Jogos licenciados são uma bagunça, especialmente de filmes infantis. É óbvio que existem jogos bons desse tipo, mas a imagem de uma marca famosa como um filme da Disney é o suficiente para vender o jogo em massa e arrecadar muito dinheiro para a empresa que o publicou assim como para a dona da marca. Alguns bons exemplos de jogos licenciados são os muitos jogos do Mickey, Toy Story 2, Senhor dos Anéis ou Aladdin. Mas O Estranho Mundo de Jack é um caso peculiar.
Acontece que essa franquia recebeu um total de três jogos. O primeiro é para PS2, o segundo para GBA (o que vamos falar sobre hoje) e o terceiro é de navegador, um pequeno minigame de somar pontinhos que sinceramente mal vale ser mencionado. O diferencial desses primeiros dois jogos é que não são só bons, mas também criativos e muito originais. Os exemplos que eu citei são bons também mas extremamente diretos, e não tem nada errado com isso. Mickey, Toy Story e Aladdin receberam jogos de plataforma, que é o que você normalmente pensaria em um jogo de um filme infantil. A maioria são de plataforma. Mas para Nightmare Before Christmas, os dois únicos jogos que o filme recebeu são… um hack’n slash, e um metroidvania. O hack’n slash foi feito, inclusive, pela Capcom, dona de Devil May Cry, enquanto o metroidvania lançou no GBA acompanhado do hype dos três Castlevanias lançados para o console.
Só por isso dá para saber que os desenvolvedores não foram preguiçosos (não que os outros sejam), e também não se prenderam à uma ideia mais simples. Vendo Nightmare Before Christmas eu duvido que hack’n slash ou metroidvania seriam os gêneros que viriam na sua cabeça ao mencionar um jogo do filme, mas, de alguma forma, foram as decisões perfeitas. É difícil explicar em poucas palavras o porquê dessa escolha ser tão boa e funcionar perfeitamente, por isso escrevi esse texto e logo, haverá outro para o hack’n slash também.
O Estranho Mundo de Jack, ou The Nightmare Before Christmas (ou NBC, que é o que vou utilizar mais) é uma franquia sobre halloween, e também natal, com a menção de possíveis outros feriados importantes como a Páscoa ou Ação de Graças. O foco do filme são monstros com uma estética muito unicamente criativa e designs bem pensados, característicos e inesquecíveis para cada um dos personagens. Esse filme é um marco na história das animações, e o universo criado por ele, embora simples, não possui um limite ou espécie de teto para suas criações. Isso significa que quase qualquer coisa pode ser feita com a franquia, mas especialmente esses dois gêneros mencionados são perfeitos.
Uma base muito importante de Devil May Cry, franquia que inspirou Oogie’s Revenge, é o estilo. O quão “legal” é se expressar no jogo. NBC é provavelmente um dos filmes mais estilosos já lançados pela Disney, e ser legal sempre foi algo muito importante para o mesmo tanto para crianças quanto adolescentes e adultos. A estética gótica aliada de uma atmosfera comicamente aterrorizante criou Oogie’s Revenge. Os Rankings de Combo de Devil May Cry se traduziram muito bem para coisas como “Spine Tingling!”, com um narrador falando de fundo. Jack também é o protagonista perfeito para qualquer jogo, em geral, e cada componente da cidade tem uma grande importância mecânica ou na história de Oogie’s Revenge. A Capcom sabia o que estava fazendo, e mesmo as cards de missões com seus nomes, fotos e atmosfera de dar calafrios estão no jogo, assim como a dificuldade elevada e possibilidade de elevá-la ainda mais.
Já The Pumpkin King, que estamos analisando hoje (o metroidvania), se inspira em maior parte nos locais da Cidade do Halloween, e dos diferentes conceitos apresentados no filme. O ingrediente “Bafo de Sapo” usado para uma sopa na animação se tornou a arma principal do Jack, a “Frog Gun” que atira um bafo verde tóxico. O design torto característico da cidade se tornou os diversos labirintos de plataforma comumente vistos no gênero, acompanhado de suas muitas áreas como o Cemitério ou o Laboratório do Doutor Finkelstein. A clara referência à Castlevania em diversos aspectos do jogo também é muito interessante. Desde o design dos mapas até a exploração ou a outline azul dos sprites (vista em Harmony of Dissonance) vem diretamente dos Castlevanias de GBA e funcionam perfeitamente em um filme que também é inspirado em histórias de terror, assim como Castlevania. Agora que esclarecemos como Nightmare Before Christmas é o melhor filme já lançado na história do cinema, vamos falar sobre Tim Burton’s The Nightmare Before Christmas — The Pumpkin King.
