Visions of Mana — o último presente | Análise

Visions of Mana — o último presente Análise

Visions of Mana é um JRPG desenvolvido pela Ouka Studios e publicado pela Square Enix, lançado para PC, PS4, PS5 e Xbox Series S|X em 29 de agosto de 2024.

Em 29 de agosto de 2024, a desenvolvedora Ouka Studios foi fechada pela NetEase em vista de uma “mudança de estratégia para refletir condições de mercado” da empresa.

O mercado de jogos não deixa reféns

Visions of Mana ter sequer lançado é um pequeno milagre. A Ouka Studios já estava recebendo cortes em sua força de trabalho meses antes do lançamento do jogo, e agora apenas alguns empregados restam para polir o produto final após seus quatro anos de desenvolvimento.

A parceria entre o estúdio chinês e os cabeças da Square atual envolvidos com a franquia Mana ocorreu em conjunto da estratégia de gigantes empresas chinesas como NetEase e Tencent, que envolvia colaborar com desenvolvedores japoneses experientes em jogos mais ‘tradicionais’ de console.

Esta concept art faria parte de um dos outros projetos em desenvolvimento da Ouka Studios, antes de seu fim.

Diversos motivos levaram ao fim da Ouka Studios tão cedo em sua vida. Afinal, cortes de empregos e fechamentos de estúdios estão cada vez mais recorrentes ainda em 2024. O que mais torna este caso notável, todavia, é o dia em que isso ocorreu: na exata data de lançamento do primeiro jogo do estúdio, seu futuro foi cortado. Algumas pessoas chave do projeto não eram parte do estúdio, como Masaru Oyamada e Koichi Ishii (exportados da Square e GREZZO, respectivamente), mas um time inteiro brilhante, composto por desenvolvedores de múltiplas nacionalidades, foi atingido por realocamentos e demissões. Algo infelizmente comum, mas especialmente lamentável considerando o contexto em volta de Visions of Mana.

Esta notícia vem acompanhada de uma recente mudança na estratégia de mercado da Square Enix, que implica uma perca de ênfase no desenvolvimento de jogos descritos pela empresa como de “pequena a média escala” para focar em títulos AAA de franquias estabelecidas. Isso não significa que a Square vai completamente abandonar jogos AA como Visions of Mana, mas dá pra afirmar que veremos muito menos desse tipo de jogo nos próximos anos.

Enquanto durou, o período de lançamentos agressivos e constantes de jogos de menor escala da Square Enix foi maravilhoso, em minha opinião. Jogos como Valkyrie Elysium, Star Ocean: The Divine Force, Dungeon Encounters, até os múltiplos remakes virtuosos do catálogo antigo da empresa; todos oferecem jornadas semi-experimentais enquanto ainda esbanjam o enorme pedigree dos veteranos e novatos envolvidos. Até projetos AAA como Forspoken conseguiram alcançar um grau de autoria bem distinto! 

Dungeon Encounters
Dungeon Encounters (2021)

Mas alguns destes jogos foram mal recebidos criticamente, e a maioria não vendeu tão bem (talvez por serem lançados com quase nenhum espaço entre si). Assim, Visions of Mana marca um dos últimos títulos novos desta estratégia antes de Final Fantasy e Kingdom Hearts tomarem o palco principal novamente.

Em meio a tantos jogos, imagino que muitos designers da empresa tiveram seus horizontes expandidos ao botarem a mão na massa em tantos projetos e experimentarem com ideias novas — deve ser difícil ter ideias florescidas no âmbito AAA de outros jogos como Final Fantasy VII: Rebirth, onde mais de 3700 pessoas compartilham o espaço nos créditos. Salvo os diretores e produtores, o impacto de cada desenvolvedor fica muito dividido nestes jogos grandes. Acredito ser importante desenvolver novos talentos antes que os renomados diretores do passado se aposentem e deixem consigo um vão enorme. Isso vale em dobro no caso de JRPGs, que até hoje são muito concentrados nas mãos de autores veteranos.

Visions of Mana, por sua vez, abre espaço para uma passada do bastão, mesmo que um tanto saudosista. O produtor de Visions é Masaru Oyamada, que está encarregado de cuidar da franquia Mana desde 2006; ou seja, logo após o último título principal, Dawn of Mana, ser lançado no mesmo ano. 18 anos encarregado da franquia antes de produzir um título original para ela. É impossível não deixar sua paixão pela franquia transbordar após tanto tempo cuidando de remasters, remakes e spin-offs (mesmo que estes ainda sejam jogos valiosos!).

