Super Kiwi 64 é um jogo de plataforma 3D collectathon lançado em 2 de dezembro de 2022. Ele foi criado por Siactro, um desenvolvedor indie que vem fazendo ondas na cena por seus jogos curtos e extremamente polidos. Boa parte de sua notoriedade veio do sucesso de sua série Toree 3D, que é uma homenagem ao início da era 3D de Sonic (mas com gráficos estilo PS1 ao invés de Dreamcast ou Saturn) inicialmente feito como parte da game jam Haunted PS1 Demo Disc.
Por mais que essa jam foque em jogos de terror, Toree quebra um pouco a fórmula por ser majoritariamente focado em platforming e apenas abranger terror em segundo plano. Mas Toree não marcou o início dessa temática no trabalho de Siactro, pois essa honra se dá à sua outra franquia, Kiwi 64. Não to zoando, Super Kiwi 64 é o quarto jogo dela. Temos Kiwi 64, Macbat 64, Beeny e só daí o jogo que é o assunto de hoje.
Os jogos da série Kiwi foram alguns dos primeiros de Siactro, então jogar todos vai te dar uma boa ideia da sua evolução de habilidade e estilística. Kiwi está para Banjo Kazooie assim como Toree está para Sonic — só que em Kiwi a influência fica ainda mais clara.
O primeiro Kiwi 64 é basicamente uma versão expandida e resumida (ao mesmo tempo) do tutorial de Banjo, mas com uma gama de habilidades fortemente reduzida. Você sai por aí ajudando NPCs enquanto pega coletáveis até derrotar o rei malvado. É isso. Pá pum. 15 charmosos minutos de platforming simples feitos enquanto você controla um Kiwi, aquele passarinho fofo que não consegue voar. Ele só pode pular e dar um dash/bicada que te dá um embalo horizontal decente.
Logo após ele veio Macbat, do qual sou bem fã. Ele é uma sequência direta de Kiwi 64 e acompanha seu amigo morcego que quer achar seis chaves e meio que arrumar o mundo? Não lembro tão bem da premissa, mas é simples como de costume e dessa vez funciona como uma desculpa para você explorar múltiplas fases de maneira mais relaxada, já que o bixinho pode pular umas 10 vezes antes de ter que voltar ao chão. Novamente, divertido, simplificado e curtinho. As melhorias de fluidez na movimentação são tangíveis.
Bem recentemente também tivemos Beeny, lançado em setembro desse ano. Por incrível que pareça ele é uma prequel direta de Super Kiwi 64. Ele estabelece que Kiwi é uma avezinha muito bem conectada que pode contar com seus amigos sempre que precisar. Ele precisa de mel, e sua amiga Beeny consegue achar mel. Pronto, assim temos 10 fases de platforming 2D linear onde você sai rolando e pulando para escalar arvores e então achar colmeias. Curiosamente, esse é o único jogo 2D de Siactro, mas ainda assim segue sua filosofia de design. Já que é um título recente, seus controles e visuais são alguns dos melhores já vindos dele, e meu deus essa trilha sonora… Falo mais dela depois.
Depois de todos esses jogos, Super Kiwi 64 vem como a sequência com muito pra provar. Tanto o primeiro Kiwi 64 quanto Macbat surgiram no início da carreira do desenvolvedor, e por consequência se definiam mais por suas ideias que pela proficiência técnica da gameplay. Por mim já estaria tudo bem assim, mas ele foi além em Super Kiwi 64 para demonstrar o quanto evoluiu nesse meio tempo.
Basicamente, Kiwi conseguiu combustível o suficiente, graças a ajuda de Beeny, para embarcar em uma viagem em direção a uma ilha flutuante que surgiu do nada. Agora, ele vai explorá-la e pegar todas as joias dali porque… sim. Nem essa introduçãozinha que escrevi de agora vem de Super Kiwi, pois ele não tem uma “narrativa” definitiva contida em si. Tirei isso do Beeny, inclusive.
Tudo bem ele funcionar assim, mas se você estava esperando uma conclusão narrativa pros temas dos outros três jogos (que tinham um pouquinho), só vai receber de maneira vaga. Por mim, tá tudo certo. Achei interessante como os ambientes impressionantemente detalhados de Super Kiwi implicam parte do que aconteceu na ilha e seus diferentes ambientes sem usar nenhuma palavra.
A estrutura do jogo é, como de costume, simples e direta de entender: Você explora oito fases, cada uma com seis joias para se encontrar, para sair dali com o avião localizado no Hub, que exige 40 joias. Você pode fazer as fases em qualquer ordem, e não existe nenhum upgrade, loja ou outra mecânica além das joias. Tudo que você faz nas fases, desde pegar engrenagens (que funcionam como moedas) até dar bicadas em alvos, serve para achar joias.
Além disso, também temos mais jeitos de pegar joias, como passar por arcos flutuantes dourados (que lembram as Honeycombs do Banjo), entre outros desafios miscelâneos. Eles são o suficiente para carregar a gameplay nas costas, pois pedem tipos de interações diferentes à todo momento e não ficam tão estáticos quanto em alguns jogos. O seu objetivo final pode até ser pegar sempre seis joias na fase, mas é o “como” que importa. Mesmo que os desafios de bicada sejam um pouco secos demais.
