Após lançarem, em 2019, um crossover entre dois clássicos: Doraemon, reverenciado mangá infantil em lançamento desde 1969; e Story of Seasons, persistente franquia de jogos de fazenda que já sobreviveu até a troca de nome, a Brownies Inc. e a Bandai Namco (responsável pela publicação) voltam numa nova colaboração com o intuito de trazer suas visões para um fenômeno mais moderno. Towa and the Guardians of the Sacred Tree é um roguelite de ação com fortes inspirações em Hades, como já confirmado até em entrevista com desenvolvedores. Mas, em sua mescla de referências à diferentes gêneros e a mitologia japonesa, além da beleza da sua direção de arte, se torna uma experiência interessante para qualquer um que tenha afinidade com o gênero.
Tempo é a matéria que dispomos para definir o que seremos, seja daqui a dez anos, dez dias; dez “runs” do nosso roguelite favorito. Quanto mais distante, mais etéreo torna-se esse horizonte de possibilidades, onde estamos à mercê do inédito e do inesperado… menos no último caso, onde na décima tentativa já nos sentimos mais confortáveis e as novidades surgem em um ritmo manejável — mesmo que signifique um novo chefe que impede nosso progresso. Em Towa, não é diferente; porém, por tempo ser também matéria cerne de sua narrativa, há algumas ideias curiosas de como brincar com esse conceito.
Estreitamente ligada à história dos roguelikes e roguelites, a temporalidade é sempre uma questão colocada pelas mecânicas desses gêneros aos seus desenvolvedores. Ou seja, se haverá ou não uma relação de passado, presente e futuro entre as tentativas do jogador. Rogue Legacy, um clássico do gênero, expõe isso diretamente ao basear todo seu conceito ao redor da ideia de um legado de heróis que precisam cumprir uma missão. O novo jogo da Brownies Inc. faz algo parecido ao pegar emprestado a progressão narrativa por diálogos e cutscenes de jogos como Hades, mas enfatizando a passagem de tempo como elemento organizador de suas interações.

Logo no prólogo, conhecemos Towa, com sua aparência infantil, mas atarefada com a maior das responsabilidades: Shinju, a divindade que protege e dá nome à vila onde ocorre o jogo, criou a menina para ser a guardiã do vilarejo em um mundo que está sendo dominado pelas forças de uma divindade maligna, Magatsu. Seu dever, porém, não é solitário, porque que a guardiã, graças à Shinju, concedeu a imortalidade para oito guerreiros e guerreiras que a auxiliam em seu objetivo: as “crianças da prece” (tradução minha já que o jogo não está localizado em português brasileiro).
A partir disso, vamos para uma primeira expedição que funciona como tutorial do jogo para apresentar a mecânica de Tsurugi/Kagura do jogo (espada e cajado, em tradução literal). Nesta, controlamos Towa, que empunha uma espada e um outro personagem, de nossa escolha, que carrega o cajado. Posteriormente, há também a possibilidade de um dos oito personagens ser o Tsurugi. Cada um possui seu próprio conjunto de habilidades que determina o estilo de jogo, sendo importante pensar na sinergia entre as duas funções.
Ao final da pequena expedição, entretanto, ocorre um desastre dimensional que separa as crianças da prece de sua mestra e do resto da vila. Nessa nova configuração, enquanto estamos na vila, controlamos Towa mas, para o combate efetivo, escolhemos dois outros personagens já que a garota-entidade é propositalmente impedida de ajudar.