Dawn of Mana (2006)

Mas, de qualquer forma, a estrutura de Visions é bem mais baseada no remake de 2018 de Trials of Mana, que trouxe uma direção de combate que envisionava algo mais hack and slash para a franquia comparado à sua antiga ênfase na parte de ‘RPG’ no RPG de ação.

Trials é um remake bem fiel ao original de Super Nintendo dos anos 90. A escrita é apresentada de forma similar, e a exploração também… mas obviamente é um jogo bem diferente, principalmente pela câmera em terceira pessoa e a presença de cutscenes com dublagem em inglês e japonês. Ele acaba parecendo um videogame moderno moldado em volta do estilo noventista. O combate, exploração e visuais o fazem se encaixar firmemente na ideia que um jogador tem de um jogo novo em folha, mas nada tira da sua cabeça o quanto você está basicamente jogando um jogo velho, mas em terceira pessoa.

Acho este casamento algo lindo de se ver. O velho e o novo se unindo… mesmo que a dependência de marcadores de objetivo estrague a graça um pouco demais. Não dá nem pra desativar o marcador em Visions of Mana! Isso estragou muitas screenshots minhas…

Visions of Mana

Ok. Visions of Mana. Este jogo de 2024. Por incrível que pareça, mesmo em sua posição como um título completamente original com toda a liberdade criativa possível nos confins da franquia, ele ainda é basicamente um JRPG de Super Nintendo em 3D. É, mesmo que pareça um filme dolorosamente animado da Pixar.

Suas cidades, parte da exploração, roteiro e a estrutura como um todo ainda são todas truncadas da mesma forma que um jogo passado. Divisões entre áreas exploráveis, triggers de cutscenes no meio da cidade, diálogos curtinhos com NPCs lotados de flavor, dungeons focadas em combate, aquelas escadinhas que descem até o void… os maiores sinais de design contemporâneo estão na prática do combate, cutscenes polidíssimas e navegação simplificada mesmo.

Eu com certeza não esperava por isso. Visions of Mana é, sem dúvidas, uma homenagem. Na minha visão, RPGs costumam tirar proveito de uma certa falta de foco. O combate não precisa pedir ações perfeitas a cada momento do jogador como num Contra; a narrativa não precisa ser escrita com a prosa mais vaidosa possível como em Fallow; a exploração não precisa te entrelaçar entre mil caminhos como num Metroid; os visuais não precisam ter o polimento impecável de um Uncharted. O que conta é a junção de tudo  —  ajudar alguém em uma cidade, aproveitar uma vista, combater inimigos em uma dungeon, matar deus, se tornar deus  —  o mesmo peso é enfatizado para toda ação. Você controla o tempo que vai passar em cada uma das suas ações, e o mundo clica. Visions of Mana quer muito te impressionar com seus visuais e as sensações de seu combate enquanto ainda finca seu mastro nos mesmos lugares de seus antecessores.

Visions of Mana análise

Os cenários são de tirar o fôlego. Aqui não temos exatamente a maior quantia de polígonos ou tecnologias complexas de iluminação, mas sim uma direção de arte pitoresca que enfatiza a fantasia colorida consagrada em um dos títulos anteriores, Secret of Mana. As áreas são abertas e expansivas, mas ainda divididas — uma pequena jornada pelos personagens é implicada entre as transições de área, o que deixa cada uma delas existir despreocupada de ter que parecer com a anterior. Cada local é uma cena própria e completamente exagerada com cores vibrantes e planaltos impossíveis. A vila inicial de Tianeea imediatamente te entrega um exemplo disso com suas ondulações de campos que contracenam com o vulcão localizado diretamente atrás do local — algo que se torna mais impressionante ainda quando você pode ver o local enquanto ele entra em erupção, algo comum na região do elemental de fogo.

Desta pequena comunidade saem Val e Hinna, nosso casal de protagonistas. Visions of Mana conta a história de uma peregrinação religiosa que acontece de quatro em quatro anos até a Árvore da Mana, contando com oito pessoas, uma para cada elemento. Elas são nomeadas ‘Alms’ e devem sacrificar suas almas para garantir a prosperidade das terras dominadas pelo elemento que representam. Uma pessoa de Tianeea é sempre escolhida como um ‘Soul Guard’, que protegerá os sacrifícios de qualquer ameaça. O Soul Guard também é o chauffeur deles, então vai os buscar um por um no mundo afora.