Falando em bicada, Super Kiwi 64 expande a gama de movimentos normal que Kiwi tinha em seu primeiro jogo. Se lá ele só podia dar um dash, aqui ele também pode planar (com a ajuda de sua mochilinha, da mesma maneira que, sei lá, o Buzz Lightyear), prender seu bico em quase qualquer parede — sim, você pode combar bicadas — e fazer um boing. Tem um botão dedicado pra dar uma amassadinha no Kiwi e ver ele fazer boing.
Tô brincando; ao segurar esse botão você corre. Ainda assim dá pra fazer um boing se só clicar e soltar, e eu juro que passei boa parte do jogo sem saber que tinha como correr porque pensei que o RT (ou shift) era o botão dedicado de boing. Boing.
Essa nova camada de movimentação, unida à responsividade dos controles, torna Super Kiwi uma belezinha de se controlar. Não importa o quão simples sejam as fases, o que importa é que andar por elas já me trouxe felicidade.
Imagine que em Macbat você conseguia ir à qualquer lugar com seus 10 pulos. Isso é liberdade de movimento, mas ainda assim é desinteressante momento a momento. Você só pula sem parar até chegar onde precisa. Já em Super Kiwi você também pode ir para onde quiser, mas deve usar todas as suas habilidades em conjunto para conseguir. Pra mim, a beleza dos platformers 3D está em limitar parte dos movimentos do jogador pra ele então se adaptar e criar uma conexão com o personagem que controla. Tudo isso sem precisar de um pulo duplo. Viu, você não precisa de um pulo duplo pra dar liberdade de movimento pro jogador!
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O mais engraçado é que mencionei todas essas mecânicas ignorando o fato que Super Kiwi não é exatamente o platformer mais complexo do mundo. Muito pelo contrário, seu tempo com o jogo vai se resumir à uma jornada relaxante (só por vezes enervante). Imagina aquela filosofia da Nintendo de introduzir uma mecânica com calma em um ambiente seguro pra então complicar ela gradativamente, o que cria uma curva de dificuldade suave. Ok, agora imagine que Super Kiwi só vai até a introdução disso.
Você vai perceber de imediato ao jogar que toda hora que uma mecânica é introduzida, ela é descartada logo em seguida. Já que os jogos de Siactro querem criar um microcosmo da experiência de um platformer, isso ajuda o ritmo à acompanhar o tamanho diminuído. Isso não é uma crítica. Este é o plano desde seus primeiros jogos, e aqui é executado perfeitamente. Você tem tempo pra respirar à todo momento e só coletar o que precisa pra sair da ilha. Uma jornada relaxante, de pequena escala e imensamente divertida de controlar.
Mesmo que este desenvolvedor venha a fazer experiências de maior escala no futuro, fico feliz de saber que ele conseguiu popularizar um novo estilo de platformer 3D independente. Ele fala por si próprio, não clama por expansões ou conteúdo desnecessário, assim como Lunistice, Demon Turf: Neon Splash, Here Comes Niko!, Frogun e muitos outros que ainda estão por vir.
Por se desvencilhar de fortes laços mecânicos, Super Kiwi 64 busca compensar com seus mapas maravilhosamente ambientados e lotados de personalidade. Ele vai além de pegar referências visuais de Banjo Kazooie e Donkey Kong 64 e cria sua própria ideia visual, como visto na terceira e quarta fases. Um deserto impessoalmente naturalista contrastado com criaturas mecanizadas e uma grande estrutura industrial no centro, banhados ao pôr do Sol alaranjado. E isso é um jogo sobre um Kiwi bicando paredes e pegando joias.
Até quando você vê o tema inesperado de praias e navios piratas (também estranhamente industriais) nas últimas fases, a direção visual ainda faz sentido. Tudo clicou quando lembrei de uma linha de diálogo bestinha do começo de Macbat, onde o Kiwi diz ao seu amigo que queria ter uma fase de praia em sua sequência. O maldito conseguiu.
Pra ajudar na atmosfera também temos a trilha sonora composta por Kent Kercher, que é tudo que sonhei. É inspirada principalmente nas composições de Donkey Kong Country feitas por David Wise e, por mais que não seja tão única nesse quesito, isso realmente não importa. Aquatic Ambiance e Stickerbush Symphony, duas das mais populares músicas dos jogos (e coincidentemente minhas favoritas) são maravilhosas o suficiente para inspirar inúmeras outras faixas inspiradas nela sem que eu bote um pé atrás. Ajuda também que Kercher traz um ar mais acústico para o estilo, com flautas e tambores mais proeminentes no lugar dos sintetizadores das músicas que as inspiraram. Não só isso, pois os últimos dois mundos trazem estilos bem diferentes que destacam suas próprias emoções.
Eu não consigo parar de pensar nesse jogo. Se for o último Kiwi, ta tudo certo por mim. É uma série de jogos tão pequena em escopo e ao mesmo tempo tão agradável que não consigo deixar de amar. Super Kiwi 64 é o meu favorito da franquia, e curiosamente também funciona como um perfeito ponto de entrada para novatos, seja você alguém a fim de explorar apenas um ou diversos trabalhos de Siactro. Ele me traz paz. Uma hora e pouco de jogo que melhora meu dia, e sei que vai sempre estar lá quando eu precisar. Ele não tem medo de ser o que é, e isso já é mais do que o necessário.
Uma cópia gratuita de Super Kiwi 64 para a plataforma PC foi concedida por Siactro para análise no Recanto do Dragão.