E se você tivesse ido para outra faculdade?
E se você tivesse ficado em casa naquele dia?
E se você tivesse continuado ao lado daquela pessoa?
E se você tivesse completamente perdido na vida e entrasse numa missão absurdamente perigosa e incerta no meio de uma super crise do capitalismo e sofresse UM ACIDENTE onde SUA TRIPULAÇÃO INTEIRA MORRE, MENOS VOCÊ e, por isso, tivesse que fazer “CLONES” de SI MESMO enquanto observa todas as escolhas da sua vida ganharem um novo sentido?
Apresento-os: The Alters, mais um jogo de gerenciamento e sobrevivência da publisher & desenvolvedora polonesa 11 bit studios, também conhecida por outras obras, como This War of Mine, Frostpunk, e Frostpunk 2!



The Alters se passa em um planeta desconhecido logo após Jan Dolski, um homem comum, sofrer uma espécie de acidente durante uma missão extraplanetária. Seu objetivo era coletar uma substância chamada Rapidium para a empresa Ally Corp. Após o acontecimento, Jan percebe ser o único membro restante da tripulação, e agora terá de sobreviver e realizar a coleta da substância por si só (ou sem o “só”, né?). The Alters busca o equilíbrio entre a exploração de mundo, o gerenciamento de base e, mais importante, sua relação com os alters.
Afinal, o quão estranho seria conversar consigo mesmo? E pior, estar lutando por suas vidas enquanto mal se apresentou à você mesmo… Será que vamos nos entender? Ou existirão conflitos suficientes para ser insustentável frequentar o mesmo local?

Mas primeiro vamos focar em sobreviver, certo?
Em The Alters, o jogador deve manter Jan vivo enquanto estabiliza e melhora sua base. Essas condições vêm da separação entre o interior e o exterior da base:
No interior da base, inicialmente é necessário produzir alimento e filtros de radiação, que são consumidos diariamente; realizar pesquisas para fazer melhorias diversas no futuro; se comunicar com a Terra; manter os módulos (os “cômodos” móveis da base) funcionais; e interagir com, ou só observar, os alters.

Para que Jan possa continuar vivo, além de manter a base em ordem, ele deve explorar os arredores que compõem o exterior da base, descobrir mistérios do local, ou aproveitar a vista sob imensa pressão. No quesito prático, você pode minerar ferro, utilizado na construção de praticamente todas as coisas; minério, utilizado para módulos novos e alguns itens; matéria orgânica, para produção de alimento, itens e fazer sua base se movimentar; e claro, Rapidium, para cumprir sua missão e outras coisinhas a mais. Também é possível encontrar pequenos pertences que caíram da nave, itens pessoais que podem ser importantes para outros alters e pequenos filmes para assistir e dar uma aliviada no clima!

Mas calma, tudo isso acontece enquanto existem vários limites de tempo! Toda noite no planeta é extremamente danosa ao ser humano por conta da radiação excessiva. Você não pode explorar o tempo todo. A partir das oito horas da noite, você fica cansado e realiza ações com velocidade reduzida. Caso você durma depois das onze da noite, você acorda mais tarde no dia seguinte, perdendo horas de trabalho. E mais… O sol está se aproximando, todos morrerão caso você não mova a base a tempo…
A separação entre o interior e o exterior da nave pode até parecer bem demarcada mas, a todo momento, com o pressionar de um botão, consegue acesso a quase todas as informações necessárias para gerenciar o andamento das coisas com Jan de qualquer lugar. Precisa fazer um item? Comida? Quem sabe mudar a pesquisa atual? Ok! Tudo ali no mesmo lugar. Nessa tela, você possui diversas filas de produção onde pode mudar a ordem de prioridade, adicionar uma produção contínua do produto e………….. ATRIBUIR FUNÇÕES!!!!!!
Yep, isso aí.
Você nunca conseguiria passar por isso sozinho, não é mesmo?
Você é apenas um construtor e está em condições inimagináveis…
Você não teve escolha a não ser seguir ordens de um desconhecido da Terra e utilizar Rapidium para fazer “clones” de si.
E isso tudo pra botar eles pra trabalhar com você!! Ou pra você, Hahaha!

É assim que a 11 bit inicia uma nova obra, que grita sua autoria. Tanto Frostpunk quanto This War of Mine (principalmente) possuem várias semelhanças, como:
- A maneira que o jogador interage com o gerenciamento, seja na escolha de recursos ou na própria interface.
- A abordagem do estúdio com as emoções busca manter o jogador em constante estado de alerta e incerto de suas escolhas: quando a base finalmente parece estável, The Alters faz questão de trazer uma situação nova para te levar ao limite, seja a descoberta de um novo local, condições planetárias diversas ou o dever de produzir algum item específico rapidamente.
- Também, em especial, sua afeição por rejogabilidade. O estúdio está sempre implorando para que o jogador não largue suas obras (literalmente, eles escrevem isso em todo lugar). Além de seu estilo de gameplay, maneiras diferentes de gerenciar e escolhas que influenciam seu final (como é presenciado nas outras obras), existe a profundidade da sua conexão com seus alters! Você conhece coisas de cada um, vivencia suas histórias e entende suas problemáticas. O ponto é que existe um limite de 7 alters por run, então você nunca conseguirá conhecer todos os seus possíveis alters em apenas uma jogada.
Mesmo com semelhanças, The Alters não é idêntico aos outros jogos da 11 bit. Agora vemos exploração em terceira pessoa, interesse no gênero da ficção cientifica e umas cutscenes de alto orçamento. Mas o mais importante é a diferença nas relações interpessoais; ações têm mais impacto sentimental, demonstrando uma variedade de respostas de cada alter a partir das escolhas realizadas em jogo. Isso é enfatizado, pois todos os indivíduos são nada mais, nada menos do que uma versão de você mesmo; então é, realmente, “sobreviver nunca foi algo tão PESSOAL”.