Logo no começo do jogo, vemos o que acontece quando isso dá errado. Gudju, a cidade da terra, escolhe a ex-Soul Guard Lyza como Alm. Relutantemente, Lyza escolhe fugir com seu namorado Eoren com o intuito de evitar seu repentino dever sacrificial. A cidade inteira é destruída, seus habitantes se transformam em monstros, e Lyza é petrificada. Apenas Eoren sai com vida.

A partir deste momento, Visions of Mana coloca sua primeira carta na mesa: sim, Gudju foi completamente dizimada de forma cruel pela natureza… mas quando Val é nomeado Soul Guard de Tianeea e sua quase-namorada Hinna é nomeada Alm para ter sua alma sacrificada alguns minutos de gameplay depois, todos estão extremamente felizes! É um whiplash enorme descobrir que, na verdade, o ritual de sacrifício é visto com bons olhos pelos habitantes da cidade. Inclusive, é o caso em todo o mundo. Ser escolhido como Alm é um exímio orgulho para sua família e para sua terra. Você vai oferecer sua alma para a natureza, e então será eternizado no espírito de sua comunidade. Você não vai desaparecer definitivamente.

Essa visão é bem bonita e otimista, e é na dissonância entre o entusiasmo dos Alms e na visão do jogador do ritual que o jogo se diverte. Afinal, por que mais ele te mostraria uma cena de destruição completa antes de se aconchegar numa visão positiva do sacrifício? Ponderamos sobre a peregrinação em tempo real juntamente dos personagens, que eventualmente acabam encontrando um Eoren meio nômade que vai fomentando um sentimento revolucionário no grupo.

A estrela do começo da narrativa é o relacionamento entre Val e Hinna. Eles não cansam de flertar e se banhar dos sentimentos agridoces e idealizados de um relacionamento amoroso que está prestes a começar. Ambos sabem que gostam um do outro, ambos tentam dar os passos necessários para ficarem juntos o mais rápido possível. Eles andam juntos na montaria! O Val entra de penetra da janela de um palácio altamente guardado pra falar com a Hinna. Ai, ai, ai… o amor…

O resto do elenco ecoa o sentimento. Careena, Morley, Palamena e Julei (por que o nome de todas as garotas rimam?) formam sua party principal de Alms e podem ser trocados à vontade fora de cidades. Cada um tem sua própria história meio linda e meio deprimente; cada um está na posição perfeita para ser escolhido pela fada e os elementais como um sacrifício.

Visions of Mana análise

Careena é ignorada e mal vista por quase todo seu vilarejo conservador (e tem um sotaque caipira bem forte), apesar de seu talento na tradição de tintura ao vento do local. Morley se sente responsável pela destruição completa da vila da Lua pela quebra da ampulheta que controlava o tempo no local, e agora pode revitalizar Etaern ao ser nomeado Alm. Palamena é a rainha da maior cidade do mundo, e, mesmo com os problemas políticos de ter que deixar o reino na mão de seu irmão mais novo (uma criança!), ela vai ter a primeira chance de ver o mundo de forma desinibida após passar sua vida tendo que sair de fininho. Julei é um sproutling, um ser agênero milenar da floresta; Julei cuida de outros sproutlings dorminhocos na terra mais próxima da Árvore da Mana. Como é o único sproutling acordado, também se torna um Alm.

Hinna não é controlável como membro da sua party, mas ela ajuda no combate (assim como outro Alm mais pra frente) de forma indireta. Ela, de certa forma, ganhou a viagem de seus sonhos com a pessoa que ama. A dor do relacionamento dos dois fica aparente quando chegam à realização de que, em breve, terão que se separar.

As tragédias de Visions of Mana são muito românticas. Como a franquia tem uma propensão à representar a natureza de diversas formas, o sofrimento causado por aparentes futilidades está onipresente na jornada. Morley é completamente complexado por sentir que destruiu sua cidade. Mesmo que ele não tenha diretamente causado o feito, ele ainda carrega consigo o peso de nunca mais poder ver sua própria mãe. Mesmo assim, ele ainda é uma pessoa muito amorosa que se enturma com o grupo instantaneamente. O mesmo vale para a Careena que, mesmo isolada em sua vila, se encontra no grupo de Alms e em sua peregrinação.

O significado religioso da jornada dos Alms à Árvore da Mana não é algo de todo mal no mundo de Visions. Os habitantes daquele mundo, em geral, comemoram a data com festivais diferentes e falas bonitas. Todas aquelas pessoas nasceram e conviveram em um presente onde a peregrinação faz parte de suas vidas. Não conseguem nem imaginar um mundo sem sacrifícios.