Para começar, a história se passa antes do filme, logo após a coroação de Jack Skellington, a criação de Sally e antes de Jack conhecer o Bicho Papão. Então: sem natal, mas os personagens carismáticos de Halloween Town estão presentes. Pelo decorrer do jogo, seu inimigo é um exército de insetos gigantes (“Bugs”, que não significa só inseto em inglês mas é o que melhor traduz) e você derrota eles com armas e itens que Jack ganha na aventura. Jack é muito atlético e ágil, então a parte de plataforma já é facilmente resolvida, no entanto, ele não luta no filme. Por isso, tem 4 armas essenciais que recebe no jogo.
Frog Gun é uma arma de curto alcance que atira um bafo tóxico para frente ou para cima (só se estiver no chão usando ela). Bat Boomerang é um projétil de muito longo alcance, bastante rápido também, que acaba por causar muito menos dano que o Bafo de Sapo então não é tão utilizada (exceto no final do jogo). As Bombas de Abóbora são uma arma muito poderosa contra chefes e necessárias para a exploração e resolução de puzzles nas diferentes áreas dessa aventura de Jack. Por último, Jack ganha uma pimenta especial das bruxas, que o permite se transformar no Pumpkin King, a sua forma de fogo que aparece no início do filme. Com ela, você pode executar airdashes e queimar coisas, mas dura pouco tempo e não permite movimentação além do dash.
Além das armas, você também ganha outros “upgrades” que ajudam na exploração, mas infelizmente nada muda a movimentação base do esqueleto. Você ganha coisas como blocos de fantasma que criam um pequeno fantasminha que pode te levar a lugares altos, ou gosmas que fazem Jack virar um slime e poder passar por lugares pequenos. Ele também tem a habilidade de escalar certas paredes, que é até bem divertida de usar na última área do jogo, mas só funciona em um tipo de parede específico. Dessa forma, todas essas habilidades são completamente momentâneas e não fazem muito mais do que uma chave um pouco mais divertida de acessar, porque vários envolvem puzzles ou outros desafios interessantes em seu uso.
O meu maior problema é a falta de criatividade, de certa forma. Embora seja muito interessante ao menos os fantasminhas no seu uso, todo o resto deixa a desejar pra caramba. As habilidades do Jack são todas as coisas mais básicas possíveis. Três das suas armas são atirar algo, enquanto uma é uma transformação que até que é uma ideia interessante. E não vejo problema com repetir o que já foi feito em outros jogos, o problema é que eles nem pegaram as coisas interessantes. Um backdash, um DASH, um double jump, glide, alguma coisa assim, Jack não tem nada. Ele pode pular, correr, se abaixar e segurar em ledges, mas só isso até o final da aventura.
Não me entendam mal, Pumpkin King é bem divertido, mas seria muito mais se eles também dessem um pouco de drip para o protagonista. Eles fazem bom uso de mecânicas e gimmicks das fases, mas nada que parta do seu próprio moveset como Castlevania faz. Em Aria of Sorrow, além dos clássicos backdash e double jump, você também ganha a habilidade de andar em cima da água, ou o divekick que se tornou icônico na franquia. Além de poder usar Souls azuis para planar, criar escudos, ou invocar um familiar. Mesmo o primeiro que saiu para o GBA, Circle of the Moon, já tinha a habilidade de correr, um shoulder bash, o double jump de sempre e uma alta customização dos seus ataques.
Talvez a falta de habilidades mais interessantes não fizesse diferença se fosse fácil navegar para áreas já exploradas, mas esse jogo cria um imenso labirinto que você precisa percorrer todas as vezes para chegar em qualquer lugar. Não tem teleportes e como não existem habilidades de movimentação, não há maneiras de pular partes anteriores com seus novos poderes como em qualquer metroidvania. Se você voltou para uma parte antiga, vai ter que rejogar exatamente como a primeira vez para chegar nos lugares que você quer, o que dificulta bastante a parte metroidvania. Não me entendam mal, a exploração é ótima, mas a locomoção deixa muito, muito a desejar.
No entanto a primeira vez que você passa por cada lugar costuma ser muito, muito divertida. O design desse jogo em diversas coisas usa bem da parte de plataforma de um jogo de seu gênero. Com level design mais vertical, pular é a sua maior arma. Os desafios, únicos para cada área, são além de muito interessantes extremamente divertidos. Algumas ideias são muito criativas, enquanto outras são apenas boas interpretações de algo que já foi feito antes. Embora esse jogo tenha sido feito com carinho, ele não revolucionou a indústria dos jogos ou algo assim, então muito do que ele usa vem de outros jogos de plataforma.