Mas foi pessoal o suficiente?
A tarefa de criar tantas personalidades para uma mesma pessoa e explorar seus limites enquanto mantém uma base mecânica bem trabalhada de gerenciamento é um tanto quanto complexa. A busca pela harmonia entre esses conceitos no desenvolvimento nos trouxe algo lindo, porém um pouco mais raso do que se esperaria ocasionalmente.
Algumas pessoas dizem que existe beleza na simplicidade; nesse caso, o “simples” é o resultado da necessidade de foco em um tema específico abordado.
Para isso, então, VAMOS FALAR DO NOSSO JANZINHO!!!
Jan Dolski, o construtor, é um homem comum. Com isso, eu quero dizer que você com certeza já conheceu alguém que viveu coisas bem parecidas! Problemas familiares, entrar na faculdade, passar pela morte de um ente querido, conhecer alguém especial, encontrar um emprego que dá muito dinheiro, problemas no emprego… enloquecer e trazer apenas tristeza a todos à sua volta…

Ou seja, ele era okay até nosso sistema econômico destruir sua cabeça e se tornar um homem inconsistente; lembrando-o de uma pessoa que odiava de seu passado. Com isso, Jan perdeu tudo, mas agora ele entende o quão terrível ele foi.
Jan descobriu que a Ally Corp estava à procura de pessoas para achar o tal do Rapidium, que nesse momento seria uma descoberta decisiva para os direitos básicos da humanidade (só que ele não sabe os motivos). Como ele não tinha nada a perder, por que não se arriscar nessa, né? Pelo menos poderia ser útil em alguma coisa.
Sem saber que rumo seguir, o que você faria?



É assim que Jan foi aceito no cargo de construtor, viajou e… deu tudo errado; algo aconteceu, a nave caiu, blá-blá-blá, todos morrem menos Jan.
Como um indivíduo se sentiria estando SOZINHO numa missão ABSURDAMENTE PERIGOSA enquanto precisa descobrir em quem confiar, entre pessoas e CORPORAÇÕES — tudo apenas por LIGAÇÕES curtas que acontecem poucas vezes???
E… TODAS AS PESSOAS COM QUAIS VOCÊ ESTAVA NESSA MISSÃO ACABARAM DE MORRER!!!!!!!!……………..
Isso não é, tipo… uma pressão psicológica GIGANTESCA??? Ainda mais quando utilizam de toda essa bagagem como motivo para que Jan aceite ser “clonado” e possa sobreviver.
Esses tópicos, todavia, não são tão aprofundados. Jan Dolski construtor é um cara tão “de boa” que me assusta.

Depois de encontrar Rapidium e descobrir um pouco como funciona, novos Jans serão criados. O jogador agora possui acesso às ramificações virtuais da vida de Jan Dolski, podendo ler os pontos definitivos de sua personalidade em detalhes; sim, a Ally Corp sabe de tudo. Mas mais do que isso, você pode escolher algo diferente em alguns pontos da vida e é isso que trará vida ao alter de sua escolha.
Tudo o que os Jans viveram até certo momento é igual entre eles mas, a partir do ponto escolhido, você pode observar as consequências de uma, talvez até pequena, ação. 🦋
The Alters é O JOGO do overthinking.
Você tem TUDO à sua frente. Além de memórias e escolhas, você têm a personificação de todas suas POSSIBILIDADES. Não só pensar sobre como você vai ler detalhes, pontos importantes dentro desses pontos, E AINDA ver TUDO NA SUA FRENTE! INTERAGIR com o que você poderia ter sido! Sinceramente? Aterrorizante.



Deixando isso de lado por hora… Meu pensamento quando pude interagir com um dos meus alters pela primeira vez foi: “Meu deus, ele ta sendo criado só pra fazer as coisas que eu não to afim? Coitado”; sério, isso não dá uma sensação esquisita? Como você se sentiria botando outros “você” pra trabalhar assim?
Ai, e você fez eles PARA sobreviver né… Que belo dia para ser um alter, haha…ha…
Mas tudo bem, tudo bem… mesmo se você não sentir nada muito marcante com essas informações, The Alters vai trabalhar um pouco dessa consciência! Independente se sua gestão for perfeita ou não.