É claro que Visions of Mana não deixaria isso barato. A expansão de horizontes experienciada pelos Alms e seu Soul Guard envolve visitas à finada cidade de Gudju, às ruínas de Etaern, à cidade comunista de Tsaata, e também quebras de realidade cósmicas que os impactarão profundamente. A clássica jornada de um JRPG, aqui representada com maestria necessária para deixar seus temas sempre no primeiro plano de sua mente enquanto faz qualquer outra coisa.

A escrita é simples. Os arcos de cada um dos nove capítulos principais são fechadinhos, mas ainda sinuosos; tal qual um bom JRPG. Além da jornada principal, você conhecerá um elenco grande de personagens com histórias voltadas à expandir a sua compreensão daquele mundo. Mesmo assim, é notória a consciência que Visions tem dos sentimentos que quer causar a cada momento. A partir da primeira aparição do ‘vilão’ da segunda metade do jogo, perguntas vieram à minha mente sobre suas motivações e a lógica de suas ações. Perguntas que, se eu estivesse no lugar de Val, faria na cara dura para aquele homem. Horas depois, os mesmos sentimentos são ecoados por Val na primeira oportunidade, juntamente de mais reflexões que perduravam por mim. Nossos pensamentos estavam conectados, mesmo que isso não tenha ficado claro em primeiro momento. Afinal, Val nunca havia falado aquelas coisas diretamente antes.

Visions of Mana ama deixar suas cartas ao seu alcance, mas sem mostrá-las de uma vez. É fácil ignorar boa parte das seções mais ambiciosas da história se olhada por uma perspectiva de roteiro tradicionalista, mas a narrativa coloca diversas ideias em jogo quando elas são olhadas em conjunto. Daquela mesma forma que mencionei antes: a falta de foco que cria a mágica de um RPG. Você não precisa separar a narrativa do resto da experiência, mesmo que não haja uma conexão explícita entre elas. Jogar um RPG é se entregar à gestalt de inúmeras ações aparentemente desconexas.

O mais cômico é que Visions of Mana, assim como seus antepassados, tenta ir muito longe no seu combate. Um dos diretores deste jogo (da Ouka inclusive!), Ryosuke Yoshida, trabalhou como designer em Devil May Cry 5 e Monster Hunter: Generations. Com esta experiência, Yoshida entrega uma perspectiva de combate ainda mais focada na ação do que o remake de Trials, que já era bem ativo.

Uma das intenções de Koichi Ishii para a franquia inicialmente era de desabar as paredes constituídas pelas constantes ‘trocas de cena’ de um RPG em turno. Uma experiência conectada e inatingida por pausas entre lutas era o que ele mais desejava ver em um RPG. O problema era balancear tais elementos. Por exemplo: Ys, ao seu ver, era muito mais próximo da ação constante tradicional. O intuito de Mana é manter a versatilidade vinda de um RPG com grinding impactante, magias com sistema de fraquezas, e uma jornada de grandiosa escala. Assim nasceu o combate bizarro de jogos como Secret of Mana, onde você deve esperar para carregar ataques mais fortes ao invés de lotar inimigos de porrada! Uma harmonização imperfeita entre ação e estratégia.

Visions foge disso… mesmo que apenas em partes. Você pode pausar a ação a qualquer momento para usar habilidades e itens em um dos notórios ring menus da franquia, e assim controlar sua party cautelosamente, de forma não tão diferente de um Final Fantasy VII Remake (ou Trials remake, claro) da vida. Mas aqui, o combate vai pra uma ala mais próxima de Ys com um toque de MMO. Combos aéreos podem ser prolongados com cancels, chefes possuem animações de ataques mais claras (pra não dependerem muito dos avisos avermelhados de perigo no chão), e seu timing é bem importante para conseguir tirar um pedação da barra de vida de um chefe. Além de tudo, as animações agora são tão chamativas e cintilantes quanto as de um jogo de ação mais dedicado como… bem, Devil May Cry.

Mas a estratégia não fica para trás não! O sistema de troca de classes em Trials of Mana remake era voltado para construir seus personagens com cautela: você tinha pontos específicos onde podia fazer um upgrade de classe; uma melhor que a outra, mas com diferenças de playstyle entre suas escolhas. Uma build constante. Em Visions, todos os cinco personagens jogáveis (apenas três podem estar ativos) podem trocar de classe em um piscar de olhos. Uma para cada elemento, mas com a restrição do jogador não poder utilizar duas classes do mesmo elemento. Isso tudo além da classe padrão! São nove classes por personagem e 45 no total.

