Shotgun Cop Man — há beleza nas pequenas coisas | Análise

Shotgun Cop Man

O mundo atual pode ser opressivo. Pode esmagar seus sonhos. Te fazer sentir que você não é o suficiente. Que sempre precisa de mais: mais recursos, mais ideias, mais tempo… mais perfeição. E esse ciclo pode ser tão vicioso que regularmente nos esquecemos como, às vezes, o mínimo também pode ser esplêndido. Marcante. Viciante. Brutalmente delicioso. Como… como um prato quente e bem-servido de JUSTIÇA.

Shotgun Cop Man é um jogo bem simples. Lançado no dia 1º de maio e produzido pela DeadToast Entertainment (de My Friend Pedro), o título de hiperviolência consiste no tira casca-grossa de baixa complexidade geométrica — Shotgun Cop Man — atravessando os nove círculos do Inferno com um único objetivo em mente: executar um mandato de prisão contra o patriarca, o adversário supremo, o exímio disseminador da dor&desgraça&sofrimento, o persuasivo perpetrador da luxúria em seus graus mais imorais: SATANÁS.

Ah, e ele também é ex-namorado da esposa de Shotgun Cop Man. Mas eu tenho certeza de que as implicações disso não significam nada pra sua missão. Ele é um profissional, afinal de contas.

Por mais que não pareça, Shotgun Cop Man é um homem extremamente pragmático. Focado. Um tanque de guerra que, ao escolher um destino, não será parado por NINGUÉM até conquistar o que almeja. Ele VERÁ SATANÁS NA CADEIA, MESMO QUE ISSO CUSTE SUA VIDA.

E esse é o plot do jogo.

Pois é. Em uma época que menos é mais, que testemunhamos estúdios fechados aos montes como consequência das ambições insustentáveis de acionistas milionários, a Devolver Digital continua sendo uma das publishers imaculadas que, com proficiência, continuam selecionando pequenos desenvolvedores dotados das ideias mais mirabolanticamente brilhantes possíveis.

Acredite ou não, mas a gameplay consegue ser tão simples quanto a história. O gimmick de Shotgun Cop Man é que nosso protagonista é “tão preguiçoso que começou a se locomover atirando”. Pois é: as mecânicas de platforming de precisão funcionam através da física dos seus disparos, que te empurram na direção contrária de onde você atira. É como se você estivesse fazendo malabarismo com o protagonista enquanto evita ser cercado por dezenas de demônios tentando te fuzilar.

São sempre duas armas, uma primária (que pode ser substituída, mas você a perde se tomar dano) e uma secundária, que é sua fidedigna escopeta de curto-alcance com três balas. Uma te sustenta no ar por pouco tempo, e a outra te joga pra longe, sendo que você apenas as recarrega se tocar no chão.

Sobre as armas primárias, felizmente Shotgun Cop Man é praticamente o John Wick dos policiais; esse jogo tem um arsenal muito, mas MUITO grande. De pistolas a SMGs, disparadores de lasers, snipers, miniguns, até rifles que atiram em zigue-zague. Tudo que dispara projéteis e pode matar, nosso policial vai saber usar.

Ah, e não pense que a variedade acaba por aí não. À medida que avançamos nos círculos do Inferno, o jogo também faz questão de se reinventar constantemente pra manter o conceito de navegação-à-base-da-bala fresco: espinhos que expandem e retraem ao tomar dano, paredes que precisam ser explodidas com bombas temporizadas, lasers que precisam ser bloqueados com plataformas reativas à física dos disparos. Uma criatividade de conceito tão absurdamente simplista, mas tão gostoso de se jogar, que é comparável à jogar Mario e ver seu design “minimalista” se reinventando com novidades mecânicas e pequenas setpieces, mantendo a gente engajado por dezenas de fases e centenas de estrelas dispersas por aí.

Mas caso prender Satanás por si só não seria um motivador suficiente pra você, o jogo felizmente também conta com um sistema de troféus fácil de entender. Existem quatro missões para cada uma das fases: “Matar Todos” os demônios, “Speedrun” (concluir antes do tempo limite), concluir a fase “Sem Dano” e, por fim, pegar “Tudo Junto”, de uma só vez. Admito que, pra um gamer que nunca se comprometeu tanto com platinar nada (a mentalidade de ficar riscando check-lists infinitas não me apetece tanto), esses desafios são bem mais divertidos do que eu gostaria de admitir.

Também preciso ressaltar que o último update do jogo disponibilizou ao público um Editor de Fases vinculado à Workshop da Steam, dando um aceno maneiro pros aventureiros criativos que gostam de colocar a mão na massa. A argila satânica é sua, meus amigos. Façam dela as próximas paisagens que serão encharcadas por sangue e vísceras demoníacas, pois a JUSTIÇA. NUNCA. DESCANSA.

Uma breve divagação

Preciso fazer um rápido desabafo, antes de encerrarmos. Devo admitir que me deparar com títulos como esses, da Devolver, que não sentem a necessidade de entregar live services revolucionários ou centenas de milhares de horas de conteúdo forçado, tem sido uma experiência no mínimo purificante pra mim, que vivo numa fase de descrença com a grande indústria criativa dos games.

O livro “The Creative Gene” de Hideo Kojima (sim, vou citá-lo em mais um texto meu) abre seu capítulo inicial explicando um hábito que ele possui de sempre inserir livrarias diferentes em suas rotas voltando do trabalho para casa. Sempre percorrendo corredores e estantes de forma aleatória, maximizando sua exposição a novidades, por mais que o desconforto o faça se sentir cansado ou acuado nos momentos mais corridos da vida.

Sou grato por ter sido incentivado pelos meus colegas Lily, Avatics e Lani durante a gamescom latam a percorrer pela mais imensa bagunça de expositores, tanto brasileiros quanto internacionais. Ter a oportunidade de trombar acidentalmente com experiências como essa, Shotgun Cop Man, tem sido algo refrescante num mundo massacrado por algoritmos preditivos e volumes descomunais de conteúdos de baixa qualidade a serem forçadamente digeridos.

Meu conselho é que, se algo também lhe chama a atenção, não tenha medo de experimentar. Isso pode parecer trivial para a maioria das pessoas, mas SEMPRE existirá mais arte inspiradora pra ser experienciada nesse mundo, basta você ter coragem de desafiar sua zona de conforto e ir procurá-la. EU pelo menos posso afirmar que me diverti muito explodindo demônios ao som de batidas eletrônicas em Shotgun Cop Man, mesmo sempre rejeitando jogar títulos de platforming de precisão. Acabei quebrando a cara dessa vez! Foi uma experiência incrível, mesmo que bem simples e, muitas vezes, bem estúpida.

Satanás provocando Shotgun Cop Man

Uma cópia de Shotgun Cop Man foi concedida para PC pela Devolver Digital, destinada à esta análise do Recanto do Dragão!