Levando em consideração tudo o que escrevi até agora, me diga… Você acha que alguém nessa situação toda vai se sentir bem?
É, Jan Dolski construtor é surpreendente. Ele não liga muito pros “e se” que The Alters vive jogando em nossas caras. Jan quer sobreviver, e quem sabe fazer uns amigos no meio do caminho (depende do jogador).
Seus diálogos não demonstram desespero, no máximo insatisfação; mas claro que parte disso acontecer é por que Jan é o jogador. O encarregado de sentir a pressão e agir como o desejado, dar sentimentos muito intensos para Jan é você! E isso pode interferir com a liberdade de escolhas cedida ao jogador.
Confesso ser um pouco engraçadinho que Jan não possa sentir ou expressar algumas coisas que The Alters claramente quer passar. Algum desenvolvedor é overthinker, mas o Jan não.

Tanto se fala sobre Jan aqui, Jan lá. Mas e os outros Jans? Eles não são importantes também? Buááá (…)
Sim! O que séria The Alters se não Os próprios Alters?
Jans existem para ajudar não só com tarefas mas também para trazer ensinamentos para nosso querido! Existem 10 Jans no total com suas devidas funções e personalidades distintas que te ajudarão no que for necessário e trazerão alguns desafios interessantes. Jans são definidos por seus cargos na nave: técnico, ciêntista, botânico, médico, etc. Apenas dois destes 10 Jans são obrigatórios para a conclusão de The Alters.
Jan técnico é seu primeiro alter, vindo da desistência de sair de casa para estudar. Jan técnico é um bom amigo, deixa claro suas fortes opiniões e sentimentos. Ele é uma ponte para que o jogador não se prenda tanto nas intricacias da sobrevivência e decida “viver” um pouquinho, aproveitar o momento que eles estão vivendo, apesar das terríveis circunstâncias.
Jan cientista, pelo contrário, incentiva o foco na missão; conseguir Rapidium e trabalhar o máximo possível para que dê certo. Este provavelmente será seu segundo alter.
Eu me questionei: por que o técnico tinha que vir primeiro? Por que podemos deixar a criação do ciêntista tão póstuma? Mas entendi que ter um ser brigando com você por não focar na jornada e no bem-estar dos indivíduos é muito lindo.
O humor dos alters importa muito. Para que eles trabalhem bastante e consigam sobreviver, os alters precisam se sentir minimamente bem nessa situação super esquisita!




Todos seus alters viveram algo com pessoas, rotinas, trabalhos, ideais e até mesmo um corpo diferente. A vida deles foi uma completa mentira nessa realidade e isso machuca. Um parceiro romântico, um familiar importante, uma carreira, descobertas… entre muitas outras coisas, podem não existir mais.

Jan Dolski construtor é Jan Dolski. Independente do que aconteça, ele fez o que fez. Ele não pode se tornar outra coisa, pois se ele se tornar alguma coisa faz parte de ser… quem ele é.

Seus “clones” não são você. Eles podem sim compartilhar uma criação e DNA, mas pequenas decisões nos levam a situações e um desenvolvimento distinto. Não se engane: seus alters são pessoas com sentimentos e vivências que já não são mais suas.
The Alters mergulha nesses fatores. Discordâncias, inseguranças, julgamentos, tudo vêm a tona! Comemorações e amizade também. A vida de Jan é a coisa mais falada dentro dessa nave, eles querem ser entendidos e te entender. E provavelmente Jan construtor (você), também.


No fim, The Alters é mais sobre aceitação do que qualquer coisa. A construção de companheirismo e empatia consigo mesmo. Se entender e ganhar “habilidades” novas com base na compreensão de outros “você”.


Este Jan sabe como é ser feliz de um jeito que você não sabe. Este Jan sabe confiar em outros como você não sabe. Este Jan sabe se impor como você não sabe. Você sempre pode aprender com seus erros e acertos, mas sem pensar muito sobre seu passado, não pensar tanto sobre o “e se” como um erro. Aceitar quem você é e que suas escolhas fazem parte disso.
Mas ah! Que hipocrisia! Como devemos rejogar com o intuito de conhecer outros alters (outros “e se”) se não é pra pensar tanto sobre “o que eu poderia ter sido”???
The Alters é “só” mais um ponto da vida em que se criam ramificações. Suas escolhas mais difíceis te levam a futuros incertos. Consequências de sua liderança e confiança são importantes e podem mudar o rumo de todos na Terra. Mesmo assim, a 11 bit quer que o jogador não tenha medo de errar, que faça escolhas e aprenda com o que vier. Eles buscaram harmonia mecânica e narrativa para que esta mensagem chegue até a vida real.




Pensamentos desenfreados provavelmente não são uma boa ideia. Viver com base no passado e nas possibilidades irreais que nunca aconteceram nos arremessa direto ao fundo do poço.
É cansativo e, à longo prazo, não traz nada além de desespero. Mas eles ainda querem que você pense um pouco mais, e que continue jogando.
É divertido! ^^

Uma cópia gratuita de The Alters foi concedida pela 11 bit studios para análise no Recanto do Dragão.