Elas vem com o adendo bem-vindo de não serem versões “melhores” umas das outras; ou seja, podem ser utilizadas estrategicamente para tirar proveito de fraquezas inimigas de armas e elementos. É sempre bom também enfatizar uma certa sinergia entre as classes de seus personagens. Fiquei confortável com meu Val de Edelfrei, minha Careena de Moon Charterer, e minha Palamena de Grand Diviner (muito OP). E, como deixei minha party estática pela maior parte de minha jornada, tive que prestar bastante atenção nos aspectos de ação ao enfrentar um chefe resistente às minhas habilidades. Além disso, no lugar de melhorar as estatísticas de seus personagens, você pode colocar ‘ability seeds’ em diversos slots para cada um, o que te permite uma customização enorme de estilo de jogo. Sou fã da abordagem de ambos Trials Remake e Visions, mas entre eles ocorreu uma clara mudança de filosofia que conferiu uma identidade forte para Visions.

É um balanceamento muito bom… ainda que um pouco ‘jogo de ação’ demais. Dá até pra enganar um esnobe de character action a achar que esse jogo vai o agradar, mas não é bem assim. Assim como em muitos outros RPGs, o combate em campo é majoritariamente simples e de baixo risco. Você já sabe que vai destroçar seus inimigos, então o foco fica em ganhar os bônus de XP vindos de concluir lutas sob circunstâncias específicas, como terminar uma em menos de 10 segundos. Existem alguns inimigos mais difícieis que funcionam como minibosses, mas boa parte do combate é bem RPG! Isso com certeza não é um problema! Provavelmente até ajudou a vender umas cópias extras… mas ainda assim acredito ser útil deixar esta discrepância explícita. Visions of Mana ainda segue a filosofia de combate de Ishii.

Koichi Ishii, além de estabelecer a estrutura de Mana como esta série de jogos alternativa à Final Fantasy, também buscou a separar em espírito. Para ele, o conceito de mana é aquilo que unifica tudo. É o fio onipresente da vida. A Árvore da Mana é apenas uma das representações corpóreas de sua existência. É por isso, inclusive, que o sacrifício humano restaura o fluxo de mana em Visions.

Como todos os jogos da franquia Mana giram em torno desde conceito, eles naturalmente traçam uma conexão enorme entre tudo que interage com ela. Ambos heróis e vilões a utilizam e fazem parte dela. Assim, existe uma visão empática da paixão que fomenta as ações de todos presentes. A peregrinação que leva ao sacrifício de oito almas (muitas vezes bem jovens) ocorre por um motivo (o qual falarei sobre sem spoilers!), mas tudo tem um motivo. Até as ações que levam às consequências horríveis feitas pelos ‘vilões’ desta história colaboram para a instauração da paz. Não consigo ignorar como até as ações mais malvadas vieram a contribuir com o otimismo da obra. 

Visions of Mana se passa em uma era de relativa paz. Não existem grandes guerras e nem governos diretamente opressores (por mais que alguns sejam meio duvidosos). Inicialmente, é implicado que o mundo só consegue alcançar esta paz e entrar em harmonia com a natureza por meio da derramada de sangue dos oito Alms sacrificiais. O caminho aberto aqui é um de completa rejeição do sofrimento como necessário em prol da prosperidade, ou como algo que deve definir alguém; todos sofrem. O sofrimento não nos define. A humanidade é tão divina como a natureza.

A presente luta por um futuro melhor pode não ser um tema lá muito obscuro mas, considerando a posição de Visions como um adeus mais sorridente que nostálgico aos JRPGs dos anos 90, não poderia ser de outro jeito. Aqui, olhar para o passado é o pretexto para seguir ao futuro.

Para mim, Visions of Mana foi batizado com este nome por nos mostrar constantes vislumbres àquilo que nos une. Mana permeia nossos passos; os balanços das espadas, os abraços, os quase-beijos, os beijos, e até os pulos duplos. Visions of Mana é, simultaneamente, um presente da Ouka Studios, um presente à todos que já amaram um RPG, e um presente do crepúsculo de uma era. Talvez ele seja o último, talvez não. De qualquer forma, ele ainda trouxe consigo uma luz.

“Este sentimento provavelmente nunca vai desaparecer por completo… mas está tudo bem. Vou guardá-lo com carinho.”

Agradecimentos à Nuuvem, que nos disponibilizou o código de Visions of Mana para análise! Este texto não seria possível sem o apoio deles.