De início, a estrutura base de jogabilidade é facilmente reconhecida de Hades e outros roguelites. Nas “runs”, atravessamos as arenas onde derrotamos ondas de inimigos para coletar uma recompensa ao final, a qual pode ser mais ou menos escolhida caso na arena anterior tenha tido uma bifurcação; se não, temos algum upgrade que permite a sua rerolagem. Nesse caminho, enfrentamos chefes e mini-chefes que colocam à prova a viabilidade da build corrente, ainda mais se focamos em coletar recursos em detrimento de montar uma combinação de habilidades coerente.
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Na vila de Shinju, apesar do jogo ter suas próprias ideias espalhadas aqui e ali — com destaque ao sistema de forja de espadas — , a fórmula também funciona de forma muito familiar. É, principalmente, onde interagimos com os NPCs para progredir na história e compramos upgrades para facilitar as próximas tentativas. Mesmo que, após algumas horas de jogo, você perceba as peculiaridades da vila que a tornam um lugar mais interessante do que parece.
O que nos faz voltar ao assunto do tempo: de acordo com que progredimos com os guerreiros, em uma estrutura que parece mais um roguelite de diversas fases concisas do que uma extensa jornada única, somos recompensados com uma progressão de tempo em Shinju. Surgem conversas, acontecimentos, dilemas e até mesmo personagens inteiramente novos, principalmente na figura de crianças-aprendizes dos NPCs que nos auxiliam com forja, criação de itens, comércio, etc. Alguns flashbacks e até mesmo saltos de tempo nos permitem entender, em uma macroescala, as tradições e a história da vila como um todo com suas relações, disputas e afetos.

Esta é uma troca justa pelas inúmeras tentativas que serão necessárias nesse caminho e pela busca do aperfeiçoamento não só pela prática, mas também pelas possibilidades oferecidas em formatos de itens, upgrades e construções que podem ser erguidas.
No entanto, se no combate sentimos a satisfação de mecânicas prazerosas, essencial para a repetição, os outros conjuntos de mecânica parecem um tanto incompletos ou muito básicos para o que se propõem a ser. O exemplo mais claro disso é o sistema de forja, que surpreende à primeira vista pelas divisão detalhada em várias fases, mas que se resume em apertar botões semelhantes que não produzem nenhum tipo de conexão sensorial com a ações — pior que isso só as etapas onde não há nenhum input do jogador e parecem estar lá só para satisfazer a necessidade de “parecer fiel” ao processo real.

Um outro elemento enfatizado na divulgação do jogo foi o da experimentação por meio das combinações entre os diferentes personagens (além da possibilidade das diferentes interações de diálogo surgidas disso). Mas, em minha experiência, me agarrei à primeira personagem que me trouxe mais satisfação e pouco pensei em experimentar enquanto tivesse acesso a ela — aqui falando especificamente da função de Tsurugi, com certeza a mais importante da formação.
Enquanto jogava, foquei mais em melhorar aquilo que já conhecia do que tentar coisas novas, apenas com a exceção da escolha do Kagura, já que completar uma run neste jogo significa perder acesso ao personagem com o cajado, como ele se torna responsável por “ficar para trás” para realizar o rito de purificação. Uma mudança muito bem vinda, mas que pouco influenciava, porque as habilidades de cajado são customizáveis o suficiente para você só correr de volta para sua área de conforto. Esta falta de incentivo à uma experimentação mais profunda — algo que valorizo muito em jogos do tipo — e a sensação de mesmice mecânica me fazem acreditar que, apesar de ter depositado uma boa quantidade de horas, talvez não vá até o final.

Por isso, se há algo que faz Towa and the Guardians of The Sacred Tree valer a pena, é a oportunidade de conhecer a vila de Shinju em suas minúcias — principalmente devido à sua belíssima arte, seja dos cenários, seja dos designs de personagens e monstros — por meio da forma como a direção do jogo consegue utilizar suas brincadeiras com tempo (e espaço) para contar uma história — mesmo que batida — sobre o bem resistindo ao mal. É como se o processo de jogar Towa fosse o jogo tentando nos convencer de que há algo perene ali que merece ser protegido.
Uma cópia de Towa and the Guardians of the Sacred Tree para Nintendo Switch foi concedida pela Devolver Digital para análise no Recanto do Dragão.