Slave Zero X é o resultado de uma franquia revivida das profundezas da biblioteca do Dreamcast e reimaginada por completo por um novo time e uma nova interpretação de seu conceito.
Slave Zero X foi lançado em 22 de fevereiro de 2024, desenvolvido pela Poppy Works e publicado pela Ziggurat para PC, PS4 e PS5. É a prequel de Slave Zero, um jogo de ação de mecha em 3ª pessoa lançado em 1999 pela Infogrames North America (antes chamada Accolade). Em janeiro de 2024, Foi lançada uma prequel de Slave Zero X (a prequel da prequel!) intitulada Episode Enyo como um mod total conversion para o primeiro Quake desenvolvido em colaboração entre Poppy Works e Ironwood Software, mod este que acompanha a história de uma das vilãs de SZX.
É, é fácil se confundir no meio de tantas prequels e empresas, não? As coisas não ficam mais fáceis ao focarmos nossos olhos para Slave Zero X por si próprio. Se trata de um jogo character action em 2.5D com combate e movimentação bem similares à antigos jogos de luta tradicionais como Marvel vs. Capcom 2, Street Fighter III e até um pouco de Guilty Gear. Porém, muito da lógica de combate e ritmo de encontros se assemelha bastante à franquia Devil May Cry porém com fases estruturadas de forma similar à outro clássico da Capcom, Strider.
Só acredito ser importante citar esse tanto de fatos da franquia e das inspirações de Slave Zero X pelo quão… essenciais eles são para o aproveitamento e compreensão de suas mecânicas e ritmo de jogo. Assim como em Strider, as fases seguem um ritmo arcade, com hordas de inimigos em situações diferentes desenhadas para testar o jogador. Diferentemente de Strider, todavia, SZX é quase que inteiramente focado em arenas retas e sem interrupções ou até diferentes elevações. Raramente sobra espaço para seções de plataforma, e quando sobra, elas são bem pequeninas e mais estão lá para quebrar o ritmo constante de combates pontuados com um sistema de notas baseado na sua performance.
A violência constante e combate em primeiro plano vêm da narrativa, que acompanha o protagonista Shou. Ele é um dos Guardians que quer derrubar o reino ditatorial de Sovereign Khan, mas utiliza de uma estratégia bem mais arriscada para conseguir seu objetivo: ele se funde com um protótipo de “unidade escravo” de guerra chamada X para ganhar poderes enormes e tentar, sozinho, derrotar Khan e seus outros aliados políticos e militares.
Como Shou começa completamente descontrolado no corpo de X, a violência interminável e natureza instável da união entre os dois é presente desde o início. X quer sangue, então Shou direciona ela para onde ela pode conseguir bastante sangue em meio aos soldados de Khan. Unir o útil ao agradável, sabe? Ao decorrer da narrativa, a fusão dos dois se torna menos distoante e dá espaço para um respeito mútuo que até acompanha a evolução do jogador: enquanto no começo o jogador é violento e caótico, nos momentos finais ele já se sente confiante e mede seus ataques com mais precisão.
Agora, ao tomar controle de Shou, a mistureba ambiciosa do jogo é imediatamente aparente. A pixel art super detalhada comparável aos grandes títulos arcade do fim dos anos 90; os ambientes 3D que misturam a fidelidade do Dreamcast com a pixelagem do PS1, a movimentação mais pesada com um arco de pulo fixo… tudo clica imediatamente. Você está jogando uma interpretação super modernizada e acelerada de uma amálgama de inspirações quase-distoantes casadas ali para criar uma visão única de um jogo de ação moderno.
Os controles e a maneira que você constrói combos lembra bastante um jogo de luta tradicional 1v1, mas Slave Zero X acaba tendo que ser diferente por colocar múltiplos inimigos na tela de lados diferentes ao mesmo tempo. Não é como em um jogo 1v1 onde seu personagem se vira automaticamente para o único inimigo na tela, aqui você deve fazer isso manualmente. Na verdade, considerando as arenas fechadas e retas do jogo dentro de sua perspectiva 2D sidescroller, é curioso ver como ele lida com as partes de seus gêneros-mãe de forma diferente…
Mas ele não faz tantos esforços neste aspecto. Quando aparecem múltiplos inimigos na tela em uma situação normal de combate, a sua melhor opção é sempre se posicionar em um lado onde você pode bater em todos eles ao mesmo tempo sem nenhum poder te pegar pelas costas, e então combar todos como um borrão de sprites indistintos. Não importa qual tipo de inimigo você está enfrentando (salvo chefes), a partir do momento que você entra na ofensiva, eles acabam virando a mesma coisa. 20 inimigos podem ser combados ao mesmo tempo sem oferecerem resistência, e esta é a maneira certa de jogar. O pior é que, se você for pego em meio à esta onda de inimigos e levar um hit, é bem possível que você perca uma quantia absurdamente grande de vida ou simplesmente morra em meio a ataques constantes que você não pode parar de tomar se não tiver o “roman cancel” do jogo (já falo sobre ele).
Como um jogo prescritivo que o incentiva tirar notas altas indo bem nos combates, Slave Zero X possui critérios rígidos para cada arena, além de você também ter que se preocupar em se manter vivo. Aprender um jogo de luta tradicional é difícil. Cada personagem parece fazer parte de seu próprio jogo, e você ainda deve considerar as interações de seu personagem contra todo o resto do elenco. Aprender combos no modo treino não é o maior foco destes jogos, mas sim ler as jogadas de seu oponente e correlacionar as suas decisões com a experiência que você tem com seu personagem de escolha, o próprio jogo, seu inimigo e a pessoa controlando ele. No caso de Slave Zero X, jogar ele perfeitamente é algo que se baseia principalmente no princípio de dominar combos e aberturas ofensivas, aqui contextualizadas em hordas enormes de inimigos. É quase um modo treino estendido para uma campanha com horas de duração.
Com isso quero dizer que muito do apelo da movimentação de um jogo de luta que é transposta aqui se esvai em troca de filosofias incompletas de ação. Tira parte do impacto do combate. Não ajuda que as suas únicas opções defensivas são apenas um dodge roll que te desloca desconfortavelmente pra frente ou para trás e um parry estilo Street Fighter III (como exemplificado no guia oficial do jogo) que possui um timing estrito e requere que você se mova na direção do ataque inimigo, te colocando em mais perigo se errar a janela de execução.
Parece que faltou eu citar um “bloqueio”, não? Afinal, até o parry do SFIII só funciona direito em conversa com o bloqueio. Naquele jogo você pode escolher bloquear de forma confiável ao segurar o analógico para trás e o parry está lá como uma opção super ofensiva que requer pressionar a direção contrária. Você abandona a segurança de um bloqueio para se colocar numa situação mais vantajosa e arriscada. Bem, em Slave Zero X esse só não é o caso; o parry é a sua única opção defensiva “segura”.
Desviar não é lá tão útil considerando que o tempo de invincibilidade recebido é curto e pode acabar com você se jogando diretamente em outro ataque vindo de um dos outros inimigos da arena. É mais fácil usar o dodge pra cancelar ataques e estender seus combos. Claro, uma opção de bloqueio como em SFIII também estaria fora de questão, considerando que existem inimigos de dois lados da tela, então o jogo teria que usar um botão do controle só para bloqueio. Seria uma bagunça no meio de um esquema já lotado de botões, mas, da forma que o parry é implementado, ele acaba apenas tornando Slave Zero X um jogo muito focado em reflexos simples.
Imagine que quase tudo que eu descrevi agora envolve conceitos preestabelecidos nos gêneros de character action e luta tradicional, ambos gêneros complicados de aprender e focados na maestria do esquema de controle. No meu caso, acabo por ter a sorte de ter experiência extensa com ambos os gêneros, então “aprender” Slave Zero X não foi uma tarefa tão complicada. O que me incomoda é que acabei saindo da experiência sem me sentir dominante dos sistemas que regem Slave Zero X por si só; eu apenas executei minha memória muscular dos gêneros que ele toma inspiração até terminar o jogo.
Imagine que você não tenha todo o contexto de como criar combos em um jogo de luta baseado em cancelar ataques uns nos outros, que você não saiba como fazer juggling direito; que você não consiga apropriadamente enfiar um install no meio de uma string; que você não saiba usar tipos diferentes de roman cancelling (sim, a mecânica de Guilty Gear); ou que você só não saiba o que significam metade das palavras que acabei de usar. Slave Zero X não está interessado em te ensinar. Não só isso, ele espera que você abra o jogo já sabendo tudo.
Não vejo grandes problemas com jogos mais… especializados como este, mas parece que boa parte do desafio de Slave Zero X é completamente cancelado se você já tem noção dos conceitos que ele pega emprestado de outros jogos. Já que não existem motion inputs complexos, eu acabei criando alguns combos simples meus e atropelei boa parte dos desafios do jogo decorando janelas de parry e repetidamente executando a exata mesma abertura ofensiva para iniciar meus combos em hordas de inimigos, tudo de uma vez só. A longa duração (relativa ao estilo de jogo) de Slave Zero X também atrapalha no quão repetitivo se torna executar seus combos desta forma.
A estrutura de combate que ele segue deixa as coisas ainda mais complicadas. Para combar um ataque leve em um ataque pesado, você gasta um pedaço da sua barra de especial, que também é usada para ativar seu install e o burst “sai de perto”. Ou seja, todo combo depende da barra! Ao perder toda ela, o certo a se fazer é utilizar seu roman cancel de forma ofensiva, que recupera toda sua barra imediatamente. É um loop que faz você sempre manter sua barra especial cheia. O install, além de te dar a vantagem de roubar vida dos inimigos, também deixa você usar ataques especiais à vontade. Mas este ciclo só é possível se você estiver com uma performance constantemente boa. Parece que este sistema só está ali para aumentar ainda mais a barreira entre um jogador iniciante e alguém que já dominou SZX.
Não existem opções de dificuldade. O tutorial é uma parede de texto que passa uma vez ao iniciar um novo jogo, não possui nenhum exemplo prático, e só pode ser acessada novamente ao selecionar a primeira fase no menu. Não existe uma lista de comandos, e muito menos uma de combos. Os desenvolvedores fizeram um guia oficial na Steam que, ao invés de ensinar qualquer coisa útil, apenas te mostra como ler notação de combos de jogo de luta em numpad (que é quase irrelevante em SZX) e te diz que o parry “funciona como em Third Strike”.
Existem inúmeras barreiras desnecessárias que tornam o jogo hostil à pessoas que vem de fora dos confins do gênero. Ele basicamente implora pra você “estudar” gêneros alheios de forma vaga e indireta para entender como fazer as coisas em Slave Zero X. Ele mitologiza os aspectos mais “complicados” dos jogos de luta e character action para criar uma varanda atrativa para apenas o tipo mais mecanicamente obcecado de jogador. Mesmo sem ter passado tantas dificuldades para chegar aos créditos, eu não posso dizer que me senti realmente engajada. Senti apenas que passei em um teste de conhecimento antes mesmo de abrir o jogo. Ele gira sua lógica apenas em volta de si mesmo.
Antes de concluir eu preciso falar dos chefes. Afinal, existem vários deles e boa parte do desafio na reta final do jogo reside na maneira em que chefes são reutilizados. Ok. A diferença principal deles em relação aos inimigos normais é que eles não tomam stagger ao serem atingidos. Você bate, bate e bate, e eles seguem ignorando o impacto dos seus ataques e revidando à rodo. Após você bater o suficiente no chefe, ele finalmente entra em estado de stagger e te dá mais ou menos um combo completo grátis até ele voltar na ativa. Muitos jogos de ação fazem isso, com um exemplo fácil que vem à minha mente sendo Kingdom Hearts II. Porém, como em Slave Zero X os combos devem ser cuidadosamente construídos, isso limita bastante o potencial de dano de alguém que não aprendeu combos otimizados. É mais uma barreira de execução. Esta até faz mais sentido do que as outras impostas pelo jogo, mas quando combinada com tudo, torna este jogo quase que alienígena para qualquer pessoa que não seja nerd de ação e luta.
O pior vem quando chefes antigos são reutilizados em grandes arenas de inimigos básicos. A combinação de inimigos que tomam stagger imediatamente com um chefe que só toma stagger ao ser atacado por um longo período de tempo torna estas as arenas mais imprevisíveis e difíceis do jogo todo. Estas duas abordagens de vulnerabilidade inimiga simplesmente não casam. Muitas vezes você terá que focar primeiro nos inimigos básicos enquanto dá parry nos ataques constantes do chefe que quebram seus combos. Mais de uma vez eu dei um parry e no próximo frame tomei um segundo ataque quase impossível de ser reagido. E às vezes você enfrenta dois chefes ao mesmo tempo junto dos inimigos básicos…
Eu não posso dizer que odiei Slave Zero X. Vou longe o suficiente para recomendar ele para quem tem muito gosto para passar horas no modo treino de um jogo de luta para otimizar combos. De certa forma, ele é uma carta de amor à este tipo de jogador… e mesmo com minhas críticas formando o foco do texto, talvez a menção de algumas mecânicas e situações de combate tenham até aumentado seu interesse. Que bom!
Infelizmente, a barragem de mecânicas desconexas e a falta de coesão em uma experiência tão focada em te dar notas de performance e prescrever um estilo de jogo não me apetece nem um pouco. O único adjetivo que me resta a colocar aqui é que Slave Zero X é um jogo egoísta.
Uma cópia gratuita de Slave Zero X foi concedida pela Ziggurat para análise no Recanto do Dragão.