Os desafios podem ser lasers, espadas giratórias, se esconder de um inimigo (literalmente stealth), espinhos ou plataformas que você precisa congelar para poder pisar em cima. Também tem blocos que só podem ser quebrados por bombas ou por fogo. Lanternas para acender, catapultas para desviar, névoas venenosas para enfrentar, paredes para escalar; cada gimmick diferente caracteriza as áreas do jogo, além de serem muito bem utilizadas por constituírem uma parte muito grande das fases. O único problema é o já mencionado, passar de novo por esses lugares.
O platforming é dado especialmente pelo uso inteligente dos mesmos conceitos básicos do início ao fim da aventura. Você pode pular mais alto se correr antes e também se segurar em qualquer borda, e dessas bordas pode dar outro pulo para outro lado. O momentum carregado da sua velocidade, assim como o bom uso da mecânica de se agarrar, dão o nome de Platformer para o jogo. Muitas vezes, os desafios vão pedir velocidade e precisão no uso dessas mecânicas, algo que é bastante estimulante já que são sempre as mesmas desde que você abriu o jogo pela primeira vez. Embora eu gostasse de ganhar habilidades novas, aplaudo The Pumpkin King pela maneira que emprega a movimentação que Jack já tem.
A exploração também é um bom ponto para esse título, que não poupou esforços para ser divertida. Algo muito importante que foi dado a Pumpkin King que faltou em um dos Castlevanias de GBA foi um mapa facilmente compreensível que indique os lugares que você não explorou completamente. Se existe uma barragem que precisa ser revisitada mais tarde, pode apostar que tem uma sala depois. Isso significa que no seu mapa estará registrado a sala que você não explorou, mesmo que a barragem esteja em uma área que já tem cor. Isso atrapalha muito em Harmony of Dissonance por exemplo, porque no mapa sempre vai mostrar que a área foi 100% explorada, quando em um canto dela tinha um item importante que você não podia coletar naquele momento. Reconhecer esse problema é algo muito inteligente ao meu ver e acredito que os desenvolvedores de fato jogaram metroidvanias com esse problema para saber como resolvê-lo facilmente, ou terem pensado nele no geral.
Essa exploração também sempre te dá coletáveis importantes. Você pode pegar todos os itens perdidos dos moradores da cidade como coletável principal, mas muito mais importante são as cabeças de zumbi espalhadas por todas as áreas. Existem dez no total, e cada uma é mais uma barra de vida para o esqueleto. Eu achei que o tanto de vida que você recebe era absurdo, mas acreditem, você precisa disso. Pumpkin King é um jogo bastante desafiador, e tomar dano ou muito alto ou diversas vezes seguidas vai esgotar sua barra de HP. Por isso, é essencial coletar as cabeças, que são uma recompensa muito justa pelo desafio de procurá-las.
A arte e música no entanto deixam a desejar. Quer dizer, o estilo artístico é bem interessante e por vezes até bonito, mas preza por uma espécie de “realismo” que não combina muito com o jogo. Quer dizer, os gráficos tentam passar uma ideia de 3D e de muita profundidade mas de uma maneira não muito bonita. Ao menos todos os sprites são desenhados em pixel art e não usam o estilo artístico dos antigos Donkey Kong Country, por exemplo. Sobre a música, eles de fato escolheram muitos samples interessantes da incrível trilha sonora do filme, mas em geral, são versões de baixa qualidade das músicas já conhecidas. São loops muito curtos e não muito bem trabalhados de Jack’s Lament, ou This is Halloween, Jack’s Obsession, entre outras músicas importantes presentes no filme, inclusive algumas instrumentais. As melodias apenas enjoam muito rápido, principalmente por ser um jogo com áreas bastante grandes (por isso são poucas em quantidade). Um pouco mais de trabalho nas músicas seria essencial para esse jogo, assim como Castlevania normalmente faz. Mesmo que Harmony não tenha tanta qualidade sonora ainda tem músicas incríveis.
The Pumpkin King é um jogo inacreditável, mesmo que não seja o melhor na execução de suas ideias. Muito disso impressiona por ser um jogo licenciado que tão fielmente adapta o universo sem se prender apenas ao filme. Os inimigos, por exemplo, são completamente originais. Os chefes ainda mais. Além de dar muita expressividade pro Jack, algo que é essencial para um jogo de Nightmare Before Christmas. Para todas as suas ações Jack possui uma movimentação muito fluida e bonita, por vezes bastante inspirada em poses que ele de fato faz no filme. Nas cutscenes, ele simplesmente não para de gesticular de uma maneira muito Jack Skellington, fazendo nosso protagonista bem carismático mesmo sem sua característica voz. Essa é uma aventura que vale a pena ser experienciada se você é fã do filme, mesmo que ela talvez te surpreenda ou talvez te incomode. Mas eu a respeito bastante e tenho certeza que vou defendê-la sempre que precisar. É um jogo razoavelmente grande lotado de conteúdo, então vale a pena uma visita. Boa noite, fiquem com os vampiros.