Truly Humble Under Art — um ensaio sobre a crítica de arte

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“De certa forma, o trabalho de um crítico é fácil: nos arriscamos pouco e temos prazer em avaliar com superioridade os que nos submetem seu trabalho e reputação. Ganhamos fama em críticas negativas que são divertidas de escrever e ler, mas a dura realidade que nós, críticos, devemos encarar, é que, no quadro geral, a mais simples porcaria talvez seja mais significativa do que a nossa crítica. Mas há vezes em que um crítico arrisca de fato alguma coisa, como quando descobre e defende uma novidade. O mundo costuma ser hostil aos novos talentos, as novas criações. O novo precisa ser incentivado. Ontem à noite experimentei algo novo. Um prato extraordinário — de uma fonte inesperadamente singular. Dizer que tanto o prato, quanto quem o fez desafiam minha percepção sobre gastronomia, é extremamente superficial. Eles conseguiram abalar minha estrutura. No passado, eu não fazia segredo quanto ao meu desdém pelo famoso lema do chef Gusteau’s — “qualquer um pode cozinhar”. Mas eu percebo que só agora eu compreendo realmente o que ele queria dizer. Nem todos podem se tornar grandes artistas , mas um grande artista pode vir de qualquer lugar. É difícil imaginar origem mais humilde do que desse gênio que agora cozinha no restaurante Gusteau’s, que é, na opinião deste crítico, nada menos do que o melhor chef da França. Eu voltarei ao Gusteau’s em breve com muita fome!”

Esse é o monólogo final de Anton Ego em Ratatouille, um dos melhores filmes que já assisti. Eu gosto dessa fala há anos, e devo dizer que essa crítica fundou tudo que eu sei sobre meu trabalho atualmente. Nos anos mais recentes é comum encontrar críticos em todo lugar, todos nós acabamos desenvolvendo essa necessidade por expressar uma opinião, algo que todos podem fazer e compartilhar na internet. E, não me entendam mal, a opinião da maioria é muito importante para a arte, mesmo quando desrespeitosa; afinal, é por meio dela que enxergamos melhor o impacto que uma obra de arte tem no mundo.

Mas quando nós, críticos, nos submetemos ao nosso trabalho e ao pensamento, temos muito a refletir sobre nossa conduta. Nossa crítica tem valor porque é pelas visões de diferentes pessoas, principalmente as que analisam com cuidado seus próprios sentimentos sobre uma obra, que a arte pode evoluir. No entanto, tudo que podemos dizer, negativa ou positivamente, sobre qualquer obra é, por essência, quase que insignificante.

Não falo isso de uma maneira negativa, na verdade. Eu carrego esse pensamento há alguns anos, e é com base nisso que todos os meus artigos são escritos. A nossa crítica sobre arte realmente não vale nada quando comparada ao nosso alvo. A mais simples porcaria tem um valor absurdo pela sua própria existência. A expressão de um artista, independente de qual for, tem muito mais sentimento que nossos pensamentos sobre. Isso não deve ser encarado de uma maneira auto-depreciativa, e é exatamente esse pensamento que me faz apaixonada pelo meu trabalho.

A crítica de arte precisa ser feita com humildade, precisa ser feita com o devido respeito. Como críticos, não estamos acima de ninguém. Na verdade, somos exatamente como qualquer outra pessoa que experiencia arte, somos impactados por ela, mudados por ela. O nosso trabalho é, majoritariamente, fácil. Temos oportunidades para nos arriscar, mas a crítica a um jogo ou filme baseado na sua qualidade, por exemplo, é um trabalho extremamente fácil. A mais simples porcaria pode ser, realmente, mais significativa que a nossa crítica. E isso é lindo.

Mas, por que eu estaria escrevendo esse texto? Naturalmente, pelo mesmo motivo que eu escrevo qualquer outro. Eu vejo na Internet diversas discussões sobre arte que não fazem sentido. Coisas como o que pode ou não ser considerado arte, ou críticas que põem o crítico em um pedestal vendo uma obra de cima pra baixo. Nós estamos pouco a pouco perdendo o que é essencial pra criticar qualquer trabalho — humildade. Há algum tempo eu fiz um artigo sobre Little Witch Nobeta, um jogo que pode parecer fofo e inofensivo mas tem diversos temas abertamente pedófilos, com sexualização fetichista de menores tanto dentro e fora do jogo por parte dos seus criadores. Isso é repugnante, isso é absolutamente revoltante… mas Little Witch Nobeta é arte, independentemente.

Um jogo ofensivo, nojento e criminoso ainda pode ser considerado arte? Sim, pode. A arte não estabelece limites, a arte não é linear. A arte é uma expressão imortal de uma pessoa ou um grupo de pessoas, seja lá quem for. Por mais polêmico que seja dizer que algo como Nobeta é arte, isso é uma verdade que nós, como críticos, devemos entender. Little Witch Nobeta vale pelo menos dez vezes mais do que o artigo que escrevi sobre ele, onde deixei claro como a obra é repugnante. Até hoje eu concordo com minha conclusão, e sei que muitos de vocês também, afinal, é normal que achemos isso de um jogo como esse. Mas negar a existência dele como arte é de uma arrogância sem tamanho. Um crítico arrogante pouco faz pelo mundo artístico.

Eu amo meu trabalho de cabo à rabo porque posso, mesmo que sutilmente, ajudar o âmbito que mais aprecio. Posso, por meio da crítica, fazer com que a expressão artística prospere, mesmo que pouco. Tenho admiração absurda pela arte e é isso que impulsiona meu trabalho. Mas o que avança a expressão artística mais — a existência da arte ou quem comenta sobre ela? É uma resposta fácil.

Em Ratatouille Anton Ego julgava Gusteau como um homem tolo pelo seu lema: “Qualquer um pode cozinhar”. Podemos pensar que diversas pessoas não têm habilidade na cozinha e acabariam fazendo algo ruim que nem deveríamos pôr na boca. Mas, além do fato que alguém no mundo poderia gostar dessa gororoba nojenta, ela foi feita por alguém. Nem todo mundo é um bom cozinheiro, mas um bom cozinheiro pode ser qualquer um — como um rato. Um rato sujo que veio do meio do esgoto, ainda assim apaixonado pela arte de cozinhar. Um rato que não consegue sequer falar e ainda precisa de ajuda pra fazer diversas coisas na cozinha acaba por ser o melhor cozinheiro de Paris, segundo o maior crítico gastronômico da França.

Porque, por mais que Anton Ego estivesse certo quanto sua opinião gastronômica sobre qualquer restaurante que ele tenha passado, a crítica dele não tem o valor que a arte tem. Nós, como críticos, somos abençoados pela arte, vivemos pela arte porque devemos tudo à ela. Somos privilegiados por poder experienciar arte. Não somos melhores do que qualquer artista, e é reconhecendo isso que podemos, de fato, escrever uma ótima crítica que talvez mude o mundo da arte como conhecemos. Não somos deuses soberanos com opiniões de titânio, somos meramente pedintes comendo um ótimo prato feito por um rato, ou uma terrível refeição que um chefe profissional tenha feito. De um jeito ou de outro, nossa barriga está cheia. A arte é um milagre para o mundo, e nós só podemos reconhecer o real poder dela quando abandonamos nosso egocentrismo natural e humano de um crítico para sermos humildes e realmente amantes de arte. Obrigada pela atenção.

E aqui vai um pouco da minha arte para que vocês possam criticar: