É o ano do Dragão. O Dragão simboliza mudança, grandes feitos e transformações. E, em uma calma noite de ’95, as ondas de Kamurocho mudam de direção em Yakuza Kiwami.
Enfrento agora certa dificuldade em achar as palavras necessárias para iniciar esse texto. Gostaria que fosse uma análise grandiosa e profissional, mas como já aconteceu algumas vezes, as coisas fluem melhor quando seguem seu próprio caminho. Eu sofri muito jogando Yakuza Kiwami, foi um jogo que me fez passar por muita raiva e por motivos ruins. Mas também me fez muito feliz à ponto de me fazer chorar com sua linda narrativa e me interessar por esse mundo semi-fictício.
Admito que já havia jogado uma boa parte de Yakuza 0 no passado, realmente gostei bastante dele. Kiwami, apesar de ser um remake do primeiro, é uma continuação de 0 — tanto narrativamente quanto em gameplay. Essa não é uma maneira muito boa de refazer o primeiro jogo da franquia, pois 0 lançou uns bons anos depois da experiência original de Yakuza ser concebida. A história, apesar de ser a mesma, conta com algumas alterações de clima, como a caracterização de certos personagens… mas, eu não ligo. Eu adorei toda a história do começo ao fim. Eu amo os personagens de Yakuza, tenho muito apreço pela novelinha que são essas situações, e Kazuma Kiryu é um protagonista que me faz sorrir com frequência. A ideia genial de fazer seu protagonista ser um pai de meia idade que é ex-Yakuza é muito foda. Na época, era mais comum que os protagonistas de jogos japoneses tivessem a mesma idade dos seus jogadores, e Yakuza seria bastante jogado por adolescentes. Ryo Hakuzi, de Shenmue, era um colegial. Makoto Yuki, de Persona 3, também estava na escola (um fator principal do jogo). Sonic sempre foi dito como um personagem adolescente ou jovem-adulto. Kiryu já é quase um quarentão, e os dez anos que ele passou na prisão fizeram dele um fucking pussy… quer dizer, um boomer.
Ele não sabe nada sobre qualquer coisa ligeiramente tecnológica, porque apesar de ter ido para a prisão jovem, ele meio que pulou dez anos da própria vida. O mesmo comenta o tempo todo durante o jogo como não acredita que já pode ser considerado um tiozão. Até de DILF chamaram ele! E, claro, ele atua como pai para uma menina órfã durante o enredo todo. E falando nessa menina, Haruka Sawamura também é uma personagem muito carismática e única. Uma criança bastante madura, corajosa e decidida. Ela nem sequer tem medo de agir por conta própria, ou andar pela perigosa (e assustadora) cidade de Kamurocho. Para uma menina indefesa do ensino fundamental, essa cidade é mortal, mas ela não liga, e conhece coisas sobre a cidade que você julgaria inadequadas para uma criança dessa idade.
Os dois possuem uma relação de família muito linda, ligada pela dor e pela perda. Haruka é tudo que restou para Kiryu, e o mesmo pode ser dito sobre a menina. Os dois possuem uma conexão, até por terem crescido no mesmo orfanato, e ela fica mais forte no decorrer dos jogos. Eu ainda espero que em algum momento ela chame Kiryu de “pai” ao invés dos outros títulos que ela usa, como “senhor”. Uma coisa que cabe mencionar agora é que eu odeio tocar nos NPCs que estão me seguindo, eles param a fala e nunca mais retornam e, mais ainda, a Haruka grita e diz “Iitai ooo…” que é tipo “Isso dói”. Me dá muita pena mas não posso fazer nada se a farmácia é tão pequena.
A escrita de Yakuza é em partes a um filme de ação e em partes um de drama, mas o drama acaba tomando conta com mais frequência. Quando fui falar sobre pra minha mãe, eu disse que era “tipo John Wick”. De fato, meio que é. Só que as reviravoltas na história e os personagens são únicos demais e, apesar de só um tico anime, muito humanos também. Meus favoritos, além de Kiryu e Haruka, são Nishikiyama como a versão corrompida de Kiryu, e Date-san, um straight up homie. Impossível não gostar do Date-san, e como todo bom policial, ele sai da polícia pra fazer o certo. Olha a crítica aí!!!!
Akira Nishikiyama é um personagem que já foi destrinchado por diversas pessoas, mas é realmente bem impressionante. É um vilão que foi corrompido pelas dificuldades que enfrentou, e os meios que encontrou de lidar com elas… fugindo. Kiryu e Nishiki são irmãos, e os dois possuíam as mesmas oportunidades. A diferença é que Kiryu enfrenta as adversidades da vida de frente, e Nishiki encontra uma maneira de contorná-las. Por isso, Kazuma não só é mais respeitado, como mais forte que Akira. Nishiki é humilhado diversas vezes pelos outros, e sempre comparado com Kiryu. Em 95, Nishiki tomou uma decisão impulsiva de atirar no patriarca da família Dojima, no qual ambos Nishiki e Kiryu residiam, com o intuito de salvar sua amiga de assédio. Ele estava certo nisso, mas não na decisão seguinte.
Por conta da sua irmã doente no hospital, pronta para fazer a sua última cirurgia, Kiryu leva a culpa desse crime por Akira. Assim, Nishikiyama traiu seu amigo, e depois do choque daquela situação, Yumi perdeu a memória e, pouco tempo depois, sumiu. Nishiki recebeu sua própria família na Yakuza, com membros fortes que não o respeitam, e só veem sua ascenção ao poder como muitos anos de mamar bola dos superiores. No hospital, sua irmã precisa de um transplante de coração que custará milhões de ienes (pois um coração clandestino será necessário) e, para isso, Nishiki se ajoelha e implora para um dos seus subornidados adquirir o dinheiro — sem ligar para os métodos. Isso dá a ele problemas com seu superior, a família Kazama, que deu a ele tudo que o jovem tem. E, depois, Nishikiyama descobre que esse dinheiro que seu subordinado conseguiu veio direto do médico que cuidava da sua irmã, e que agora ele fugiu sem deixar vestígio. Não possuindo mais tempo, a irmã de Nishiki morre. Nishikiyama perdeu tudo — respeito, Kiryu, sua única irmã, sua amiga Yumi, e está fadado a caminhar por uma rota de fracasso na Yakuza. Sua única forma de seguir em frente é com uma faca, findando a própria vida. É assim que o subordinado entra no quarto, e Nishiki o esfaqueia até a morte, contando para ele um segredinho: “eu matei Dojima”. Com o sangue do assassinato que acaba de cometer, Nishiki arruma seu cabelo para trás, não escondendo seu rosto, e jura que chegará ao topo… um cadáver de cada vez.
Apesar das suas ações diabólicas durante a história, fica difícil não gostar dele. Nishiki não é tão diferente de Kiryu; os dois perderam tudo, mas uma simples atitude e visão diferente sobre cada situação fizeram de Kiryu um herói e de Nishikiyama um vilão. A história possui outros personagens legais, como a Reina, o Florista ou, claro, Goro Majima, mas gostaria de seguir em frente para outros tópicos.
Vocês sabem como funciona Yakuza? Yakuza, ou Like A Dragon, ou Ryu Ga Gotoku, são jogos “mundo-aberto” de pequeno escopo. Enquanto GTA pode ter uma cidade ou mais, Yakuza só possui um bairro com diversas ruas. Normalmente, esse bairro é Kamurocho, inspirado no bairro real Japonês “Kabukicho”. A gameplay é dividida em três partes:
A primeira que gostaria de evidenciar é o open world, particularmente as partes mais pacíficas e sem ação dele. Isso engloba os diferentes restaurantes, lojas e, principalmente, as Substories. Muita gente em Kamurocho precisa de ajuda, ou quer te enganar. Seja qual for o motivo, Kiryu terá a chance de conhecer diversos rostos carismáticos ou não tanto, pelos mais diversos motivos. Seja cair em um golpe da pedra mágica da sorte, ou resolver problemas familiares alheios, ou correr atrás de ladrões ou até mesmo acompanhar um amigo para ver sua namorada se exibindo em um strip-tease… até ser alvejado por uma metralhadora e descobrir que ex-membros do clã Dojima buscam vingança contra Kiryu. O Dragão de Dojima enfrenta todo tipo de encrenca engraçada, e quase todas essas histórias são apenas diversão sem sentido. Elas costumam terminar com uma fala motivacional do Kiryu como coach e um riff de guitarra temático.
A segunda parte são os minigames, bastante conhecidos pelos gamers como a parte mais atrativa da franquia pós-Yakuza 3. Apesar da temática séria da história principal, lotada de traições, perdas e diálogos maduros, Kiryu sempre acha tempo pra cantar no karaokê, jogar um boliche, montar carrinhos de autorama ou, até mesmo, jogar um Pokemon TCG de mulheres inseto, usando biquíni e movimentos de luta livre. É bem divertido como Kiryu ainda tem um lado bem infantil, se divertindo até demais com os carrinhos e reagindo como se um ente querido tivesse morrido quando perde. Os minigames são muito bem trabalhados — nesse dos carrinhos você realmente pode encontrar peças para seus carros em todo lugar e montá-los. O problema é que esse minigame envolve duas coisas de jogos que eu amo, e são as piores partes dele — montar Gummi Ships em Kingdom Hearts, e correr com Chocobos em Final Fantasy VII.
A terceira parte, e talvez a mais importante, são as lutas. Durante o mundo principal, o bairro Kamurocho, Kiryu vai ser parado por diversos inimigos. Bêbados, Yakuza, criminosos, todo tipo de gente. Ele também pode ajudar pessoas na rua, lutar no coliseu e até as substories costumam terminar em briga. É claro, a história principal de Yakuza também gira em torno de brigar. Kiryu resolve quase tudo nos punhos! Ou na cadeirada.
Digamos que… eu não gosto do combate de Yakuza Kiwami. Não gosto mesmo. Ele tem uma coisa ou outra divertida, como certas habilidades que eu gosto muito, mas em geral, eu considero o design por trás das batalhas muito pobre. Lutas gigantes e repetitivas, com uso de mecânicas irritantes e mal implementadas que não estavam no jogo original. Mas sinceramente, eu não ligo muito. Você pode quebrar as lutas do jogo, mesmo nas dificuldades mais difíceis, com itens e algumas skills específicas. Tiger Drop é a mais famosa por ser um parry que dá danos obscenos e lança inimigos pra longe, mas eu tava correndo contra o tempo e não cheguei a conseguir essa. Tem que treinar muito com o Komaki pra isso, e pra treinar com ele, você precisa jogar no coliseu… e pra alguém que não gosta do combate, o coliseu é cruel. O que eu de fato usei foram as habilidades de re-guard, que permitem que você defenda em momentos que não poderia, como logo após levar um dano. O counter do estilo Brawler me ajudou muito também!
O combate de Yakuza é bem simples. Você possui duas barras, vida e Heat. Heat sobe atacando e, com as habilidades certas, de outras formas diversas também — como defender e desviar. Ele cai quando você toma dano e despenca quando Kiryu cai no chão; e eu odeio cair no chão porque você precisa mashar B pra levantar. Y é seu ataque básico, chamado de Rush Combo, e X é um “Finishing Blow”. Similar a… Castlevania Curse of Darkness. X termina seu combo, mas com um ataque diferente toda vez. Cada golpe pode ser usado de maneiras diferentes, e eu especialmente amo Y > Y > Y > X do Brawler porque você pode linkar em A com a habilidade certa e derrubar qualquer inimigo, gastando um pouquinho de Heat. Como mencionei o A, saibam que ele faz throws, e B desvia. R é lock on, e assim como em Devil May Cry, permite que Kiryu faça certos inputs de frente e trás para atacar. L defende, e isso é muito mais importante do que você pensa.
Existem quatro estilos em Yakuza Kiwami, todos vindo do 0 só que sem a parte de te explicar eles que o 0 tem. Brawler é um estilo balanceado, focado em golpes medianamente rápidos, defesa boa e boa força. Bom tanto para muitos inimigos, quanto para poucos. Rush é um estilo focado em um só oponente, com socos bem rápidos e desvios mais ainda. Apesar disso, não tem o Counter do Brawler, não possui Throws e antes de defender normalmente, Kiryu executa um desvio de boxe… que é bem melhor do que aparenta. Beast é ridículo, possui alguns usos legais mas pelo que me falaram, era bem melhor no 0. Parece que inimigos ligam uma chave quando veem Kiryu em Beast e não param mais de atacar, porque SABEM que você é lento. Beast é um estilo que não te deixa correr, só andar lentamente, e seus golpes são bem lentos. Possuem bastante armor e causam bom dano, mas nada que compense muito. É um estilo bom com objetos do cenário, e pode agarrar coisas pesadas como motocicletas. Também é um bom estilo para usar Throws! Beast tem diversos usos legais, mas é o único que não pode ser seu principal. Suas fraquezas são bem mais altas que forças!
Por último, o estilo Dragon. Esse é especial, porque é o melhor estilo do jogo… depois de certo tempo. Três dos estilos são evoluídos com XP, e eu coloquei tudo de todos eles no máximo. Dragon, no entanto, precisa ser aprendido pouco a pouco lutando com Majima ou treinando com Komaki. Essa é a mecânica Majima Everywhere.
Goro Majima é um amigo/rival de Kiryu, que ele conhece de outros carnavais. Os dois tem uma relação bem conturbada, porque Majima é insano e pirado da cabeça, chegando a tomar ações absurdas demais apenas para lutar com Kiryu. Apesar disso, os dois possuem respeito mútuo, e diversas insinuações homossexuais. Tenta censurar a palavra “fight” nos diálogos dele e ver como o sentido muda completamente…
Dito isso, a mecânica é bastante controversa. Eu acho que ela tem muitos problemas, mas não é irritante como todo mundo fala. Eu acho os random encounters, o pessoal que para você do nada, muito piores e eles até interagem mal com essa mecânica do Majima. Kiryu tem trauma desse cara, e adquiriu um sensor que apita sempre que ele tá por perto. Quando você escuta “Kiryu-chan” ou fica com medo ou quer encontrar seu namorado. Eu sempre vou atrás dele, até porque quero aprender golpes novos, e por vezes perco a chance de encontrá-lo porque algum idiota me parou pra brigar, despawnando meu amante. Ainda assim, você não só aprende novas skills mecanicamente, como desenvolve seus conhecimentos sobre o combate do jogo e tanto suas falhas como maneiras de contorná-las. As lutas finais do jogo foram muito fáceis pra mim, porque eu simplesmente imaginava que todos os chefes eram o Majima, e isso me tranquilizava. Ninguém ali é tão forte quanto ele, porque brigar com ele me ensinou naturalmente todos os truques desse jogo. Meus golpes mais fortes, a maneira certa de defender e desviar, a paciência, todas são coisas que aprendi enfrentando Majima nos piores momentos possíveis. Você de fato cresce com ele, com os dois personagens ficando mais poderosos com o tempo e isso também reflete na mentalidade do jogador.
Apesar disso, eu não gosto do combate. Por quê? Bem, não ligo mesmo a ponto de explicar. Eu odeio os Kiwamis, diversas questões sobre controles, os chefes, as mecânicas de armor e bloqueio, throws, quick-time events… mas eu amo Yakuza Kiwami, pra caramba. Então, honestamente, não vale a pena bater nesse aspecto. O que vai ficar na minha memória são as coisas boas, e é isso que quero expressar nesse texto.
Yakuza Kiwami foi um jogo lindo, mágico. Gostaria de ter tido mais tempo com ele, jogado com mais calma, talvez até tido minha experiência com o original de PS2 antes, mas fico feliz que pude acompanhar Kiryu de uma forma ou outra. Andei passando por umas paradinhas nos últimos dias e esse texto ficou algumas semanas a mais em gestação, só que felizmente conseguimos soltá-lo. Agradeço a atenção e à SEGA que nos confiou esse lindo jogo, que roda muito bem no Switch por sinal. Uma boa noite, e até a próxima.