Nos últimos meses eu tenho entrado de cabeça na história do cinema e principalmente da crítica, e em meio todo o meu estudo, eu me deparo com uma retorica aonde é dito que “o cinema não desenvolve apropriadamente a sua linguagem por causa de um avanço constante da tecnologia”. Claro, o cinema nasce em um mundo já industrializado e rapidamente se industrializa também.
Mas ai vem outra questão: O que é linguagem? Nesse caso estamos falando de linguagem audiovisual, mas é (de forma resumida) um preciso construto que permite que sentidos sensoriais remotos do espectador sejam engolfados por aquilo que os olhos e ouvidos captam e tragam para a realidade ao que se projeta na tela. Os videogames são próximos ao cinema justamente por serem uma mídia também audiovisual e acabam pegando emprestado pra si a linguagem, com um porém de que nos videogames você tem uma camada a mais: a interação.
Tendo isso em mente, até um tempo atrás eu acreditava que os videogames sofriam do mesmo mal em não conseguirem desenvolver uma linguagem por causa do avanço ainda mais acelerado da tecnologia (no caso, ainda é um questão a se discutir, já que isso vem em detrimento de novos movimentos artísticos, mas isso é outro assunto), mas para os videogames é o contrário, a tecnologia consegue sim avançar sua linguagem.
Primariamente se leva muito em consideração o avanço gráfico dos videogames como sendo o real (e as vezes o único) ponto de virada entre gerações, é um pensamento comumente visto na internet a fora. É como se não houvesse acontecido um avanço que justificasse uma nova geração de consoles, o que não é verdade, e Alan Wake II demonstra isso.
Após quatro anos de desenvolvimento, e 13 anos desde o primeiro jogo, podemos enfim voltar à distante e não tão pacata cidade de Bright Falls e — talvez — responder as perguntas deixadas pelo primeiro jogo e Control. O jogo conta com gráficos lindíssimos e músicas originais sensacionais, mas não é muito sobre essas coisas que eu quero falar por aqui. Alan Wake é conhecido por sua narrativa e o uso da metalinguagem em prol da história e (no primeiro jogo) compensar a repetitividade do combate — tudo certo até ai, Alan Wake II tem coisas semelhantes.
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Então qual peculiaridade possui Alan Wake II? A Sala do Escritor, esse é um ambiente aonde você pode trocar em tempo real da sua jogatina atual para esse local sem nenhum loading.
E como se isso já não fosse impressionante o bastante, nessa sala existe o Quadro do Enredo, aonde nas sessões de jogo do Alan você encontra cenas de crimes que são mutáveis. E é aqui que mora o meu fascínio com esse jogo.
Todo o ponto desse texto é principalmente pensar como Alan Wake II está aprimorando uma linguagem para os jogos da Remedy, mas também está movendo a indústria, o jogo é (em sua forma mais pura) um sonho realizado. Ver Alan Wake trabalhando todos os aspectos do audiovisual mas ainda levando em conta sua parte ludológica (inserida em um ambiente onde se mostra cada vez menos comum dentro da indústria AAA) é de se admirar.
Muito me chamou a atenção de como o uso dessa mecânica é também um ponto central dentro da narrativa, pois falando de novo, a tecnologia avançou e isso ajudou no trabalho de uma linguagem.
Alan Wake não é o primeiro jogo a usar o poder das tecnologias da nova geração pra fazer algo diferente mas, ao menos, é o primeiro que vejo fazendo com alguma substância. A imagem que se criou de jogos de grande orçamento dentro da minha cabeça é a de que eu já não estou apenas vendo convenções de game design sendo reproduzidas, mas as tendências de mercado e nisso tudo, Alan Wake II é um jogo muito pessoal.
Desde o primeiro jogo, quando Alan Wake toma pra si as convenções de um TPS da época e faz um combate simples e satisfatório, assim como agora que bebe bastante de Resident Evil mas ainda tem técnicas muito características da Remedy.
Eu uso a Sala do Escritor e o Quadro do Enredo como exemplo, mas todo esse jogo traz a mim uma esperança, que é a de ver jogos cada vez mais autorais dentro da lógica de produção de um AAA.