos vai permanecer um segredo para sempre. Isso é um artifício narrativo perfeitamente justo no contexto, afinal, Guybrush nunca fala que essa era uma história sobre desvendar o segredo, mas sim sobre encontrá-lo, o que até o fim do jogo é feito. Não, eu me refiro à construção do fim, que por mais que carregado de puzzles complicados, dando um ar apropriado de late game, é uma conclusão para a história sem conflito algum. Guybrush sequer troca tapas com LeChuck como nos outros jogos, e ao invés disso o jogo pula de uma seção de puzzles para a grande revelação, que é… exatamente a mesma do segundo jogo? Guybrush novamente se encontra em um mundo de mentira, uma fantasia para escapar da realidade monótona (Ou pelo menos na história que ele está contando). Devo admitir que achei essa solução meio preguiçosa. Não chega a ser ruim, mas quebra a expectativa de algo totalmente novo para o final.
UFA, NÃO TEM MAIS NENHUM SPOILER ABAIXO.
Eu diria que Return to Monkey Island pessoalmente foi bem mais LeChuck’s Revenge do que Secret of Monkey Island. Senti um pouquinho de falta de mais duelos de espada e game design super criativo e inovador, o que na verdade em nenhum momento fez esse jogo deixar de ser uma experiência e tanto e uma óbvia recomendação para fãs do gênero, mas sinto que houve pressão por parte dos desenvolvedores para tornar toda a série de jogos ainda canônica (nem sei mais a ordem dos jogos nesse ponto) e isso prejudicou o final que tinha o potencial de ser a grande conclusão da arquinimisade de Guybrush e LeChuck em uma batalha memorável acabou sendo rebaixado para um final simples de apenas mais uma das histórias do protagonista para sua coleção de desventuras.
Mas mesmo tendo alguns pontos negativos, ainda vejo muito valor nessa obra, diria inclusive que merece certa atenção pelo quanto ela representa sobre o estado do mercado de jogos nos dias de hoje. O jogo pode ter superficialmente uma temática de chaves para abrir portas e baús (bem apropriado para um jogo de piratas), mas um olhar mais atento percebe que a real temática desse jogo é sobre os jovens tomando o controle do mundo e esquecendo do passado. Paralelos quanto a isso podem ser vistos várias vezes durante o jogo: os novos líderes piratas jovens e arrogantes acreditam em uma nova era da pirataria onde as antigas lendas foram esquecidas e Guybrush junto a LeChuck, por mais famosos que sejam, agora são tratados por muitos como história antiga. Visto como Monkey Island é uma série muito sincera que fala sobre seus criadores, isso não seria diferente do estado atual do desenvolvimento de jogos, onde desenvolvedores de point and click são tratados como história antiga enquanto batalham para criar jogos de um gênero praticamente morto, e ao mesmo tempo em que novos desenvolvedores de jogos concentrados nas grandes empresas têm muitas vezes escolhido o caminho mais fácil, buscando criar jogos mais rentáveis do que artísticos. “O mundo de egos inflados e altos riscos dos piratas está mudando. A magia maligna está tomando tudo. A magia vodu é divertida e tudo mais, mas não é o que a nova geração quer.” — Wally (RTMI, 2022)
Em resumo, Return to Monkey Island foi maravilhoso de se jogar, um retorno desafiador e engraçado às origens sem deixar de ser relevante para o mundo atual, e mesmo sendo o sexto jogo da série, os resumos das histórias dos demais jogos se encontram no Scrapbook do menu inicial, tornando esse jogo até mesmo uma porta de entrada para novos jogadores que ainda não experienciaram a série. Agora se me dão licença, pelo jeito ainda tenho três Monkey Islands para jogar, e terminar essa jornada me deixou com muita vontade de partir para a próxima… Monkey Island ainda tem muitos segredos que desejo desvendar.
Uma cópia gratuita de Return to Monkey Island para PC foi concedida pela Devolver Digital para análise no Recanto do Dragão.